Na semana em que a restaurada catedral de Notre Dame abriu portas em Paris, a célebre Academia de Amadores de Música foi despejada em Lisboa. Venha daí mais um hotel. A casa onde nasceu Almeida Garrett, no Porto, espera o mesmo destino. É curioso que a direita revanchista tanto acuse os imigrantes pobres de vir ameaçar a nossa “identidade histórica”, quando são os portugueses quem se está nas tintas para ela.

Cerca de trezentos alunos, dos seis aos setenta e quatro anos, estão em risco de ficar sem aulas com o fecho iminente da instituição de utilidade pública fundada há 140 anos. Na passada quinta-feira, professores e estudantes cantaram em protesto na escadaria da Assembleia da República. “Acordai, homens que dormis”. Será possível que nenhum nacionalista militante, nenhum paladino da identidade nacional se tenha juntado ao coro? Se têm amor à nossa cultura, supõe-se que conheçam Lopes-Graça.

Infelizmente, não faltam exemplos de decisões políticas atentatórias contra a História e a cultura nacionais. A transformação das cidades em meros locais de consumo resulta de uma visão política em vigor, que vive bem com a expulsão dos habitantes dos centros, com a morte do comércio local, com o despejo das associações, e promove a venda por tuta e meia dos espaços comuns e cidadãos. Turismo e plástico. Ironicamente, a indignação da direita troglodita só recai sobre o paquistanês da loja, o brasileiro da Glovo, o angolano do Uber, o filipino das obras. A “escumalha”, consoante se lê nos comentários.

Em plena crise da habitação, com a descaracterização de Lisboa e do Porto em curso, o Governo anunciou, por exemplo, a venda de dezanove imóveis do Estado – ou seja, meus, seus, nossos – a privados. O maior tem dezassete mil metros quadrados, na lisboeta Avenida 24 de Julho. Numa Europa onde a habitação pública é arma contra a especulação (o parque público português está nos 2%, comparando com, por exemplo, os liberais Países Baixos nos 30% ou Viena nos 40%), o Governo vende o pouco que ainda temos, do qual precisamos. Ninguém pestanejou.

A fórmula é, portanto, simples. Se desconhece e despreza a História e a cultura portuguesas, se vê na crise da habitação o simples mercado a funcionar, se não se indigna com a usurpação dos espaços comuns para lucro privado, mas não suporta ver abrir mais uma “loja do indiano”, está feita a prova do algodão: isso não é orgulho, é racismo.

Fun fact: também este dezembro, a Câmara Municipal de Paris homenageou Agustina Bessa-Luís, atribuindo o seu nome a uma biblioteca na Cidade Luz. Fica a cinco quilómetros da Notre Dame. Adoraria saber o que pensam da obra daquela que é para muitos a maior escritora portuguesa os chihuahuas de guarda da cultura nacional. Há de ser cá um orgulho.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

O ex-juiz Rui Fonseca e Castro é o novo líder do partido de extrema-direita Ergue-te (ex-PNR).

O anúncio foi feito, na rede social X (antigo Twitter), por José Pinto Coelho, que ocupava aquele cargo há 25 anos. “Encontrei sucessor a quem pudesse passar testemunho e, criadas as condições, estamos muito mais reforçados. Estarei sempre na linha da frente e sou Presidente Honorário vitalício. O novo Presidente, Rui da Fonseca e Castro, tem o meu total apoio”, lê-se na publicação.

Rui Fonseca e Castro, 50 anos, já tinha sido o candidato do Ergue-te nas eleições europeias de junho passado. O ex-juiz tornou-se uma figura popular junto dos movimentos negacionistas da Covid-19, a partir de outubro de 2020, por contestar as versões oficiais sobre a pandemia e a sua gestão pelo Governo português, o que lhe valeu a alcunha de “juiz negacionista”. Suspenso pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) na sequência das suas declarações, seria expulso da magistratura no final do processo.

O também advogado – inscrito em Portugal e no Brasil – está ainda acusado pelo Ministério Público (MP) por crimes de ofensa contra a honra de Ferro Rodrigues e de calúnia por difamação do ex-diretor da PSP, Magina da Silva. Rui Fonseca e Castro vai ainda a tribunal pela discussão com agentes da PSP, ocorrida à entrada do CSM, que ocorreu antes de ser ouvido em audiência por aquele órgão, no âmbito do processo que levaria à confirmação da sua demissão. É ainda acusado por ofensas à PSP e à ASAE.

Rui Fonseca e Castro vive, hoje, em Ponte de Lima (Viana do Castelo), e lidera a associação Habeas Corpus, seguida por todo o tipo de extremistas, incluindo mercenários, neonazis e cadastrados, alguns com treino paramilitar, formação em artes marciais e acesso a armas ilegais, como contou a VISÃO, num artigo de investigação, publicado em fevereiro de 2023, da autoria do jornalista Miguel Carvalho.

O ex-juiz continua a dedicar-se a promover conteúdos ultranacionalistas e ultraconservadores, atacando frequentemente judeus, homossexuais e imigrantes. A Habeas Corpus tem promovido ações de boicote a várias iniciativas de caráter cultural, alegando estar a lutar contra o que considera ser “a promoção da homossexualidade” na sociedade portuguesa.

Entra esta segunda-feira em funcionamento a fase piloto do novo modelo das urgências de Obstetrícia e Ginecologia, que “será reavaliada dentro de três meses”, segundo o Ministério da Saúde. Nesta primeira fase, estão abrangidas as grávidas da Região de Lisboa e Vale do Tejo, incluindo o Hospital Distrital de Leiria, que terão de ligar para a Linha SNS Grávida antes de recorrerem à urgência hospitalar.

Todas as grávidas têm de ligar para a Linha SNS Grávida antes de se dirigirem às urgências?

Para já, apenas as grávidas da Região de Lisboa e Vale do Tejo. O Hospital Distrital de Leiria também está incluído nesta primeira fase. O projeto-piloto poderá abranger ainda outros hospitais de diferentes regiões que manifestem interesse em participar, desde que preencham determinados requisitos.

O que devem as grávidas fazer?

Ligar para o 808 24 24 24.

E se uma grávida se dirigir simplesmente ao hospital?

À porta das urgências de Obstetrícia e Ginecologia estarão cartazes a informar desta necessidade de pré-triagem telefónica, indicando que apenas serão atendidas exceções.

Quais são, então, as exceções?

Situações com forte suspeita de poderem representar risco iminente de vida, designadamente a perda de consciência, convulsões, dificuldade respiratória, hemorragia abundante, traumatismo grave ou dores muito intensas.

Por quem é feita esta pré-triagem?

A pré-triagem telefónica deverá ser feita preferencialmente por enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica, indica a portaria publicada na sexta-feira em Diário da República. Os hospitais poderão adicionalmente criar uma pré-triagem telefónica própria, em articulação direta com a linha SNS Grávida/Ginecologia.

A ideia é alargar o sistema a todo o País?

Sim, conforme indica a tutela em comunicado, “ao final de três meses haverá lugar a uma avaliação do impacto, para que o plano possa ser estendido a todo o País”. Já a partir de janeiro, as ULS da Península de Setúbal (Almada-Seixal, Arco Ribeirinho e Setúbal) vão também aderir.

A Bravia 9 XR9065 é o atual modelo topo de gama da Sony. Uma escolha ‘polémica’, pois a marca decidiu colocar um modelo com painel Mini LED no ‘topo da pirâmide’ em vez de um OLED naquela que é a sua gama atual de modelos. Movimento acertado ou arriscado?

A verdade é que se não tivéssemos lido na caixa a tipologia de painel usado, em alguns momentos teríamos ficado na dúvida. O que nos leva logo ao primeiro destaque deste televisor – tem os melhores contrastes que já vimos num painel não-OLED. Aquela que é a características mais diferenciadora dos OLED – os níveis de preto profundo, que significam contrastes muito pronunciados, bem delineados e que, conjugado depois com outros elementos, dão um aspeto aveludado às imagens – existe, em larga medida, neste modelo Mini LED. Há momentos esporádicos nos quais ainda se notam ligeiras manchas de luz em torno dos elementos isolados no meio de um fundo preto, mas para a maioria dos consumidores dificilmente isso será um problema.

O bom desempenho nos contrastes deve-se à implementação de zonas de controlo de luz (dimming zones) que a Sony faz e que, finalmente, torna os Mini LED como uma alternativa muito competente aos OLED. Quantas destas zonas existem, ao certo, a marca não revela oficialmente, mas suspeitamos que são muitas, dados os resultados conseguidos.

Sony Bravia 9 XR9065
Sony Bravia 9 XR9065

Os painéis da tipologia Mini LED têm, depois, outras vantagens e que no caso deste televisor ficam bem espelhadas. O nível de brilho máximo que atinge é excelente. Isto dá uma luminosidade muito intensa às imagens, o que se traduz numa saturação forte das cores, o que por sua vez nos dá imagens de grande impacto visual, sobretudo se estivermos a falar de conteúdos muito coloridos – como são os filmes de animação ou os videojogos.

Mas no capítulo das cores, o que nos chamou mais a atenção foi mesmo a nuance de tonalidades. O azul não é apenas azul, é muitas variações de azul (sendo isto válido para qualquer cor), o que dá um perfil muito realista e natural às imagens. Por fim, o elevado nível de brilho que apresenta também dá a este televisor ângulos de visualização muito bons, o que significa que este é, de facto, um televisor ideal para ter no centro da sala e que todos conseguirão ver com a mesma qualidade, independentemente do ponto em que estiverem.

Como é habitual, temos não só vários perfis de imagem (e, desta vez, o nosso preferido foi mesmo o Standard, já que o modo Vívido dá-nos de facto mais brilho, mas também torna as cores mais artificiais), como as opções de ajuste são muito granulares, ideais para os utilizadores mais exigentes. Destaque também para os perfis de cor específicos para filmes em IMAX ou para os serviços de streaming Amazon e Netflix.

Do ponto de vista da imagem, o único elemento que temos a apontar é um ligeiro sombreado, sobretudo quando a imagem é totalmente branca, nas extremidades do ecrã, onde o sistema de retroiluminação parece não chegar de forma tão uniforme.

Bravia 9 XR9065: Som por conta própria

Já tínhamos assinalado esta tendência no nosso teste de grupo a televisores, que volta, com este modelo, a ficar reforçada – os sistemas de som integrados estão cada vez melhores. A Bravia 9 dá-nos um total de oito saídas de som, com uma potência combinada de 70 watts, o que significa: nível de volume muito bom; capacidade de projeção de som, criando envolvência, também muito boa para o que é habitual nos televisores; e uma presença competente de graves, o que dá logo outro ‘corpo’ às músicas, às cenas de ação nos filmes e àqueles momentos explosivos nos jogos, assim com uma boa definição global do áudio. Claro que, no limite, um utilizador que investe 3000 euros num televisor quererá, muito provavelmente, um sistema de som mais perto do home cinema, mas o que existe não só cumpre, como convence. De sublinhar ainda que para termos este som ‘extra’, existe um friso discreto na base do televisor, pelo qual sai parte do áudio.

Já o sistema operativo fica a cargo do Google TV – interface simples, fácil de usar e de resposta rápida –, que disponibiliza as principais aplicações de streaming e dá ainda acesso a muitas outras que o utilizador queira ir descobrindo. O suporte para Chromecast e AirPlay está garantido, sendo ainda possível usar o comando para ações de voz através do assistente Google.

Jogar? Sim por favor

Há coincidências felizes – termos no nosso laboratório, ao mesmo tempo, este televisor e a nova PlayStation 5 Pro. O que evidencia a vantagem dos ecossistemas, com o televisor a reconhecer automaticamente a consola e a suportar o ajuste automático de imagem em função dela. O ecrã dá-nos uma taxa de atualização máxima de 120 Hz, mas, mais uma vez, foi na reprodução vivaça das cores que ‘brilhou’. Em comparação com outros televisores, não tem suporte para as tecnologias de sincronização da Nvidia ou AMD.

Outro elemento que continuamos a apreciar nos televisores da Sony é termos liberdade de escolha na forma como usamos os suportes – pode usá-los ao centro ou nas extremidades, mais rente ao móvel (a nossa posição preferida, mais minimalista) ou mais elevada, indicada para quem já tiver uma soundbar.

Um ecrã de tamanha qualidade pede ligação a fontes externas (consolas, discos, leitores Blu-Ray) para a reprodução de conteúdos e nesse capítulo estão garantidas quatro ligações HDMI (compatíveis com as consolas de ‘nova’ geração, p.ex.), o que não deverá trazer problemas de gestão de equipamentos aos utilizadores. Por fim, destacar ainda a boa qualidade de construção, com uma estrutura metálica sólida nas laterais, que dá um aspeto premium a este televisor e uma presença imponente na sala.

Em resumo, a Sony Bravia 9 é um dos melhores e mais completos televisores do mercado, capaz de entregar um nível de brilho muito acima dos OLED, mas sem abrir mão do efeito realista que tipicamente só teríamos nesses televisores.

Tome Nota
Sony Bravia 9 XR9065 | €3699
sony.pt

Imagem Excelente
Brilho Excelente
Som Muito bom
Conetividade Excelente

Características Ecrã Mini LED 65”, 3840×2160 p, 120 Hz, 2440 nits máx. • Processador XR • HDR10, HLG, Dolby Vision • Som: 6x 10 W + 2x 5 W (Dolby Atmos) • Wi-Fi, BT 5.3 • 2x USB-A, 4x HDMI 2.1 (VRR, ALLM), RJ54 • Google Chromecast, Apple AirPlay e HomeKit • Software: Google TV (Android 12) • 1443x846x349 mm • 34,8 kg

Desempenho: 5
Características: 4,5
Qualidade/preço: 2,5

Global: 4

“Resistência” foi, apropriadamente, a palavra-chave do XXII Congresso do PCP, realizado, este fim-de-semana, em Almada, antiga autarquia icónica do partido, perdida, em 2017, para o PS, e que os comunistas gostariam muito de recuperar, nas eleições locais de 2025. Resistir à erosão, resistir às mudanças sociológicas, resistir à insignificância. A grande novidade foi a presença de um cardeal católico no conclave comunista. D. Américo Aguiar, que é bispo de Setúbal, aceitou o convite, como aceitará qualquer outro, do Chega ao PAN, “espero não me ter esquecido de nenhum”, disse ele, depois de enumerar os partidos representados na AR (esquecendo-se do Livre e do CDS…), porque deve estar “onde estão as ovelhas”. De facto, o mundo já não e o que era. Mas o PCP ainda é. Paulo Raimundo, reeleito secretário-geral, é um homem que provoca empatia: terra-a-terra, pessoa simples, de “pão, pão, queijo, queijo”, que fala a linguagem do cidadão comum, que parece defender alguns valores (como a paz…) que qualquer um subscreveria, segue as pisadas de outro líder simpático, Jerónimo de Sousa, o militante mais aplaudido do congresso. E daí? Que resultados obtém com toda essa simpatia? Comparemo-lo com um líder político como André Ventura: em todas sondagens o líder do Chega é aquele que provoca mais rejeição popular. E, no entanto, o seu partido é o que mais cresce. Também Álvaro Cunhal era odiado por meio Portugal. Mas foi ele que fez o PCP grande – e o mote do Congresso não podia ser, por manifesta impossibilidade, “make PCP great again”. A simpatia, em partidos de forte marca ideológica, não é bom sinal. Porque a simpatia significa que já não são “ameaça”. Todos simpatizamos com o Belenenses – e veja-se onde está o Belenenses. 

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1. A História da Arte Sem Homens
Katy Hessel

Em outubro de 2015, esta historiadora de arte britânica entrou numa feira de arte e percebeu que entre os milhares de obras patentes nenhuma era de uma mulher artista. Isso conduziu-a a uma epifania: ela própria tinha sempre visto a História da Arte de uma perspetiva masculina. Como todos nós, afinal. A autora resolveu essa lacuna de forma triunfal, elaborando este livro ágil, vivido e fundamentado, amplamente ilustrado, que recupera e recentra a importância e pioneirismo de artistas femininas desde 1500 até 2020. Uma panorâmica que integra tanto luminárias como Artemísia Gentileschi (1593-1653) como emergentes herdeiras dos movimentos pós-coloniais ou queer. “Artistas ignorados não são uma moda. Mulheres artistas não são uma moda”, lê-se. E, avança a autora, “a história está, e continuará, a ser reescrita a cada dia.” Objectiva, 528 págs., €34,95

2. O Coração Pensante
David Grossman

Não é preciso apresentar grandes argumentos para sublinhar a atualidade deste pequeno volume – basta ver um qualquer noticiário. O subtítulo do livro é explicativo: Ensaios sobre Israel e a Palestina. Um dos mais premiados e prestigiados escritores israelitas começou a escrever para melhor compreender o seu lugar depois do massacre de 7 de outubro de 2023. Mas muitos dos ensaios e crónicas aqui reunidos (assinados por uma “pessoa que passou a vida inteira em e entre guerras”) são anteriores a esse dia. A 25 de março de 2023, por exemplo, escrevia Grossman: “Israel encontra-se atualmente numa crise existencial, das mais graves que conheceu.” Dom Quixote, 120 págs., €13,90

3. O Jogo dos Milhões, uma Confissão
Gary Stevenson

O sistema financeiro que domina atualmente o mundo parece-nos um cenário absurdo, complexo, praticamente incompreensível. O britânico Gary Stevenson, 38 anos, que se tornou milionário como o mais bem-sucedido trader da sua geração, e optou depois por mudar radicalmente de vida, assumiu, como uma missão, o desafio de nos explicar como tudo funciona. A sua “confissão” denuncia um mundo de ganância onde os protagonistas, como ambiciosos e febris jogadores, não costumam parar para pensar. “O segredo do seu sucesso foi apostar sempre no fracasso da economia, no empobrecimento dos pobres e no enriquecimento dos ricos”, lê-se na contracapa. “Ou seja, na destruição sistemática do mundo de onde tinha vindo.” Lua de Papel, 416 págs., €18,90

4. Era de Revoluções
Fareed Zakaria

A história do mundo dos últimos quatro séculos tem sido marcada por convulsões e revoluções. Não nos admiremos, assim, por vivermos numa era de grandes transformações, a todos os níveis. Neste livro provocador, o comentador da CNN apresenta uma tese inovadora para nos ajudar a olhar para o que tem sido a evolução da Humanidade: cada revolução desencadeia sempre uma resposta reativa, produzindo uma revolução igual e oposta. Assim tem sido, na sua opinião, desde a primeira revolução que, na sua opinião, moldou o mundo de hoje: a que transformou as Províncias Unidas dos Países Baixos no país mais rico da Europa, com implicações na arte, na forma de governo e na economia. Um livro que ajuda a compreender, com um olhar diferente, aquilo que está a ocorrer à nossa volta. Gradiva, 456 págs., €27,50

5. Porque Caem os Impérios
Peter Heather e John Rapley

Um historiador (Peter Heather) e um economista político (John Rapley) levam-nos por uma longa viagem histórica sobre um tema que, por definição, se vê muito melhor à distância… Os grande impérios, no seu auge, não se veem a si próprios com mortais, finitos. A História ensina-nos o contrário. E neste ensaio, sem precisarem de demasiadas páginas, os autores perspetivam várias quedas de impérios do passado com o olhar no presente e no futuro. Nesse sentido, uma questão percorre todo o livro: a hegemonia ocidental está em risco? Presença, 224 págs., €17,90

6. Nexus
Yuval Noah Harari

Com o historiador israelita nunca há a tentativa de condensar a História em poucas páginas. Mas há sempre a preocupação em procurar, no meio da densidade, encontrar explicações óbvias e fáceis de entender para alguns dos maiores enigmas e, acima de tudo, para ajudar o leitor a compreender como evolui a Humanidade e quais os próximos desafios que vai enfrentar. Ao abordar as redes de comunicação, Harari tem um objetivo bem definido: alertar para o risco imenso que podem representar as ferramentas de Inteligência Artificial à solta ou, o que ainda é pior, ao serviço de poderes autocráticos. Este é, portanto, um retrato extenso, mas fiel, de uma nova era em que a democracia estará, porventura, sob a maior ameaça de sempre. Elsinore, 512 págs., €28,45

7. Viena
Richard Cockett

O subtítulo deste livro é todo um tratado: “Como a cidade das ideias criou o mundo moderno.” Ao longo de quase 400 páginas, Cockett explica-nos, com pormenores deliciosos, como a cidade de Sigmund Freud, Gustav Mahler, Gustav Klimt, Wilhelm Reich, Karl Popper, Peter Drucker, Stefan Zweig, Alfred Adler, Arthur Schitzler teve uma influência global, desde a psicanálise à publicidade moderna e das revoluções urbanísticas comunistas às teorias económicas neoliberais. Mas nem tudo foram luzes. “Além de gerar algumas das pessoas mais humanas e iluminadas desta era, Viena foi também singular ao gerar algumas das patologias mais perniciosas e destrutivas da História Moderna: o nazismo, o antissemitismo organizado e o etnonacionalismo extremista”, lembra o autor. Edições 70, 416 págs., €29,90

8. Mundo Material
Ed Conway

Já alguma vez pensou que o sal, aquele ingrediente que usa para a comida, é uma substância fundamental para o mundo em que vivemos? A verdade é que sem sal não teríamos cloro, que é essencial para desinfetar a água que consumimos, bem como para sintetizar medicamentos que salvam vidas. Sem sal também não haveria microchips nem painéis solares. E sem vidro, a nossa civilização entraria em colapso. “As nossas vidas estão precariamente equilibradas em grãos de areia e de sal e completamente dependentes do ferro, do cobre, do petróleo e do lítio”, avisa Ed Conway. Todos estes materiais têm uma história fascinante para contar e para descobrir. Temas e Debates, 504 págs., €24,90

9. Carta a um Jovem Decente
Mafalda Anjos

Tudo começou com uma carta real escrita pela ex-diretora da VISÃO Mafalda Anjos à sua filha quando esta completou 18 anos. Daí nasceu a ideia, com a palavra “decência” a servir como farol, de se dirigir a todos os jovens nascidos neste milénio, “com o mundo envolto numa bruma que mistura medo, ressentimento e estupidez.” São eles os destinatários destas páginas com grande potencial para se transformarem em presentes de Natal, de avós, pais e tios, para netos, filhos e sobrinhos… No prefácio, 20 figuras de várias áreas respondem a uma pergunta: o que eu gostaria de ter sabido aos 20 anos? Contraponto, €200 págs., €17,70

10. O Ano Zero da Nova Europa
Bernardo Pires de Lima

Ensaio final de uma trilogia dedicada ao momento existencial do Velho Continente, este é um livro estimulante pela forma como nos apresenta uma realidade para que nem sempre estamos despertos, mas que é absolutamente decisiva para o nosso futuro: a certeza de que a UE precisa, com urgência, de encontrar uma autonomia estratégica que lhe permita afirmar-se num mundo em mudança. Como Bernardo Pires de Lima bem escreve, a “União só sobrevive se for um espaço político composto por democracias sólidas capazes de assegurar a segurança continental e acrescentar valor estratégico conjunto no plano externo”. É esse o grande e descomunal desafio que temos pela frente. Tinta-da-China, 208 págs., €15,90

11. Viagem ao Sonho Americano
Isabel Lucas

Nova edição deste ambicioso projeto da jornalista Isabel Lucas (editado originalmente em 2017). Tendo como ponto de partida os escritores norte-americanos, este é um livro que celebra o mais nobre género jornalístico: a reportagem. Num momento em que muitas dúvidas, questões e perplexidades nos ocorrem a propósito da nova presidência de Donald Trump, já a partir de janeiro, revisitamos aqui as encruzilhadas dos Estados Unidos da América a partir desse universo mágico que é ao mesmo tempo caixa de ressonância e agente de mudanças: a literatura. O que significa hoje, afinal, a expressão “sonho americano”? Companhia das Letras, 400 págs., €19,95

12. A Última Lição de Manuel Sobrinho Simões
Luís Osório

A coleção A Última Lição dá voz a figuras que se afirmaram na sociedade a partir do seu percurso no mundo académico e do conhecimento. Neste primeiro número, ouve-se a voz de Manuel Sobrinho Simões, patologista de renome mundial, Prémio Pessoa, em 2002, e grande especialista no tema do cancro. O livro apresenta-nos a sua sabedoria em entrevista a Luís Osório – que dividiu o volume em seis capítulos, como “o provocador”, “o médico” ou “o homem de família.” Contraponto, 184 págs., €18,80

13. Autocracia, Inc.
Anne Applebaum

O livro está dedicado aos otimistas, que, dada a atual ascensão dos chamados “homens fortes” e dos Estados permeáveis a discursos radicais, têm de ser bastante mais resilientes. A jornalista e historiadora norte-americana, autora de Gulag: Uma História (2004) ou O Crepúsculo da Democracia (2020), faz aqui uma radiografia negra dos “ditadores que querem governar o mundo”. E são muitos, numa era em que, defende, as autocracias não são apenas “um homem mau isolado”, mas antes “redes sofisticadas assentes em estruturas financeiras cleptocráticas”, serviços de segurança, peritos em tecnologias de vigilância, propaganda e desinformação. O mal antidemocrático e manipulador em modo franchise global – é preciso ler para crer, compreender e combater. Bertrand, 192 págs., €17,70

14. O Labirinto dos Perdidos
Amin Maalouf

“A Humanidade está atualmente a viver um dos períodos mais perigosos da sua história” – a primeira frase deste livro não é propriamente tranquilizadora, nem sequer, convenhamos, uma grande novidade. Mas é uma forma de agarrar o leitor logo pelos colarinhos para o que vem a seguir: aceitar a explicação de que muito a que estamos hoje a assistir mantém-se na linha de conflitos anteriores que puseram o Ocidente contra os seus adversários. Num ensaio geopolítico de óbvia atualidade, Amin Maalouf consegue surpreender em cada um dos quatro capítulos – em especial naquele dedicado ao Japão, com uma visão surpreendente, e pouco realçada, sobre a importância que teve para o resto do mundo a derrota, em 1905, da frota imperial russa frente à marinha nipónica. Marcador, 368 págs., €20,90

15. O General que Começou o 25 de Abril Dois Meses Antes dos Capitães
João Céu e Silva

2024 foi rico em edições a propósito dos 50 anos do 25 de Abril de 1974. Esta foi uma proposta original e pertinente a chegar as livrarias. O jornalista João Céu e Silva faz aqui uma espécie de biografia de um livro. E esse livro, fundamental para o que se passou na Revolução dos Cravos, é Portugal e o Futuro, de António de Spínola, publicado em fevereiro de 1974, um verdadeiro campeão de vendas (com mais de 230 mil exemplares vendidos) que antecipava mudanças profundas. Contraponto, 312 págs., €18,80

16. Os Mentirosos da Natureza e a Natureza dos Mentirosos
Lixing Sun

A mentira, o engano e a batota não são um exclusivo dos humanos, mas antes características comuns às espécies do mundo biológico. Mais: são absolutamente essenciais à sobrevivência. E, segundo este cientista chinês radicado nos EUA, o engano é, por si próprio, um potente motor de evolução, porque promove a competição entre o enganador e o enganado, obrigando-os a encontrar novas trapaças ou estratagemas para poderem cumprir dois principais objetivos: ajudar a sobreviver e promover a reprodução. Ao enumerar os inúmeros estratagemas que se encontram no mundo animal, este é um livro de leitura divertida, mas também de grande atualidade: afinal, a era da mentira em que vivemos, sobretudo na política, pode ter uma explicação… biológica. Temas e Debates, 360 págs., €19,90

17. Como Saciar Um Ditador
Witold Szablowski

Parece uma daquelas ideias fantásticas que aparecem num relâmpago e se dissipam logo a seguir por se revelarem praticamente impossíveis de concretizar… O jornalista polaco Witold Szablowski não se deixou desanimar perante o desafio a que se propôs: entrevistar, em várias partes do mundo, cozinheiros que trabalharam para grandes ditadores. O projeto ocupou-lhe quatro anos de trabalho e obrigou a viagens por quatro continentes. E assim, por portas travessas (as das cozinhas), podemos ficar a saber algo mais de figuras históricas como Saddam Hussein, Enver Hoxha, Fidel Castro ou Pol Pot… Zigurate, 244 págs., €19,80

18. A História do Mundo
Peter Frankopan

De uma forma ou de outra, todos nós, humanos, temos consciência de como, ao longo da História, fomos mudando o planeta. E, como nesse processo, nos fomos adaptando às exigências do clima, enfrentando crises como, por exemplo, a chamada Pequena Idade do Gelo, responsável por grandes transformações na Europa, entre os séculos XVI e XIX. Só há muito pouco tempo, no entanto, ganhámos consciência – e, infelizmente, nem todos… – da forma como a sociedade humana tem contribuído para alterar o clima, de forma acelerada nas últimas décadas. A verdade é que, ao longo da História, o clima tem desempenhado um papel fundamental na nossa existência. É a esse exercício que o historiador Peter Frankopan se dedica, com mestria e irreverência. Crítica, 698 págs., €24

Ingredientes 

8 ovos 

6 gemas 

350 g de açúcar 

350 g de farinha 

Groselhas  

Preparação

  1. O primeiro passo é bater os ovos e as gemas com o açúcar durante algum tempo e este é o segredo de um bom pão de ló, por isso, devemos bater durante pelo menos 12 minutos.  
  2. Depois, envolvemos lentamente a farinha. Nesta fase podemos também incluir as groselhas ou outro ingrediente à sua escolha. 
  3. Mas, caso prefira, pode manter simplesmente a massa. Humedecemos a forma e forramos com papel vegetal. 
  4. Vertemos o preparado na forma e levamos ao forno a 220 ºC entre 20 e 30 minutos. O nosso pão de ló está pronto a servir.  

O novo livro de Marlene Vieira, Cozinha de Chef 2 (Casa das Letras, 160 págs., €21,90), traz-nos receitas de todas as regiões de Portugal (continente e ilhas) e de países aos quais estamos ligados pela História. Alguns exemplos: arroz de polvo, bacalhau à Braga, pescada à poveira, lulas à algarvia, empada de perdiz e cogumelos, morcela com ananás e queijo de São Jorge ou, entre outras, moamba de pintada com funge. A chefe de cozinha tem três restaurantes, em Lisboa: o gastronómico Marlene, o gastrobar Zunzum e Marlene Vieira (no Time Out Market).

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa quer desaparecer na reforma, quando, em março de 2025, abandonar Belém. Sendo como é, ninguém acredita que desvanecerá na bruma. No mínimo, o Presidente terá de, e deverá, escrever as suas memórias da Presidência ou as impressões que mais marcaram os dez anos no cargo.

Pode não desejar, como nunca desejou, mas ele, ou alguém por ele, terá de deixar essa memória para o futuro. Marcelo, repito, foi o Presidente que melhor aproximou Belém dos portugueses, diariamente, e que puxou pelos Governos, em crise ou fora dela, nunca esquecendo o distanciamento institucional entre cargos e poderes.

Acarinhou Costa na “geringonça”, assumiu os falhanços do Estado em tragédias impensáveis, ajudou e protegeu os portugueses na pandemia e deu ao ex-primeiro-ministro, por mérito próprio, a oportunidade de alcançar uma maioria absoluta, que, infelizmente, acabou mal.

Faz agora o mesmo com Luís Montenegro: colocou toda a pressão na aprovação do Orçamento de Estado, algo que terá de voltar a fazer no outono de 2025. É um adepto consumado da estabilidade política e institucional. É assim: genuinamente aberto, franco e sempre disponível para ouvir e falar. Não haverá outro Presidente como Marcelo Rebelo de Sousa. Aguardemos pela autobiografia, memórias, impressões e estados de espírito, quando chegar a altura.

(Cautela, contudo: o que sempre aprendi com as autobiografias é que tudo aquilo que nós, jornalistas, comentadores e outros, pensávamos ter acontecido numa determinada altura não batia, de todo, com a realidade vivida pelo protagonista. E, muitas vezes, nem sequer era um episódio real!)

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Luís Oliveira e Silva, 54 anos, é professor catedrático do Instituto Superior Técnico, onde coordena o Grupo de Lasers e Plasmas no Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear. Há um mês, numa cerimónia realizada na Academia de Ciências de Lisboa, recebeu a Medalha Blaise Pascal, sobretudo pela sua investigação em aceleradores a plasma. Em entrevista à VISÃO, entre muitos outros assuntos, fala sobre a importância deste prémio e também acerca do papel das universidades nas sociedades atuais. Olha para o poeta António Maria Lisboa, que diz “totalmente insubmisso”, como uma referência por causa do seu “desejo de ir mais além”.

Que importância teve ganhar a medalha Blaise Pascal, para si e também para a comunidade em que está inserido?
É sempre importante quando o nosso trabalho é reconhecido. Obviamente que estes reconhecimentos se refletem em mim, mas também são o resultado do trabalho que, ao longo do tempo, desenvolvi com a minha equipa e com as pessoas com quem tenho colaborado. Tudo isto não só tem reflexos na visibilidade do nosso trabalho, interna e externamente, como também acaba por amplificar o impacto do que fazemos. 

A visibilidade continua a ser um dos problemas da academia?
Nunca senti essa dificuldade. Para nós, sempre foi importante transmitir o que fazemos. Claro que é um desafio conseguir comunicar para lá das fronteiras da nossa comunidade. Nem sempre o conseguimos, mas penso que estamos a fazê-lo cada vez melhor. 

No seu CV, diz que o seu motto é “exceder-se de tal forma que não seja possível conceptuar-se”, uma citação atribuída por Mário Cesariny ao António Maria Lisboa. Em que medida se identifica com esta frase?
Gosto muito do movimento artístico do modernismo. O princípio do século XX foi muito estimulante, não só nas artes mas também nas ciências. É o período em que vemos a revolução da mecânica quântica, Einstein, tratou-se de facto de uma altura fascinante do ponto de vista cultural e científico. O António Maria Lisboa morreu muito cedo, com 25 anos, mas foi totalmente insubmisso na procura da visão que ele tinha da poesia, da filosofia poética que ele perseguia. Não tinha dinheiro, mas foi para Paris porque queria conhecer a comunidade surrealista da altura. E não estava disponível para fazer qualquer tipo de concessão em relação ao seu objetivo. Sempre entendi que devemos ser ambiciosos, que não devemos ceder nos objetivos que traçámos. Não é comum os cientistas assumirem-no, eu sei, mas sempre me inspirou este desejo de ir mais além.    

Em termos de investigação, o que de mais importante tem em mãos?
Depende do que se considera importante… Há coisas importantes porque têm impacto na vida das pessoas. Há coisas importantes porque são intelectualmente mais estimulantes e me dão prazer. E depois há o que é importante para a comunidade. 

Vamos primeiro à última hipótese: o que a comunidade científica considera importante.
Vou tentar explicar isto assim: a minha área genérica, que é a física dos plasmas, tem um grande objetivo desde que foi fundada, em 1958, quando se realizou uma conferência em Genebra, na sequência da qual se desclassificou a investigação. E esse grande objetivo é conseguirmos, no curto prazo, construir uma central de fusão nuclear que forneça energia para a rede elétrica. Isto tem dimensões de ciência fundamental, de ciência aplicada, de engenharia, de economia, de ética… Há dois anos, houve um grande resultado nos EUA, no Lawrence Livermore National Laboratory: foi demonstrada a ignição, o processo através do qual a energia que é libertada da fusão nuclear é superior aquela que foi injetada na pequena esfera de combustível. Até tornar isto uma central nuclear, uma central para produção de energia elétrica, há um conjunto de passos…

No ano passado, num artigo publicado no Público, escrevia: “Arrisco-me a prever (e a apostar!) que, nos próximos dois anos, outro enorme avanço irá acontecer na área da fusão nuclear, agora do lado da fusão por confinamento magnético.” Continua a apostar?
Continuo, continuo.

Falta um ano, portanto.
E acho que não vou falhar por muito [risos]. Esta procura da fusão nuclear tem seguido essencialmente dois caminhos: uma via com lasers, uma esfera de combustível que é irradiada ou comprimida; a outra via é criar um género de uma garrafa, um donut magnético que guarde lá dentro o combustível. A primeira foi seguida nos EUA em ligação ao programa de defesa, para testar as condições das armas nucleares. A Europa tem apostado na segunda via, associada a grandes máquinas, como o projeto ITER [Reator Termonuclear Experimental Internacional]. Muitas dessas máquinas foram desenhadas com tecnologia dos anos 80 e 90, mas entretanto tem havido evoluções, sobretudo nos materiais supercondutores, que permitem ter campos magnéticos mais fortes. Um conjunto de avanços, nomeadamente no MIT, permitiu lançar uma empresa, a Commonwealth Fusion Systems, que está a desenvolver uma máquina de confinamento magnético, mais pequena e mais fácil de construir do que a do ITER. Portanto, tudo indica que vão conseguir fazer uma máquina em que a energia que é libertada será maior do que a energia que é injetada. Ainda estamos longe de fazer uma central elétrica, mas estes passos estão a mudar completamente a perspetiva dos investidores, das agências de financiamento e dos governos. 

Neste momento, o que lhe dá mais prazer investigar?
Duas questões que parecem disjuntas, mas que estão relacionadas. Em primeiro lugar, como é que conseguimos luz em matéria? Quais são as intensidades luminosas, qual o tamanho dos lasers que temos de usar para produzir eletrões, positrões, matéria, antimatéria no laboratório? Será que com laser de determinada energia conseguimos gerar eletrões e positrões como fontes para aplicar? Em segundo lugar, sabemos que há locais no Universo, com física muito semelhante a esta, onde existe apenas luz e subitamente aparece matéria e antimatéria. Sabemos que isto acontece, nos buracos negros, por exemplo. Estes objetos emitem ondas de rádio e têm propriedades na luz que não conseguimos explicar. As ferramentas, os métodos e os modelos computacionais que usamos para estudar estas duas físicas são muito semelhantes e isso é particularmente interessante porque nos coloca numa oposição que é única. 

Como é que um cientista concilia o seu interesse em determinadas áreas e o interesse para a comunidade?
Só posso falar da minha própria experiência. Tenho uma teoria, que digo a todos os meus estudantes quando têm de decidir o que vão fazer: há problemas intelectualmente estimulantes em todas as áreas da atividade humana. E isto também acontece na Física: neste momento, estou a trabalhar nestes tópicos, mas se, por outras razões, tiver de trabalhar noutros, não há problema. Agora, o que me leva a mim a escolher? Os estudantes, as áreas em que eles querem trabalhar e se sentem mais entusiasmados. Muitas vezes, alinho os meus interesses de investigação com o que eles querem. Também é importante alinhar com o que as agências de financiamento estão a privilegiar. Porque, sem recursos, não consigo pagar aos estudantes, não consigo viajar, não consigo comprar equipamento.

Na Ciência, não é possível trabalhar sozinho, como apesar de tudo é possível na literatura, como aconteceu com António Maria Lisboa?
Bom, António Maria Lisboa conseguiu falar com André Breton e com os outros surrealistas, mas quando regressou dessa ida a Paris já vinha com tuberculose… Pelo menos na minha área, concordo que é muito difícil trabalhar sozinho, a Física é incompatível com esse trabalho de ermita. Talvez no princípio do século XX fosse possível, mas mesmo nessa altura a questão da comunidade científica já era importante…  

Este ano, quer o Prémio Nobel da Física quer o da Química foram para a área do machine learning.
O que isso nos diz?
Acho que nos diz que existe uma grande excitação, um grande interesse à volta da aprendizagem automática. É natural, são ferramentas excecionais. Talvez exista também um grande desconhecimento sobre o assunto… Acho isso espetacular, é claramente uma fronteira, porque não percebemos exatamente como aqueles modelos funcionam. Para um físico, que se rege por leis, aquilo ainda é um bocadinho uma caixa negra, põem-se umas coisas de um lado, saem umas coisas do outro. Dou uma cadeira que se chama Descobertas da Física Moderna, que é uma cadeira menos técnica, mais de cultura e da história da Física, e reparei que, subitamente, os estudantes estão a escrever com uma fluência notável [risos]. Significa que estão a usar as ferramentas – e bem! A reflexão que faço é que, provavelmente, não faz muito sentido estarmos a treinar os alunos para escrever com alta qualidade, o necessário é explorar outras dimensões do que eles têm de aprender. Porque, de facto, ponho uma lista de pontos no ChatGPT e digo-lhe para fazer aquilo como se fosse o António Maria Lisboa e ele faz-me um poema que reproduz o vocabulário e o estilo. [Risos.] 

Portanto, o Nobel é sobretudo um reflexo dessa descoberta?
Os físicos ficaram um bocadinho perturbados com a atribuição do Nobel… John Hopfield é formado em Física, mas em relação a Geoffrey Hinton já tenho mais dúvidas de que se enquadre naquilo que é o cânone da Física. Várias pessoas me provocaram, perguntando: agora dão o Nobel a pessoas que não são físicos? Citei Wolfgang Paul, um físico que era conhecido por ser bastante polémico e confrontacional, que dizia (não sei se me devia citar nisto…): “All science is physics or stamp collecting”. Portanto, a ciência ou é a física ou é coleção de selos [risos], que é uma frase muito…

Ortodoxa?
Bastante ortodoxa. Não quero que pensem que partilho desta opinião, que não partilho. Mas há aqui qualquer coisa de bastante profundo: a física tem uma forma de olhar para os problemas, procura um conjunto de leis fundamentais, princípios baseados em simetrias, leis de conservação, isso tudo… E o seu sucesso, desde Galileu, é baseado nesta perspetiva. Muitas das outras ciências reproduzem também uma parte dessa procura e, portanto, é normal que as fronteiras da física se expandam cada vez mais, à medida que a maturidade nas outras ciências se aproximam desta visão. 

A Europa está preparada para recuperar a distância que tem perdido face aos EUA no que diz respeito à Ciência?
Do ponto de vista competitivo, não estamos numa situação que nos seja muito favorável. As grandes instituições de referência, que atraem as melhores pessoas do mundo, estão nos EUA. A Europa tem de fazer escolhas e encontrar uma voz – até porque a China também está com uma pujança e uma capacidade extraordinárias, já está a ultrapassar os EUA naquelas métricas de produção científica. Gosto de pensar que sou um otimista, mas a realidade é bastante dura. A Ciência que tem impacto na vida das pessoas é feita com investimentos significativos e o investimento europeu em Ciência é uma fração, um terço ou um quarto, do investimento norte-americano.

Qual o papel das universidades e dos cientistas num mundo dominado por fake news, opiniões e desprezo pela evidência, sobretudo na tomada de decisões?
Tenho pensado muito nisso… As universidades são instituições, quase por definição, imutáveis, no sentido em que as coisas mudam em escalas de tempo muito longas. São, por isso, instituições muito fortes. Estão cá há 900 anos e, provavelmente, daqui a 900 anos, ainda cá estarão. 

Provavelmente, foi isso que as fez sobreviver.
Pois, mas nesta fase a velocidade e a transformação tecnológica e social são absolutamente avassaladoras. Como é que as instituições se adaptam a isto? Se há pessoas, se há comunidades que conseguem – não diria guiar, porque parece um pouco paternalista – colaborar na interpretação do mundo de uma forma crítica, sistemática e estruturada são as universidades. 

Como é que isso pode ser feito?
Não sei, há uma grande diferença nas escalas de tempo. Todos sentimos que é cada vez mais importante o contributo das pessoas que são especialistas, que têm o conhecimento científico, que conseguem fazer as sínteses e as análises. O problema é que a velocidade a que essa reflexão é feita nas universidades ainda é um bocadinho lenta para aquilo que são as necessidades atuais. A curto prazo, podemos dar mais visibilidade a essas pessoas para que a sua voz seja ouvida de forma mais presente. A médio prazo, na minha opinião, o maior impacto ainda é na formação e no treino dado por um professor universitário. Se fizermos as contas, no final da carreira, um professor cruzou-se com um número extraordinário de alunos. Se ele conseguir transmitir um conjunto de valores (nem é tanto o conhecimento para resolver equações…) que os alunos vão depois transportar para os seus contextos, isso tem um valor muito superior a qualquer informação que eu consiga transmitir durante uma aula.  

No Orçamento do Estado (OE), o que está previsto para a investigação em 2025 é o valor mais baixo desde 2018, menos 68,1 milhões do que em 2024. Os constrangimentos financeiros no Ensino Superior em Portugal, para ensino e investigação, são um problema grave?
Do ponto de vista macro, há um indicador que nos deve deixar muito orgulhosos, que é o número de investigadores por mil habitantes. Trata-se de um valor comparável aos dos maiores países europeus. Mas, depois, há um outro número que nos deve deixar muito preocupados e o OE é apenas uma parte desse problema: qual é o financiamento disponível por investigador? E aqui estamos muito abaixo. Em relação aos EUA, é um fator 8 ou 9, mas até em relação a países que nos estão relativamente próximos é muito baixo: julgo que República Checa é um fator 2, Irlanda entre 2 e 3. Já fiz estas contas todas, até ajustando ao custo de vida, e há aqui um intervalo de investimento. Continuamos subfinanciados, e a diferença é muito grande. O meu grupo não sofre deste problema, porque atraímos muito dinheiro europeu, mas isto tem custos: significa equipas reduzidas a limites muito críticos e significa também que tudo é muito mais imprevisível. Não fomenta nas equipas a confiança para arriscarem mais, para ter projetos de médio e longo prazo. Tudo isto só aumenta a desigualdade. É o princípio de Mateus: os mais ricos ficam mais ricos, os mais pobres ficam mais pobres.

Os dias de chuva e as baixas temperaturas podem afetar a nossa energia. Sente maior dificuldade em manter a boa disposição? Tem menos ânimo para as atividades rotineiras? Tudo isso pode ser explicado pela ciência e sim, está relacionado com o tempo metereológico e com as mudanças que estamos a registar.

Segundo a psicóloga clínica Jacquelyn Johnson, a forma como o clima afeta uma pessoa depende sempre de preferências pessoais, mas estudos científicos comprovam que existem tendências seguidas pela maioria da população e que a meteorologia realmente afeta a saúde mental.  

Um estudo feito com uma amostra de 500 pessoas comprovou que temperaturas entre os 10º C e os 21ºC são aquelas que estão mais ligadas à boa disposição. Um céu azul e a luz do sol melhoram o estado de espírito, tornam-nos mais confiantes e tolerantes. Por outro lado, os humores menos felizes estão associados à chuva, humidade e nevoeiro pois esse clima faz com que o corpo humano produza menos endorfinas, serotonina e dopamina.

Está também provado que o tempo frio inibe a energia, uma vez que o corpo parece receber um sinal para repousar mais nestes períodos. Os maiores picos de energia são sentidos em temperaturas mais amenas, abaixo dos 21ºC, sendo que quando estes valores começam a aumentar surge uma maior sensação de cansaço. Já as temperaturas mais altas estão associadas a stress, ansiedade, agitação e irritabilidade.

A luz do sol também transmite uma maior sensação de energia, uma vez que diz ao nosso corpo para estar acordado. Isso faz com que o inverno, que tem menos horas de luz solar, seja mais propício ao repouso e a estados mais letárgicos, em comparação com os meses de verão. Além disso, a chuva ajuda a dormir melhor, pois o som vibra numa frequência que é considerada calmante.