“Só temos de pensar que somos invisíveis”. É isto que Steve Duncan diz a Andrew Wonder, o responsável por capturar os fantásticos cenários deste itinerário, enquanto tentam continuar incógnitos e não ser descobertos na fase final do percurso em Lincoln Tunnel. O vídeo já tem um ano, mas as suas imagens são intemporais.
Esta viagem começa no metro de Nova Iorque, numa breve visita à “semi-secreta” antiga estação de City Hall. Esta era um dos terminais da primeira linha de metro nova-iorquina, em 1904, e foi inaugurada como sendo a joia de todas as infraestruturas da época: com elegantes arcos e cuidadosamente decorada, incluindo a placa comemorativa do lançamento da linha do metro.
City Hall foi encerrada em 1945 e está fechada ao público desde então, servindo apenas como ponto de passagem de carruagens da linha 6, que terminam o percurso em Brooklyn Bridge. É graças a este pormenor que a torna numa estação semi-secreta, já que se apanharmos um condutor simpático que não obrigue toda a gente a sair na última estação, quem quiser pode passar por lá e, por breves segundos, observar a elegância da antiga estação numa carruagem de metro a chiar ruidosamente alta enquanto percorre a histórica City Hall. Estas condições não são as melhores, e muito menos as suficientes, para alguém como Steve Duncan e Andrew Wonder cumprirem o seu objetivo, o que os levou a infiltrarem-se às 2h30 da manhã (o metro em Nova Iorque funciona 24 horas).
Como se só a visita a esta estação não fosse suficiente, os dois norte-americanos visitam ainda o esgoto de Canal Street, o primeiro esgoto coberto da Big Apple, construído em 1812. Antes da sua construção este lugar consistia numa fossa a descoberto onde passava um pequeno riacho que foi ficando cada vez mais poluído a partir do sec. XVIII com o desenvolvimento que a cidade conheceu. Os primeiros registos desta área mostram que os nativos americanos percorriam este canal de canoa na procura de mantimentos para o inverno. Hoje é a infraestrutura que se pode ver a partir do minuto 10:00 do vídeo.
A terceira parte desta aventura começa aos 13:50 do vídeo, em plena luz do dia, junto a alguns arranha-céus construídos por cima da entrada para o Lincoln Tunnel. A partir daí podemos ver a estrutura que sustem a rua onde milhões de pessoas circulam diariamente, seja por automóvel ou a pé, e não podemos deixar de ficar abismados com a aparente fragilidade das vigas empoeiradas.
Do subsolo para o topo da cidade
Na complexa rede de túneis ali debaixo construído vemos, para além de comboiosa circular a alta velocidade, lixo acumulado da superfície e graffiti nas paredes, saliências e cantos que se formam nas paredes dos túneis e servem de “lar” para vários sem-abrigo, os chamados “Mole People”. Aparentemente não é a primeira vez que Steve fala com Greg, um dos três sem-abrigo que aceita aparecer em vídeo e que resiste à tentativa de expulsão por parte das autoridades.
Os outros dois que fazem dos túneis o seu teto são Miguel, um imigrante surpreendido por aparecerem por ali jovens raparigas que em grupo fazem graffiti nas paredes e que se diverte a assustá-las, e Brooklyn, uma das residentes mais antigas – talvez a mais antiga – dos velhos túneis por baixo dos novos prédios que crescem à superfície. Esta conta ainda como foi parar ao seu “lar” graças aos gatos que via surgir, aparentemente, do nada, animais que ainda hoje estima e cuida.
Ter sido alvo de uma operação policial não o desmotivou
Duncan é um historiador urbano que explora cidades em todo o mundo à procura de infraestruturas escondidas, normalmente no subsolo – túneis, esgotos, rede de metro. Nova Iorque é o seu espaço preferido para explorar, lê-se numa reportagem da National Public Radio reportagem da National Public Radio, que o acompanhou numa das suas saídas, noturnas.
Dada a natureza deste seu trabalho, Duncan enfrenta vários perigos que lhe poderão custar a vida e caso seja apanhado em flagrante enfrenta problemas legais já que o acesso a estas áreas é restrito. Caso tenha visto o vídeo primeiro e só agora está a ler isto, tudo o que foi registado em vídeo é ilegal.
“É bastante preocupante ser apanhado a fazer alguma coisa como isto” diz Steve enquanto se prepara para explorar o esgoto de Canal Street, “porque na maioria das vezes, as acusações criminais são demasiado severas para o que estamos a fazer”.
Isto fez com que já fosse várias vezes preso, duas delas em catedrais: na francesa Paris, enquanto explorava Notre Dame, e na sua Nova Iorque, na Cathedral of St John the Divine, esta última numa operação que envolveu 100 agentes SWAT (Special Weapons and Tactics), após estes terem respondido a uma situação de alto risco envolvendo um sniper no topo da catedral: afinal era apenas Steve com a sua câmara e tripé, material que foi confundido com a arma de um atirador furtivo.
Mas se já teve vários problemas com a polícia e se corre o risco de ser colhido por um comboio, de ficar soterrado após algum desabamento de ruínas, de ficar preto no sistema de carris do metro ou até ser eletrocutad, porque continua a fazê-lo? “É sedutor. É misterioso. É o que está dentro de nós” lê-se ainda no mesmo artigo da NPR continuando: “Se pudesses seguir a Alice para dentro do buraco ou ir com Julio Verne até ao centro da Terra, não o farias?”
Não precisa de ir tão longe para o acompanhar. O filme de Andrew Wonder mostra-nos alguns dos melhores sítios secretos da cidade de Nova Iorque, sem termos de estar expostos ao perigo, como estes dois estiveram.
Veja também a viagem de Steve Duncan às catacumbas de Paris, um espaço com mais de 300 quilómetros construído ao longo de 900 anos. Para mais informações sobre o trabalho deste historiador urbano: undercity.org