Atualmente, o clima em Marte é frígido e demasiado hostil para albergar vida, mas acredita-se que outrora o planeta já teve condições para o fazer. O rover Curiosity continua no planeta vermelho a realizar medições e recolher dados sobre a composição isotópica de minerais ricos em carbono: informação que pode ajudar a perceber como o clima mudou ali.

Em comunicado, David Burtt, do Goddard Space Flight Center da NASA e principal autor de um recém-publicado estudo sobre tema, conta que “os valores de isótopo destes carbonatos apontam para volumes extremos de evaporação, sugerindo que estes carbonatos se formaram num clima que podia suportar água líquida temporariamente (…) As nossas amostras não são consistentes com um ambiente antigo com vida (biosfera) à superfície de Marte, mas isto não descarta a possibilidade de haver uma biosfera subterrânea ou que uma biosfera à superfície se tenha formado e terminado antes da formação destes carbonatos”.

A NASA explica que os isótopos são versões de um elemento com diferentes massas, com o interesse nos carbonatos a justificar-se pela sua capacidade provada de servirem de registos climáticos. Os minerais conseguem reter assinaturas dos ambientes em que se formaram e pelos quais passaram até à atualidade, incluindo aqui a temperatura e a acidez da água, bem como a composição do ar. Na cratera de Gale, onde está o Curiosity, os carbonatos podem ter sido formados através de uma série de ciclos de humidade/secura ou através de água muito salgada sob o gelo.

Jennifer Stern, co-autora do estudo, publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, explica que as duas hipóteses representam regimes de climas diferentes: “os ciclos húmido/seco indicam alternância entre ambientes mais habitáveis ou menos habitáveis, enquanto as temperaturas criogénicas indicam um ambiente menos habitável onde a maior parte da água está presa em gelo e indisponível para química ou biologia e a que existe é extremamente salgada ou imprópria para a vida”.

Ambos os cenários já tinham sido avançados pelos cientistas e este estudo veio reforçá-los com evidências recolhidas nos isótopos. A descoberta foi feita com recurso aos instrumentos SAM (de Sample Analysis at Mars) e TLS (de Tunable Laser Spectrometer), onde o primeiro aquece as amostras até aos 900 graus centígrados e o segundo é usado para analisar os gases que se formam no aquecimento.

O Supremo Tribunal brasileiro autorizou que a rede social X voltasse ao ativo, depois de Musk ter concordado em pagar cinco milhões de dólares em multas e ter aceitado suspender um conjunto de contas acusadas de estarem a espalhar desinformação. Alexandre de Moraes, o juiz que tem estado numa batalha legal com a plataforma de Musk há meses, ordenou que suspensão fosse levantada e autorizou as operadoras de telecomunicações a restaurarem o serviço.

Depois de ter recusado a suspensão de certas contas associadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o serviço acabou por ser bloqueado no país. Musk ainda tentou assumir uma posição de desafio às autoridades, dizendo que a X não iria cumprir com “ordens ilegais” e reforçando que, para os utilizadores no Brasil e à volta do Mundo , a rede social mantinha o compromisso de em proteger a liberdade de expressão. Agora, o discurso muda um pouco, com a empresa a assumir que pretende continuar a defender a liberdade de expressão, mas “dentro dos limites da lei”, cita o ArsTechnica.

O juiz congelou as contas bancárias da Starlink e da X, apreendendo 3,3 milhões de dólares e tratando-as como um único grupo económico, uma vez que ambas as empresas são de Elon Musk. Depois de na semana passada a X ter concordado em pagar as multas remanescentes, a religação da plataforma foi atrasada porque, aparentemente, Elon pagou as multas para a conta bancária errada.

A empresa conta agora com representantes legais no país que serão os responsáveis por assegurar o cumprimento da lei.

Segundo a Reuters, alguns utilizadores no Brasil começaram a ter acesso à X durante o dia de ontem e temas como “estamos de volta” estavam entre as tendências do dia no maior país da América Latina. O regulador das telecomunicações Anatel conta que o processo de voltar a disponibilizar a plataforma vai variar de operador para operador, podendo demorar mais ou menos tempo.

O Brasil é o sexto maior mercado da X e contava, em abril, com 21,5 milhões de utilizadores.

Palavras-chave:

Os primeiros Pixel Buds Pro já tinham deixado uma boa impressão, se bem que tivessem algumas arestas para limar. A Google continua a apostar no segmento dos auriculares sem fios e, com a estreia dos smartphones Pixel 9 e do smartwatch Pixel Watch 3, chega também um novo modelo de earbuds que promete melhorias importantes em comparação à primeira geração. Mas serão suficientes para fazer frente à concorrência?

Pixel Buds Pro 2: Design com um twist

Embora mantenham o formato de ‘botão’, os Pixel Buds Pro 2 chegam com mudanças no design. De acordo com a Google, a nova geração de auriculares é 27% mais compacta e 24% mais leve do que a anterior. Mas essa não é a única novidade. Este modelo estreia um novo sistema de fixação, chamado “Twist-to-ajust”, que inclui uma espécie de pequena ‘barbatana’ para ajudar a dar mais estabilidade. Este é um sistema que requer alguma atenção durante a colocação dos auriculares nos ouvidos, mas habituamo-nos rapidamente a este processo. Basta colocar os Pixel Buds com o símbolo da Google na vertical e, depois, rodar até encontrar o encaixe mais confortável. 

Pixel Buds Pro 2

A propósito de conforto, a Google incluiu quatro conjuntos de pontas com tamanhos diferentes – do XS ao L, com o M a ser a opção predefinida. Para assegurar que está a fazer a escolha certa, a app que acompanha os Pixel Buds permite fazer uma verificação do isolamento da ponta dos auriculares, algo que é essencial para um bom cancelamento do ruído exterior. 

Veja os Pixel Buds Pro 2 com mais detalhe

As dimensões mais reduzidas e o design focado na ergonomia resultam numa experiência mais confortável e estável. Durante os nossos testes não sentimos aquele desconforto que costuma surgir quando experimentamos um novo par de auriculares, nem a necessidade de estar a ajustar constantemente a sua posição. No entanto, a redução no tamanho implicou também ‘cortar’ na dimensão dos painéis táteis integrados, o que requer mais atenção – e precisão – quando se trata de tocar nos auriculares para controlar a reprodução de música, comutar entre o cancelamento ativo de ruído e o modo Transparência ou para ‘chamar’ o assistente inteligente da Google. 

Fora dos Pixel Buds em si, a caixa de carregamento que os acompanha não traz grandes mudanças, embora conte com uma novidade que os utilizadores mais distraídos vão certamente apreciar. Os Pixel Buds Pro 2 suportam agora a aplicação Find My Device (ou Localizar o meu dispositivo, em português). Na eventualidade de perder os auriculares, poderá usar a app para os encontrar mais facilmente e, se estiverem nas proximidades, até é possível fazer com que a caixa, agora equipada com um pequeno altifalante, emita som. 

Um toque para silenciar o mundo

No interior, os novos auriculares da Google estão equipados com o processador Tensor A1, que ‘alimenta’ o sistema de cancelamento ativo de ruído (ANC), mas que também tem impacto em outras áreas, como na reprodução de música e na bateria. 

Centrando as nossas atenções no cancelamento de ruído, a Google afirma que o ANC – que foi melhorado com tecnologia Silent Seal 2.0 – é duas vezes mais forte do que o sistema integrado no modelo anterior, com os novos Pixel Buds a estarem preparados para silenciar uma maior variedade de barulhos indesejados: dos sons do trânsito às conversas num café movimentado. 

Ao ativarmos o modo ANC sentimos de imediato o efeito de silenciamento do mundo à nossa volta. Por exemplo, durante as nossas viagens diárias em transportes públicos particularmente barulhentos, fizeram um bom trabalho a colocar-nos numa ‘bolha’ maioritariamente silenciosa. Há certas frequências que os auriculares têm alguma dificuldade em abafar totalmente e que ainda conseguem passar, se bem que num tom um pouco mais suave. É certo que não estamos na mesma liga de outros modelos mais apetrechados (e caros), mas o efeito de cancelamento de ruído é muito convincente.

Ao ativar a funcionalidade “Deteção de Conversas” na app dos Pixel Buds é possível ligar automaticamente o modo Transparência quando começa a falar com alguém. Esta é uma opção que valorizamos e que funciona tal como anunciado pela marca, porém, se estiver a ter uma conversa mais ‘faseada’, isto é, com muitas pausas pelo meio, o modo ANC volta entretanto a ser ativado, fazendo com que certos momentos se percam pelo caminho – pior ainda se estiver com a música ligada. 

Outro dos trunfos na manga da Google é a integração de IA para melhorar as chamadas, prometendo mais nitidez em ambientes barulhentos. Apesar da sua utilidade, esta é uma funcionalidade que está apenas disponível com a ligação a um smartphone Pixel compatível. Mesmo ao emparelharmos os Pixel Buds Pro 2 com um smartphone fora do ecossistema da gigante de Mountain View, quem estava do outro lado da linha ouviu-nos com clareza durante as chamadas, embora sentisse, por vezes, algum efeito de eco. 

Onde está o fator ‘wow’?

Há auriculares que impressionam assim que pomos música a tocar pela primeira vez: somos transportados para outro universo onde todos os elementos sonoros se conjugam na perfeição e onde sentimos a emoção das faixas que estamos a ouvir quase à flor da pele. 

Este não é bem o caso dos Pixel Buds Pro 2. Atenção: com isto não queremos dizer que a qualidade sonora é má. Longe disso. As frequências são reproduzidas sem distorções ou estridências e com mais expressão nos graves no modo de equalizador Predefinido. Ficamos, porém, com a sensação de que há qualquer coisa em falta. Isto consegue ser resolvido, em parte, com alguns ajustes através da app, que tem cinco modos de equalizador à escolha. 

Pixel Buds Pro 2 app

Vamos a exemplos práticos. A melodia do baixo em Them Changes de Thundercat ou a batida grave de fundo em Back on 74 de Jungle ganham ainda mais dimensão quando trocamos para o modo “Graves pesados”. No modo “Nitidez”, as flautas que se fazem ouvir na versão ao vivo de Matsuri, interpretada por Fujii Kaze, tornam-se ainda mais vibrantes, com os pequenos pormenores que compõem a paisagem sonora a não passarem despercebidos. Já no modo “Amplificação vocal”, a voz de Björk – já carregada de emoção em Jóga – torna-se ainda mais envolvente. 

Embora seja possível criar um perfil de equalizador personalizado, os Pixel Buds Pro 2 padecem de um problema ‘herdado’ da geração anterior: não conseguimos ter dois elementos em simultâneo, por exemplo, maior nitidez e graves mais pujantes. Tal como os Pixel Buds Pro, este modelo tem suporte a áudio espacial, porém a funcionalidade continua limitada a quem tem um smartphone Pixel compatível. Além disso, a falta de suporte a codecs de Bluetooth de áudio de alta qualidade, como LDAC ou aptX, volta a afirmar-se como um aspecto menos positivo para os utilizadores mais exigentes.

Preparados para a era Gemini

Com a Google a apostar em grande na Inteligência Artificial, não é surpresa que os Pixel Buds Pro 2 contem com a integração do Gemini, concebido para funcionar como um assistente em modo mãos livres: basta dizer “Hey, Google” para chamar a sua atenção. Pedidos simples, como comandos para abrir apps, marcar um temporizador, ou até mandar uma mensagem rápida a alguém, foram as opções em que o Gemini melhor demonstrou a sua utilidade. 

A questão torna-se um pouco mais complicada quando entramos em pedidos mais complexos, como pedir ao Gemini ajuda para fazer brainstorming sobre um determinado assunto. Prepare-se para ter a pergunta ou pedido que quer fazer na ponta da língua, caso contrário será prontamente interrompido. A pensar em quem prefere ficar à conversa há o Gemini Live, mas esta é uma funcionalidade que requer acesso à versão paga do chatbot da Google. 

Pixel Buds Pro 2

No que respeita à autonomia, que já era um ponto de destaque na geração anterior, os Pixel Buds Pro 2 voltam a deixar uma boa impressão. A Google promete até oito horas de reprodução com modo ANC ativado, sendo este um valor que está em linha com aquele que registámos durante os nossos testes. Contando com a caixa de carregamento, a autonomia total sobe para cerca de 30 horas neste modo de utilização.

Em suma, os novos Pixel Buds Pro contam com melhorias em áreas chave, como no design, cancelamento de ruído e na autonomia, com a Google a conseguir limar algumas das arestas da geração anterior. Estas melhorias justificam, em parte, o aumento no preço, mas há questões importantes a ter em conta se está de olho neste modelo. 

Os Pixel Buds Pro 2 são uma opção a considerar para quem valoriza, sobretudo, a capacidade de cancelamento de ruído, além do formato compacto e prático para o dia a dia. Se tem um smartphone Pixel, o investimento torna-se ainda mais apelativo, uma vez que conseguirá tirar total partido do leque de funcionalidades disponibilizadas. 

Por outro lado, se é particularmente exigente quanto às capacidades de reprodução de música, ou se tem um smartphone de outra marca, existem outras opções no mercado – incluindo dentro da mesma gama de preço – que poderão enquadrar-se de uma melhor forma às suas necessidades.

Tome Nota
Pixel Buds Pro 2 – €249
store.google.com/pt

Qualidade do som Muito Bom
Cancelamento de ruído Muito Bom
Qualidade de chamadas Muito Bom
Autonomia Excelente

Características 2x Drivers dinâmicos de 11 mm • 2x 3 microfones • Cancelamento de ruído ativo (ANC) • Processador: Tensor A1 • Autonomia anunciada: 8h / 30h c/ caixa de carregamento (ANC ativado); 12h / 48h c/ caixa de carregamento (ANC desativado) • Codecs: SBC, AAC • Conectividade: Bluetooth 5.4; LE Audio; Banda Superlarga • Carregamento: USB-C (caixa): Qi (sem fios) • 22,74 mm x 23,08 mm x 17,03 mm (auricular c/ ponta média) • 49,9 mm x 63,3 mm x 25,0 mm (caixa) • 4,7 g (auricular c/ ponta média) • 65 g (caixa c/ auriculares)

Desempenho: 4,5
Características: 4,5
Qualidade/preço: 3,5

Global: 4,2

A qualidade Dona Ermelinda é de excelência, representa vinhos gastronómicos com um estilo mais “clássico”.

Tenta-se sempre usar as castas mais típicas da região de vinhas velhas, conjugadas com castas internacionais, quando se entende que melhoram os lotes, tornando-os distintos.


Dona Ermelinda Tinto

CASTA: Castelão, Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional

NOTA DE PROVA: Vinho de cor vermelho escuro, granada, aroma bem conjugado com a madeira, confitado, rico em frutos vermelhos muito maduros, bem conjugado com a madeira, cheio, complexo, com taninos muito redondos, final de boca prolongado e agradável.

COMO CONSUMIR? Ideal com pratos de carne, bacalhau e queijos.

Dona Ermelinda Branco

CASTA: Fernão Pires, Arinto, Antão Vaz e Chardonnay.

NOTA DE PROVA: vinho com cor palha esverdeado, aroma frutado intenso com notas a frutos tropicais e mel. Na boca revela-se cheio com grande equilíbrio entre os componentes: acidez – açúcares – álcool – madeira. Final longo persistente e agradável.

COMO CONSUMIR? Excelente para pratos de peixe, saladas, massas e carnes brancas.

Dona Ermelinda Branco Reserva

CASTA: Chardonnay, Arinto e Viognier

NOTA DE PROVA: vinho com cor amarelo esverdeada, aroma com notas de frutos doces e algum citrino, bem integrado com a madeira onde estagiou. Na boca apresenta-se cheio e cremoso com final elegante e persistente.

COMO CONSUMIR? Excelente para pratos de peixe, saladas, massas e carnes brancas.

Dona Ermelinda Tinto Reserva

CASTA: Castelão, Touriga Nacional, Trincadeira, Cabernet Sauvignon

NOTA DE PROVA: vinho com cor granada quase opaco, com aromas a lembrar frutos pretos, especiarias e fumo, com alguma compota devido à grande maturação atingida. Na boca é um vinho denso, cheio, com grande estrutura, taninos presentes, mas integrados e macios. Final longo persistente e muito agradável.

COMO CONSUMIR? Carnes, carnes vermelhas, pratos de caça, queijos, queijos de pasta mole, queijos fortes.

Dona Ermelinda Grande Reserva

HISTÓRIA: Vinho único e raro, que pretende ser uma referência dos encepamentos mais modernos da Casa Ermelinda Freitas e da Região de Setúbal.

NOTA DE PROVA: vinho com cor granada quase opaco, com aromas a lembrar frutos pretos, especiarias e fumo, com alguma compota devido à grande maturação atingida. Na boca é um vinho denso, cheio, com grande estrutura, taninos presentes e bem integrados. Final longo e persistente.

COMO CONSUMIR? Carnes, carnes vermelhas, pratos de caça, queijos, queijos de pasta mole, queijos fortes


Dona Ermelinda Rosé

Este ano, a gama Dona Ermelinda cresce com o novo Dona Ermelinda Rosé, que teve uma grande aceitação junto do consumidor. A nova referência está a reunir grande sucesso nos festivais de norte a sul em que a Casa Ermelinda Freitas esta presente.

NOTA DE PROVA: vinho com cor rose leve com aroma frutado intenso com frutas vermelhas frescas, na boca apresenta-se refrescante com grande equilíbrio entre a acidez e os açúcares.

COMO CONSUMIR? Serve de aperitivo e acompanha bem pratos leves como peixes, saladas, comida italiana como pizzas e pastas bem como comida asiática.

Novos membros Dona Ermelinda

A Casa Ermelinda Freitas um novo Moscatel Roxo de altíssima qualidade, estagiado 10 anos em barricas. Um representante fidedigno da diferenciação e distinção que é este licoroso único na Península de Setúbal.

Lança também o novo Dona Ermelinda Garrafeira, um vinho único de rara qualidade e que foi feito por ser de um ano especial (2017), mostrando bem a qualidade e o terroir que esta gama possui.


A Amadora recebe, mais uma vez, aquele que é considerado o mais importante festival de banda desenhada em Portugal e um dos mais populares na Europa. De 17 a 27 de outubro, pode visitar 15 exposições que destacam os valores da democracia, liberdade, justiça e igualdade, por ocasião da celebração dos 50 anos do 25 de abril. Prontos para mais um Amadora BD?

Concebida e estruturada sob o tema “Humanidade”, esta edição decorre em quatro espaços na cidade da Amadora: Parque da Liberdade; Galeria Municipal Artur Bual; Bedeteca da Amadora; e Casa Roque Gameiro.

O evento apresenta não só o trabalho de autores portugueses, como de uma dezena de criadores internacionais de banda desenhada que vão lançar as edições portuguesas das suas obras durante o Festival: é o caso da sul-coreana Keum Suk Gendry-Kim (Grass), da holandesa Aimée de Jongh (adaptação para BD do clássico de William Golding, Lord of the Flies), ou do francês Mathieu Sapin (Edgar).

Criado em 1990, esta iniciativa da Câmara Municipal da Amadora tem sido organizada ininterruptamente. Se não tiver tempo para ver todas as exposições ou não souber por onde começar, deixamos-lhe aqui 6 bons pontos de partida para explorar aos quadradinhos (e não só!).

35ª edição Amadora BD: 6 exposições a não perder


Mafalda, uma inconformista de 60 anos

A menina que detesta sopa, adora os Beatles e que quando crescer quer ser intérprete da ONU está de parabéns: este ano celebra o seu 60.º aniversário. Concebida pelo desenhador argentino Quino, esta exposição é um convite para o universo de Mafalda, que continua contestatária e com vontade de mudar o mundo.

© Quino/Penguin Random House

60 anos de Daredevil

© Daredevil #139 Cover (1976) Gil Kane Hi-Res

Alex Maleev e Joe Rubinstein são dois desenhadores internacionais convidados para apresentar uma exposição dedicada ao herói da Marvel Comics, o Daredevil (Demolidor, em português). Apresenta a história do jovem Matt Murdock que, depois de um bizarro acidente, adquiriu dons sobre-humanos e tornou-se advogado durante o dia, e vigilante mascarado de noite.


O mundo de Elviro – Paulo J. Mendes

Trata-se da banda desenhada que venceu o prémio “Melhor obra de autor português”, nos prémios de Banda Desenhada da Amadora, em 2023. “Elviro”, concebido durante os dias da pandemia, protagoniza uma história que se desenrola nas décadas de 60/70, numa popular vila costeira, onde se vivem os últimos dias da velha rede de elétricos.

© Paulo J. Mendes

25 anos de Naruto: O Caminho do Ninja

©Naruto @1999 by Masashi Kishimoto/ SHUEISHA Inc.

Esta exposição em homenagem aos 25 anos de Naruto, figura incontornável criada pelo japonês Masashi Kishimoto, conta o longo percurso da vida de Naruto, o menino que sonhava tornar-se um Hokage, o ninja mais poderoso da sua vila.


25 mulheres: Raquel Costa

A autora portuguesa convida a uma viagem que remonta ao início dos anos 70, em Portugal, através das histórias ficcionadas de 25 mulheres. Vive, em cada uma delas, as contradições da condição feminina da época, com as quais ainda nos debatemos atualmente.

© Raquel Costa

Elevada Nota Artística – 80 anos de Cartoons N’A Bola

© Jornal A Bola

Entre desenhos, cartoons, tiras humorísticas e bandas desenhadas, o portefólio de conteúdos ilustrados do Jornal A Bola é um dos mais importantes para a imprensa portuguesa. Apresentados pela primeira vez ao público, trata-se de originais de várias décadas, desenhados e pintados à mão.


Explorar mais


São quatro os espaços na cidade da Amadora onde pode mergulhar neste mundo de heróis, super-heróis, animação e muitos quadradinhos.

Núcleo Central do evento: Parque da Liberdade (antigo Ski Skate Park)

Este espaço contará com a presença de várias editoras e será palco de inúmeros lançamentos, sessões de autógrafos, apresentações e palestras e de uma gaming arena. É neste núcleo central que pode ver as seguintes exposições de autores nacionais e internacionais:

Visite a 35.ª edição do Amadora BD de 17 a 27 de outubro, de 2.ª a 5.ª, das 10h às 20h; 6.ª, sábado e domingo, das 10h às 21h.

  • Mafalda, Uma Inconformista de 60 anos
  • O Mundo de Elviro – Paulo J. Mendes
  • Universidade das Cabras – Christian Lax
  • Trilogia de Nova Iorque – Mikaël
  • 25 Anos de Naruto: O Caminho do Ninja
  • Quilombo, Herança e Resistências – Marcelo D’Salete
  • 60 Anos de Daredevil
  • Elevada Nota Artística – 80 anos de Cartoons n’A Bola
  • Edgar – Mathieu Sapin
  • Entre Camões e Pessoa: uma coleção
  • Avenida da Liberdade, n.º 74

Galeria Municipal Artur Bual

  • O Plural de Abril em Nuno Saraiva – Nuno Saraiva
  • Assim vai o Mundo, Cristina! – Cristina Sampaio

Bedeteca da Amadora

  • 25 Mulheres – Raquel Costa

Casa Roque Gameiro

  • (Re)conhecer Guida Ottolini (1915-1992): uma Ilustradora da ‘Tribo dos Pincéis’

Com o objetivo de combater o preconceito, o estigma e promover o conhecimento sobre saúde mental, a Federação Mundial da Saúde Mental criou, em 1992, o Dia Mundial da Saúde Mental, uma data que se assinala a 10 de outubro.

O tema deste ano é “Saúde mental no trabalho” e pretende destacar o papel essencial de um bom ambiente profissional, defendendo locais de trabalho onde a saúde mental é priorizada, protegida e promovida. 

A psicóloga Diana Costa Gomes, autora do livro “Fala-me do que sentes”, salienta no a importância de não termos medo que falar sobre os nossos sentimentos e de pedir ajuda profissional sempre que a nossa mental esteja em “perigo”.

A especialista explica processo psicoterapêutico não é um “penso rápido”. “É um trabalho de auto-conhecimento. É sermos detetives de nós mesmos. Quando iniciamos um processo psicoterapêutico trazemos um pedido, que é, na sua génese, idiossincrático, ou seja, não há duas depressões iguais. A motivação iniciar um processo terapêutico parte, muitas vezes, do próprio”.

No seu novo livro, a autora conta episódios de pacientes que tentam tratar os mais diversos problemas: ansiedade, depressão, trauma, luto e burnout. “Os temas são quadros diagnósticos que vejo frequentemente em consulta. São temas recorrentes e, por isso mesmo, tocarão várias pessoas. Para além disso, são temas que estão na ordem do dia. Todavia, o foco foi para a vivência individual da pessoa que cumpre os critérios diagnósticos de cada um deles”, analisa.

Leia um excerto do livro:

Madalena: “Às vezes só me apetece desaparecer…”- Burnout. Arder e renascer

(…)

Comecei por me orientar através de alguns dados: idade, estado civil, profissão. A Madalena tem quarenta e dois anos, é divorciada e trabalha, a partir de casa, no departamento de marketing de uma empresa de renome que integrara havia apenas seis meses. Diz não se sentir realizada no que faz e vê no trabalho a principal fonte do seu stress. Tem a seu cargo uma enorme responsabilidade, uma chefe workaholic, e não tem relações de amizade no trabalho, fazendo uma alusão a «conflitos de egos». Enfrenta constantemente
prazos apertados e a sensação de que está permanentemente atrasada, em falta e em reuniões que, na prática, se traduzem em «pura perda de tempo».

Os meus radares acenderam. Naqueles primeiros minutos, Madalena dera‑me já alguns dos que eram reconhecidos como fatores de risco pessoais para o desenvolvimento de um quadro de burnout: idade jovem;
género feminino; habilitações literárias elevadas. Identifiquei também fatores de risco relacionados com o trabalho: menor tempo na instituição (é sabido que o quadro afeta pessoas que estão há menos ou mais tempo no exercício das funções); sobrecarga de trabalho; relação conflitual com colegas e clientes e chefias hostis; elevada exigência e responsabilidade; elevada pressão; insatisfação profissional.

A Madalena referira ainda stress. Aquela era uma narrativa frequente em quadros de burnout. Muitas pessoas dizem‑se «cansadas» e «em stress». Mas quem está em burnout não está cansado. Está exausto. E o burnout não é stress. O stress é um processo adaptativo. Todos nós, em algum momento da nossa vida, já experimentámos stress. O stress refere‑se a uma exposição intensa a stressores diversos e pode ter efeitos benéficos ou prejudiciais, sendo conhecida a relação entre stress e desempenho. Enquanto o stress é um processo de adaptação, o burnout é um processo de inadaptação. É tipicamente vivenciado por indivíduos motivados, com elevadas expectativas e com efeitos prejudiciais que afetam largamente o desempenho
(distress). O conceito de eustress refere‑se a uma forma positiva de stress, onde um nível moderado de pressão ou de tensão pode ser benéfico e até mesmo motivador para o desempenho e crescimento pessoal. Enquanto o termo distress se associa a um stress negativo e prejudicial à saúde e ao desempenho, o eustress descreve uma tensão que é percebida como desafiadora, mas que ainda é administrável e estimulante. O eustress pode ser experimentado em situações desafiadoras que exigem um esforço extra, como iniciar um novo emprego, realizar uma apresentação importante, competir num evento desportivo ou enfrentar prazos de entrega apertados. Nessas circunstâncias, o stress moderado pode resultar num aumento temporário da energia, motivação e foco, levando a um desempenho melhorado.

Debrucei‑me sobre o inventário, constituído por vinte e dois itens classificados numa escala de 0 a 6, e comecei por ler a Madalena a primeira questão:

– «Com que frequência se sente cansada?» – A Madalena soltou um riso carregado de ironia que denotava quase uma amargura.

– Não sei o que é não sentir cansaço – disse com um suspiro contido.

Não estava em terapia. Tinha de me cingir ao instrumento de avaliação:

– Deve responder com uma destas opções: sempre; frequentemente; às vezes; raramente; quase nunca ou nunca.

– Sempre. É como se o cansaço fizesse parte de mim, uma sombra constante que me acompanha, quase uma companheira inseparável. – O seu riso não continha traços de leveza, mas sim uma manifestação do peso
esmagador que o tal «cansaço» exercia sobre ela. Era um riso marcado pela exaustão e pela procura de uma saída.

Lembrei‑me de uma passagem do Livro do Desassossego , de Fernando Pessoa: «O que tenho sobretudo é cansaço, e aquele desassossego que é gémeo do cansaço quando este não tem outra razão de ser senão o estar sendo.» Era como se Madalena «estivesse sendo».

Sem que tivesse hipótese de passar para a questão seguinte do inventário, Madalena continuou a narrativa:
– Estou sempre a pensar no que tenho de fazer e parece que não estou verdadeiramente em lugar nenhum.

O seu telemóvel coleciona grupos de WhatsApp e a sua cabeça listas to do referentes quer ao trabalho quer aos filhos e/ou à gestão doméstica. – Parece que estou meio apática. Às vezes só me apetece desaparecer!
«Fuguir!» – disparou em madeirense puro.

O facto de Madalena estar em crise causou‑me ambivalência. Se, por um lado, começava a ser claro que beneficiaria de um processo terapêutico, não havia a mínima hipótese de o iniciarmos. Não tinha espaço na agenda para aceitar novos pacientes e estava a concluir a formação em (mais uma!) sociedade de psicoterapia. Era a minha prioridade absoluta. Estávamos em junho e tinha, como era habitual, um período de férias marcado para agosto. Acresce que obtivera finalmente o sim no teste de gravidez e fora surpreendida por uma gravidez gemelar. Exatamente por ser uma gravidez gemelar (e, por isso, de risco), entraria de baixa muito possivelmente ainda no primeiro trimestre de gestação.

Nunca aceitava pacientes novos com a aproximação de um período de interregno. Aprendera que o efeito da interrupção podia ser profundamente disruptivo e gerar no paciente um sentimento abandónico contraproducente.

Por isto, e bem vistas as coisas, não sei bem se por mim ou se por Madalena, senti necessidade de esclarecer esta situação para evitar qualquer equívoco e dissipar qualquer possibilidade de indefinição do nosso espaço.

– Madalena, deixe‑me agradecer‑lhe, uma vez mais, a disponibilidade e o interesse demonstrados em participar neste estudo. Este nosso tempo cumpre o propósito de investigação, isto é, estaremos juntas durante o tempo que decorrer a entrevista, que é de caráter de investigação e não terapêutico. É importante estarmos ambas cientes disto. No entanto, se, no final, concluirmos que beneficiaria de psicoterapia, terei todo o gosto em encaminhá‑la para alguém da minha confiança. Parece‑lhe bem?

Estava satisfeita com a assertividade que acabara de demonstrar. Havia delimitado cuidadosamente o terreno com as minhas palavras, escolhendo com confiança aquelas que acreditava serem as corretas, não deixando qualquer espaço para ambiguidades. Convencia‑me de que, desta maneira, estaria protegida, resguardada das sombras cinzentas que poderiam ameaçar a segurança daquele espaço que era, afinal, de investigação.

Madalena anuiu com um aceno de cabeça.
– Estou compreendendo – disse em bom madeirense.
Estávamos em sintonia.

Madalena é recém‑divorciada de Miguel, com quem manteve um casamento de dez anos e com quem consegue preservar hoje uma relação de amizade. «Chamemos‑lhe antes cordialidade», corrigiu.

Se estivéssemos em contexto terapêutico, pararia ali e debruçar‑me‑ia sobre a vivência psicológica do divórcio recente. Recordei as palavras do professor Daniel Sampaio: «Não há divórcios felizes.» Afinal, o divórcio envolve lidar com sentimentos de perda, tristeza, raiva, culpa e incerteza em relação ao futuro. Implica mudanças drásticas na vida e um natural processo de reajustamento a essas mudanças. Mais,
mexe com questões identitárias (lembro‑me a este propósito de uma paciente que dissera ter recebido com alívio a chegada do cartão de cidadão por nele não constar o «DIV» escarrapachado do antigo bilhete de identidade) e não deixa de ser um projeto de vida que falha. Afinal, ninguém casa «até quando».

– Quando casamos é para sempre, mas o problema não é o «para sempre». O problema é o «todos os dias». Sentia que dava mais do que recebia no meu casamento… – Madalena pareceu refletir por um momento. Os seus olhos, antes fixos no horizonte, pareciam procurar algo indefinível enquanto ponderava as suas próprias palavras. Um misto de tristeza e de aceitação tornou‑se visível no seu semblante.

O problema não é o «para sempre», o problema é o «todos os dias», repeti para comigo. Nos casais que me passavam pela consulta, via isso mesmo. O problema é o outro criticar demais ou fazer de menos; o problema é o outro ressonar, esquecer‑se de levar o lixo, não substituir o rolo de papel ou insistir em deixar aquele parco resto de leite no pacote. O problema não é o «para sempre». O problema é o «todos os dias». E no alvoroço das obrigações do trabalho, das birras das crianças, das compras da semana, da natação e do
ballet, os casais esquecem‑se de casar um bocadinho todos os dias e todos os dias se divorciam devagarinho. Nos casais que via, havia, regra geral, um que sentia dar mais do que o outro. Mas a reciprocidade é necessária nas relações amorosas. «Amar pelos dois» é bonito, mas só na canção. O problema não
é o «para sempre». O problema é o «todos os dias». E a dificuldade não está tanto em encontrar alguém com quem ficar até velhinhos, mas alguém com quem consigamos ser crianças. Todos os dias, um bocadinho.

Depois de ver tantos casais em clínica, tenho para mim que o casamento mais duradouro é muito mais apaixonante do que a mais tórrida das paixões. Qualquer um se apaixona. O difícil é fazer perdurar no tempo e no espaço os «sins» inteiros e multiplicados. Recordo, a este propósito, Miguel Esteves Cardoso, que escreveu que há poucos verbos mais difíceis de conjugar do que o «salvaguardar».

Madalena não estava num processo psicoterapêutico, pelo que não fazia sentido explorar o domínio do divórcio. Limitei‑me, por isso, a sublinhar o estado civil como mais um fator de risco para o quadro de burnout. A literatura apontava para uma maior prevalência do quadro em solteiros, divorciados e viúvos.

Preparava‑me para lhe lançar a segunda questão do inventário. Contudo, Madalena mostrou vontade (ou talvez necessidade) de desenvolver o tema do divórcio.

– Há já muito tempo que não estávamos bem. Já estávamos «separados de facto». – Fez o gesto de aspas com as mãos e soltou um riso que carregava consigo a complexidade das emoções acumuladas ao longo do tempo, uma mistura de tristeza pelo que se perdeu e um leve alívio por reconhecer a realidade da situação. – Passámos a ser gestores depois de os miúdos nascerem. Já não éramos um casal. E foi preciso coragem para assumir, para mudar. É preciso coragem para mudar, não é, doutora?

É! E o que Madalena trazia sobre a necessidade de mudança fazia particular ressonância em mim. Às vezes, muitas vezes, ficamos presos demasiado tempo no que nos faz mal. O meu próprio processo na luta contra a infertilidade durara tempo demais. Precisei de dizer «chega» aos injetáveis, aos exames e aos cálculos. Chegava! E precisei, a dada altura, de uma mudança.

Vejo muitas vezes em consulta pessoas que, de alguma forma, preferem assegurar o mal que já conhecem do que correr o risco de pisar terreno desconhecido. Afinal, não há mudança sem perda. É por isso que tantas
vezes dizemos querer mudar e ficamos exatamente no mesmo lugar. A verdade é que há relações que nos subtraem e nada nos acrescentam, há trabalhos que nos consomem e há formas de viver que (já) não o são. Nem todas as mudanças pressupõem um nascer de novo. A maioria faz‑se (apenas) com o fim de algo que se demora há tempo demais. Eu própria pusera um fim. Após dois anos de manhãs que se fundiam com tardes nos corredores do hospital, ecografias, cálculos, contagens, comprimidos e injeções, decidi que era hora de ver o fim e fazer uma pausa nesta jornada contínua e continuada de gestão de expectativas e adiares sucessivos. E fizera também eu uma mudança. Mudara o rumo. Procurara uma médica especialista, Ana Paula de seu nome, que me fora recomendada por quem tinha lutado (e vencido) a mesma luta. E, tal como acontecera com outros testemunhos, também o meu sonho ganhara já corpo (dois corpos, sendo precisa), que crescia dentro de mim. E, tal como acontecera com Madalena, tivera a sobriedade de pressentir a necessidade da mudança a tempo do tempo que precisava para mim.

– E depois assumir que tinha chegado a hora de pôr um fim. Foi muito «dificilhe». – O sotaque madeirense acentuou‑se. – Mas, ao mesmo tempo, foi um certo alívio tomar essa decisão.

As frequentes ausências e a indefinição de horários inerentes à profissão de piloto de aviões de Miguel criaram, segundo ela, um terreno fértil aos conflitos conjugais, que se tornaram constantes depois da chegada dos filhos.

– Depois de os miúdos nascerem, começámos a discutir. As nossas discussões eram sempre sobre os miúdos. Eu fiz assim, ele fez assado. Eu fiz «aquilho», ele não fez.

Era uma dinâmica que via muito em consulta. Não apenas em psicoterapia individual, mas também em terapia familiar/conjugal. «Agora que temos um bebé é que começamos a discutir?» Dou conta de que muitos

casais têm dificuldade em reajustar‑se a esta, de somar. Baby clash é o nome que se dá ao impacto da chegada de um filho nos casais. Para muitos, ser «pais» é uma verdadeira bênção e rapidamente agarram o substantivo, sem, no entanto, acolherem o conceito. Os números falam por si: grande parte das separações/divórcios acontece nos dois primeiros anos de vida do bebé. A par de toda a carga positiva, a chegada de um bebé implica um considerável processo de adaptação para o casal. Para muitos casais, a parentalidade é um conceito abstrato até se confrontarem com choros madrugada fora e o ombro da camisola permanentemente ensopado. Junte‑se a esta equação as alterações hormonais da gravidez e pós‑parto, a privação de sono, as exigências do trabalho lá fora e dentro de casa, que aumentam agora exponencialmente. As canções não falam nisto. Os livros não falam nisto. Têm para lá um subcapítulo que aborda na diagonal qualquer coisa
sobre o impacto da falta de tempo, da importância do suporte familiar, mas ninguém nos prepara. O declínio da vida sexual e a falta de comunicação são as razões mais apontadas pelos casais. Sem que disso se dê conta, os diálogos dão lugar a trocas monossilábicas de pergunta/resposta: «Arrotou?», «Fez cocó?», «Vais buscar tu ou eu?». É importante o casal ser e estar devidamente estruturado antes da chegada de um bebé. É um acontecimento maravilhoso, mas, contrariamente àquilo que se vende como sendo uma época cor‑de‑rosa, não deixa de ser uma altura de crise para o casal e jamais poderá ser depositada nela a expectativa de um salvar de relação quando os problemas já existem.

A Madalena trouxera também a discordância de visões. Recebo muitos pais divergentes em relação à educação dos filhos. A terapia familiar trouxera‑me uma sensibilidade aguçada para as questões da transgeracionalidade e herança familiar. A verdade é que aquela mãe e aquele pai já foram filha e filho e, muitas vezes, estes filhos que outrora foram são carregados e transportados para o exercício da sua parentalidade. Claro que as discordâncias são muito naturais. Afinal de contas, estes pais têm eles próprios,
e na maioria das vezes, percursos de vida muito distintos. O desafio está em conseguir alinhamento, mesmo com a discordância. Também não é raro ver‑se os casais entrarem numa espécie de jogo de culpa aquando da chegada dos filhos. Uma espécie de competição nefasta sobre qual dos dois abdica mais das «suas coisas» em prol dos cuidados com os filhos. A verdade é que este jogo de culpa é retroalimentado pela sensação de não serem vistos, de não estarem inteiros, o que muitas vezes se traduz em «birras de
crescidos».

Estávamos a desviar‑nos largamente das questões do inventário em particular e do burnout, largo espectro. Apesar do meu interesse e da necessidade de Madalena em explorar o domínio mais pessoal, tinha um guião
de entrevista que me propunha cumprir. Debrucei‑me então sobre a questão seguinte que compunha o inventário.

– Voltemos então ao nosso inventário: «Com que frequência pensa: “Eu não aguento mais isto?”» Sempre, frequentemente… – Madalena interrompe‑me.

– Todos os dias. Várias vezes por dia. Às vezes só me apetece desaparecer! Se lhe fizesse uma descrição de um «dia normal» percebia.

Os seus dias são passados entre trocas de emails e telefonemas com clientes, o resfriamento das expectativas de uma chefe pouco flexível e a gestão rigorosa da logística doméstica e familiar.

Devido aos horários incertos de Miguel, o regime da guarda partilhada previamente acordado estava longe de ser medido à régua ou tampouco equilibrado.

Cada movimento de Madalena era marcado por uma inquietação constante, como se estivesse sempre um passo à frente ou um passo atrás do
ritmo do mundo ao seu redor. Cruzava os braços de forma subtil, como se quisesse esconder a gordura corporal localizada no abdómen e nos quadris. No entanto, apesar desse gesto de autodefesa, Madalena mantinha uma postura ereta e confiante.

– Não há um regime preestabelecido. Combinámos que ele ficava com os pequenos quando não estivesse voando. Mas depois há o simulador. E depois há as assistências em que pode ser chamado a qualquer altura.
Já aconteceu estar com os miúdos e ser chamado às onze da noite para ir voar! E com isto acaba por ser menos desorganizador para eles ficarem comigo – disse, encolhendo os ombros em jeito de resignação. – Quando nos separámos, quis mudar‑me para o Funchal com os miúdos. – Pareceu alheia ao leve som do telemóvel proveniente da sua mala. – Lá sempre tínhamos o meu pai e os meus irmãos para darem uma mãozinha, mas ele opôs‑se.

Funchal. Eu sabia.

A Madalena era uma mulher como tantas outras que via em consulta. Muitas sentem‑se assoberbadas entre as exigências da maternidade, os deveres de uma profissão exigente e as demandas que uma relação sustentável requer. Desdobram‑se em papéis e funções e lutam diariamente para equilibrar todas essas facetas das suas vidas. A Madalena não era exceção. Também ela enfrentava esse desafio constante de conciliar múltiplos papéis. No entanto, por mais que se esforçasse para manter esse equilíbrio, Madalena sentia‑se permanentemente em falta ou em falha em algum dos domínios da sua vida. A pressão, as expectativas e a procura por excelência em todas as áreas pesavam sobre os seus ombros como uma carga pesada.

Madalena era, também ela, como uma ilha solitária no vasto oceano de si, procurando avidamente a conexão entre terras e um porto seguro onde atracar e partilhar o peso dos seus desafios e anseios.

– Tenho a sensação de que já estou saindo de casa atrasada para voltar. Não tenho tempo para mim, para ir ao ginásio, para jantar com uma amiga. Também não tenho muitas aqui no continente. Nem oiço as músicas que eu gosto de ouvir. Só toca o Panda ou a banda sonora do Encanto no meu carro. Não tenho tempo para ler um livro.

«Desmaiei um bocado da minha própria vida.» A frase de Fernando Pessoa chegou‑me como um flash.

Madalena até tentava, mas quando a noite condescendia ao seu turno de mãe e as crianças, por fim, sucumbiam ao cansaço, dava‑se rapidamente por vencida no duelo que travava com os seus olhos.

– E é ali, quando os vejo dormindo e lhes aconchego as mantas, que parece que caio em mim. – Fez um breve silêncio. – Estão respirando tão profundamente… Ali prometo‑lhes que vou tentar fazer melhor. Que vou
ser mais paciente, que não vou gritar, que vou respirar à enésima vez que oiço «mããããe!» e vou estar mais disponível. Mas depois o dia seguinte vem e começa tudo outra vez!

– O que é o tudo, Madalena?

– É a correria. O ritmo desenfreado. As mil e uma coisas que tenho de fazer. Os prazos que tenho de cumprir, o email que tenho de enviar, a reunião a que tenho de ir. Mas o que é tonto é que parece que não consigo estar de outra maneira. Lá estava de novo a linguagem madeirense: o «tonto» como sinónimo de nonsense.

As pessoas com burnout têm muito a narrativa do «ter de». É‑lhes difícil discernir o que são escolhas, o que são decisões, do que são obrigações. Têm, regra geral, dificuldade em dizer não e em estabelecer limites, até que o limite deixa de ser um limite e passa a ser uma limitação.

(…)

Nesta quinta-feira, 10 de outubro, chega às bancas mais uma edição da VISÃO, esta semana com destaque para um artigo “tranquilo” – que, estou certo, será também do agrado do primeiro-ministro, Luís Montenegro –, assinado pelo jornalista Filipe Luís, que acompanha o percurso pessoal e profissional de António Guterres, secretário-geral da ONU.

Dias depois de se ter assinalado o primeiro ano do massacre cometido pelo Hamas, em território israelita – que vitimou mais de 1.200 pessoas –, o antigo primeiro-ministro português é protagonista, não só pelos insistentes apelos diários “pela paz” no Médio Oriente, mas também por ter sido considerado “persona non grata” por Israel e proibido de entrar no País, ou ainda por integrar a short list de candidatos ao Nobel da Paz.

Hoje, António Guterres é um imperador sem exército. Um homem cada vez mais “solitário”, à frente das Nações (des)Unidas, refém de discursos pacifistas, desvalorizados ou ignorados por líderes extremistas e autoritários, que se recusam a tirar o dedo do gatilho, enterrando o mundo numa realidade incerta e cada vez mais perigosa.

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Um ano e oito meses após a apresentação do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica, na voragem monotemática (e muito enjoativa!) que domina o ciclo noticioso nacional, o tema dos abusos sexuais quase que desapareceu. Não espanta, na medida em que, com honrosas exceções, os assuntos “religiosos” acabam quase sempre remetidos para um nicho jornalístico (o que, aliás, para sermos rigorosos, não tem grande correspondência com a realidade sociológica do País). 

Os analistas mais bem informados consideram que será sobretudo nos efeitos do Sínodo dos Bispos – do qual, desde a semana passada e até ao fim de outubro, está a decorrer a segunda sessão – que o Papa Francisco joga o seu legado. Independentemente do que vier a mudar de substancial no Vaticano, para a História também ficará a sua absoluta intransigência face aos abusos sexuais, a “tolerância zero” e a maneira como – nas viagens que tem conseguido realizar, apesar da fragilidade física – pôs o assunto no topo da agenda mediática. A Francisco, não se poderá assacar a responsabilidade de ter varrido os abusos sexuais para debaixo do tapete das vergonhas do passado. Foi sempre claro e direto, não hesitou no caminho do esclarecimento da verdade, mesmo quando esta punha em causa aquilo que muitos consideram ser os alicerces fundacionais e a autoridade moral da instituição. 

No centro da atuação do Papa têm estado sempre as vítimas. E isto não só não é um pormenor mas também, infelizmente, contrasta com o tom geral com que a hierarquia da Igreja Católica Portuguesa tem lidado com o tema. Quando, em 2023, esteve em Portugal, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, Francisco fez questão de escutar as vítimas, e esse encontro foi agendado logo para o primeiro dia da sua estada em Lisboa. Na recente viagem à Bélgica, também esteve com vítimas de abusos sexuais. As suas palavras – duríssimas – foram muito para lá do que estava previsto no discurso previamente entregue aos jornalistas: “Irmãos e irmãs, isto é uma vergonha! A vergonha que hoje todos devemos tomar nas nossas próprias mãos e pedir perdão e resolver o problema: a vergonha do abuso, do abuso infantil.” 

Sabíamos que o 13 de fevereiro de 2023, o dia em que a comissão de Pedro Strecht apresentou as conclusões principais do estudo, ia ser apenas o princípio. Quem esteve na plateia da Gulbenkian, quem ouviu aqueles testemunhos, jamais poderá esquecer o choque do confronto com a vulnerabilidade, com o modo como todos – católicos e não católicos, crentes e não crentes – abandonámos aqueles seres humanos desprotegidos. Pela mão do bispo José Ornelas, e sobretudo pressionada por um grupo de leigos, a Igreja portuguesa seguiu as orientações do Vaticano e acabou por encetar o processo desenvolvido noutros países. Nunca preparou, porém, o dia seguinte ao 13 de fevereiro de 2023.

Não quis planear o dia seguinte ou apenas não o soube fazer? A avaliação é subjetiva, e o mais provável é a verdadeira razão residir num misto das duas hipóteses. Desde a extinção da Comissão Independente, o Grupo Vita, coordenado pela psicóloga Rute Agulhas, tem continuado a escutar e a acompanhar as vítimas. Os seus membros são profissionais reputados e credíveis, mas a natureza do Grupo Vita e os seus objetivos são diferentes dos da estrutura liderada por Pedro Strecht. Desde logo, porque trabalha em ligação estreita com as comissões diocesanas e com os institutos religiosos, nomeadamente no processo de atribuição de indemnizações. 

No último verão, a Conferência Episcopal Portuguesa divulgou o regulamento de acordo com o qual serão definidas as compensações financeiras que a Igreja vai atribuir às vítimas. Os pedidos de indemnização, a apresentar por escrito até ao fim do ano, deverão incluir dados tratados de forma preguiçosa e burocrática como “nome, e-mail e contacto telefónico do denunciante”, “nome da pessoa agressora, funções e local onde as exercia/exerce”, “data aproximada e local da prática dos factos”, “idade aproximada da vítima à data dos factos” e “descrição sumária dos factos”. 

Apesar do “formulário”, o Grupo Vita já recebeu 51 pedidos de compensação financeira por abuso sexual. Entretanto, as associações das vítimas vieram a público discordar do processo: criticam o facto de este exigir nova validação do testemunho e, por entenderem que “o sofrimento não é contabilizável”, defendem montantes iguais para todos. Muito haveria a dizer sobre o exercício da Justiça em causa própria, sobre a cultura impregnada e a insistência em tratar do assunto (crimes!) “dentro de portas” (não vá o escândalo cair na praça pública). Diga-se apenas que continua a chocar imensamente a falta de empatia – é assim tão difícil calçar os sapatos dos outros?

Breviário

Onde para o Moedas cosmopolita?

Nos anos em que foi comissário europeu (com a pasta da Investigação, Ciência e Inovação) e não só, Carlos Moedas passava a imagem de um homem deste tempo. Como presidente da Câmara Municipal de Lisboa, porém, não se vislumbra réstia desse espírito viajado, aberto ao mundo e aos outros. É certo que as eleições autárquicas estão aí, mas da sanha persecutória contra as bicicletas ao recente discurso das “portas escancaradas” à emigração (estranhamente a propósito das celebrações do 5 de Outubro), onde para esse Moedas cosmopolita?

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A vida na Terra, tal como a conhecemos hoje, vive, provavelmente, o maior desafio de sempre: alimentar mais de 8 mil milhões de pessoas de forma sustentada. Chegados aqui, não podemos deixar de perguntar: os caminhos e as soluções propostas, globalmente, têm sido as melhores? Por quanto mais tempo a insustentabilidade em que vivemos é suportável pela Terra?

Este ano, mais uma vez em julho, atingimos o Earth Overshoot Day (dia da sobrecarga da Terra). Todos os anos, este dia é antecipado. Em Portugal, chega mais cedo cerca de dois meses, em maio, o que significa que vivemos 7 dos 12 meses com os recursos que não temos, o que torna o nosso país absurdamente insustentável.

Um pouco ao revés do que tem sido proposto, a vida local ajuda-nos a perceber o que podemos e devemos fazer pelo bem comum. Chamo a este claro caderno de encargos Transição Local. É à nossa porta, na escala local, que tudo se passa e, obviamente, se torna mais claro e percetível. É também no local que os recursos essenciais à vida, solo e água, existem e agimos sobre eles. É também na vida local que os 5 sentidos, de que somos privilegiadamente dotados, se manifestam/expressam. Na verdade, quase tudo nos afasta do tato, que nos transporta ao incontornável toque; do olfato, que nos faz sentir de maneira clara as estações do ano; e do paladar, que nos liga, como nenhum outro sentido, à nossa terra. O local onde nascemos, ou vivemos, marca-nos profundamente. No sentido inverso, muito além do contexto geográfico, “contaminamos” e apropriamo-nos do “nosso” lugar, há como que uma fusão e as duas partes são uma. Muito mais do que espaço ou território, o local tem identidade física, mas também cultural. É por tudo isto que os lugares têm escala, isto é, uma dimensão adequada para quem neles vive. Será que as realidades políticas são condicionadas e moldadas pelas contingências biofísicas mais básicas? Julgo que sim, já isto dizia o mestre Orlando Ribeiro. Mas, entretanto, outros autores veem, não o contrário, mas o complemento, uma espécie de “territorialidade relacional”. Assim, não há uma, mas múltiplas territorialidades, no mesmo país; a mesma paisagem, o mesmo bairro, encobrem uma vastidão de processos relacionais entre as pessoas e entre estas e o meio. Quando, quase nada sobra, resta o local e a sua alma, a identidade, os vizinhos de sempre, ou os novos que chegam. Este espaço geográfico a que chamamos lugar é muito mais do que uma posição e uma situação geográfica, assume uma natureza essencial, a ideia de que existe uma relação entre o lugar e as coisas ou os indivíduos que aí se encontram. Se o espaço é infinito, o lugar é circunscrito, associado a um limite, isto conforta-nos e compromete-nos. O lugar remete para a segurança, a estabilidade. Assim, o lugar é menos abstrato que o global, sendo composto por um certo número de valores que cada indivíduo apropria, alimenta e transforma. E, felizmente, tudo isto temos em quantidade suficiente para mantermos a esperança de lugares vivos e vividos. É aqui e agora, em cada lugar, que os recursos naturais e a própria vida têm expressão.

Entretanto, não parece, mas vivemos a década da Restauração dos Ecossistemas lançada pela ONU em 2021. “A missão da Década das Nações Unidas, a Restauração de Ecossistemas, é tão importante quanto assustadora”, diz Tim Christophersen, coordenador da Década das Nações Unidas com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Antes disto, a ONU lançou os conhecidos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com metas para 2030, um perfeito fiasco. Numa desesperada fuga para a frente, ou para nos distrair, eis que em meados de setembro, em Nova Iorque, a ONU na Assembleia Geral das Nações Unidas realiza a Cimeira do Futuro de onde resultaram, segundo a sua retórica, “três importantes e históricos programas”: Pacto para o Futuro; Declaração sobre as Gerações Futuras e Pacto Digital Global. Obviamente que tudo isto vai dar em nada.

Como resolvemos esta encruzilhada civilizacional? Não há solução mágica, muito menos uma resposta única, a situação é verdadeiramente muito complexa para que assim seja. Temos de ponderar várias respostas, experimentar e implementar várias soluções parciais que todos compreendam e se possam envolver. É aqui que a Transição Local, como um somatório de várias e pequenas ações, se assume como um caminho credível e sustentável para que todas as comunidades o possam cumprir. O local é a escala em que todos vivemos e compreendemos, só aqui conseguimos envolver verdadeiramente as pessoas, é tempo para que as diferentes organizações decisoras o saibam e façam. 

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Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

O Presidente da Assembleia da República continua a ignorar olimpicamente atentados flagrantes a princípios fundamentais à nossa Constituição verberados em pleno hemiciclo. Foi exatamente isso que aconteceu na última quinta-feira quando o deputado Ventura atribuiu culpa coletiva a um conjunto de portugueses na sequência do triplo homicídio de Lisboa. O mais impressionante nem foi a impassividade de Aguiar-Branco, já sabemos que se vê somente como um árbitro de boas maneiras e que crê não ter de advertir um deputado se ele disser que o Holocausto nunca existiu. Não, pior foi a impavidez e serenidade de todos os grupos parlamentares (a exceção foi o Livre) face não só à conduta de André Ventura como à de Aguiar-Branco.

Tendo o deputado do Chega atribuído uma espécie de culpa coletiva à comunidade cigana por um dos seus elementos ter cometido os referidos crimes, pensei que alguém podia lembrar que os que recentemente foram acusados de forçar mulheres a prostituírem-se são polícias, ou seja, e segundo o raciocínio, todos os polícias são lenocidas.

O adormecimento face a atitudes e afirmações que há muito pouco tempo chocariam e fariam soar os sinos da indignação é um sinal dos tempos particularmente perigoso. Casa muito bem com a criação de perceções e como estas estão a ser utilizadas para o discurso político.

A questão começa logo na enunciação do problema. O que está primeiro, a criação da perceção ou o discurso político que se aproveita dela?

Tomemos como exemplo a suposta insegurança que estaremos a viver e serem os imigrantes os possíveis responsáveis por isso.

Por muito que os dados empíricos nos digam claramente que vivemos num dos países mais seguros do mundo e que não há nenhuma evidência de que os imigrantes tenham contribuído para qualquer aumento da criminalidade, não há dia sem que essas mentiras sejam propagadas aos quatro ventos.

Claro que não é de agora que existem órgãos de comunicação social ‒ faltando melhor expressão ‒ que vivem de vender o medo e que gastam diariamente dezenas de páginas e horas de televisão com crimes ‒ sendo que, a maioria das vezes, é o mesmo crime durante semanas inteiras. A isto veio juntar-se o estupidamente chamado jornalismo de cidadão, que através das redes sociais amplifica qualquer crime e dá-lhe contornos sempre mais brutais através de imagens e descrições que até o jornalismo de sarjeta evita.

No mesmo sentido, é fácil vender um estrangeiro como mau e causador de problemas: o medo do desconhecido é inerente à condição humana. Muita gente de cores, hábitos, religiões, modos de vida diferentes serão sempre alvo de apreensão e uns excelentes bodes expiatórios.

Tudo isto pode criar perceções, mas não cria um discurso político.

É realmente difícil lutar contra perceções erradas com factos, sobretudo quando são tão difundidas e ampliadas. Mas torna-se possível com empenho, utilizando as mesmas armas de quem as cria e mantendo constante a repetição da verdade.

Contudo, a dificuldade aumenta quando as perceções se tornam discurso político, criando-se uma narrativa legitimada por uma base ideológica, uma verdade, uma visão do mundo. Basta recordar, por exemplo, que em Portugal sempre se fez alarido da suposta corrupção sem freio ou dos perigos de imigrantes de certas cores e origens. O que não havia era enquadramento desse discurso numa proposta política.

É esse o momento-chave, conseguir converter uma mentira ou um primarismo irracional numa opinião sustentada por uma ideologia.

A perceção é assim transformada em discurso para que se venda a necessidade de políticas que, claro está, põem em causa a democracia liberal.

Já sabemos que há um movimento político com muito sucesso por esse mundo fora que cavalga estas e outras perceções sem qualquer cabimento empírico.

Como todos os movimentos políticos, o meio para alcançar o objetivo é alargar a sua base de apoio e para isso é preciso que mais pessoas partilhem as ideias que proclamam.

O centro-direita tem aguentado a pressão da extrema-direita. Bom exemplo, aliás, é a forma como Luís Montenegro tem aguentado a pressão em fazer acordos com o Chega. No entanto, há uma fação do PSD que parece estar disposta a seguir o caminho de vários partidos da sua família política europeia.

O discurso de Carlos Moedas nas cerimónias do 5 de Outubro e o que os seus ideólogos na comunicação social propagam nas suas recentes intervenções mostram que há uma direita que se está a extremar. A conversa da insegurança, a subtil ligação com a imigração e mentira das portas escancaradas é o discurso do Chega feito de maneira polida.

Como por esta altura só alguém muito distraído ignora que um discurso de extrema-direita não traz um voto ao centro-direita, bem pelo contrário, só se pode pensar que Moedas quer liderar um PSD de extrema-direita ou o Chega ou qualquer coisa de semelhante.

Talvez fosse melhor concentrar-se na gestão da cidade de que é presidente da câmara. Essa, sim, seria a boa forma de projetar as suas legítimas ambições.

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