Já não se trata de ficção científica. É mesmo o presente. O ChatGPT veio provocar uma nova revolução tecnológica, e receio que boa parte da sociedade não esteja preparada para lidar com a nova realidade.
A startup NewsGuard identificou 49 sites de notícias que já utilizam ferramentas de IA. É assim que estão a gerar parte ou a totalidade dos conteúdos que disponibilizam. Mas boa parte deles são imprecisos ou falsos. Trata-se duma consequência da presente cultura cibernética em que o que conta é produzir informação em quantidade, a fim de promover o tráfego na internet e exibir anúncios publicitários para obter o maior lucro possível, sem gastar tempo com a verificação dos factos nem a fazer o contraditório.
E se até agora eram pessoas que produziam esses conteúdos, sujeitos às óbvias limitações humanas e tinham de ser pagos, quase sempre mal, agora os computadores fazem mais quantidade, sem limitação de horários, de saúde ou outras e fica tudo muito mais barato. E é assim que a produção de conteúdos se vai tornando cativa da lógica industrial.
Mesmo sites de tecnologia norte-americana como o Cnet têm sido apanhados a publicar textos produzidos por IA sobre questões financeiras com erros grosseiros de cálculo, que podem ter induzido milhares de pessoas em enganos graves de avaliação e gestão financeira.
O próprio Spotify, o maior streaming musical do mundo, teve de remover milhares de canções criadas artificialmente com o intuito de gerar a maior receita possível. Segundo um relatório da consultoria Imperva, que trabalha na área de cibersegurança, constatou-se que em 2022 quase metade do tráfego da internet foi gerado por robôs (47,4%).
Além das tremendas interrogações que a IA suscita no mundo académico e em matéria de investigação, tendo em conta a crescente dificuldade em detetar plágios, que serão inevitavelmente potenciados por ferramentas como a ChatGPT, pode vir a provocar o surgimento de estudos pseudocientíficos com resultados enganadores e consequências imprevisíveis para o desenvolvimento da ciência e da inovação.
Há notícias de que já existe IA aplicada a utilizações de caráter religioso. É o caso da Índia, onde as tecnologias já estão a produzir conteúdos baseados em textos sagrados hindus, apresentados depois aos fiéis como se fossem as próprias divindades a interagir com os utilizadores. Uma fraude monumental que pode desembocar em situações extremamente perigosas em termos de segurança.
Estamos perante a possibilidade de ter sermões gerados por IA em vez de nascerem do estudo e devoção dos líderes religiosos, da revelação pessoal dos ministros de culto, de convicções religiosas profundas e da vivência da fé, tornando-se assim artificiais, uma espécie de sermões de plástico que para nada servem senão para destruir a essência do culto a Deus.
O passo seguinte poderá ser – quem sabe – colocar autómatos nos púlpitos a debitar os sermões das igrejas cristãs, com o timbre de voz de algum pregador famoso, que pode ser escolhido a la carte. Ou um robô paramentado a presidir à eucaristia, o que talvez resolvesse a falta de sacerdotes derivada da crise de vocações.
E quanto à produção teológica e ao ensino da doutrina, o que acontecerá? Entregamos a tarefa às máquinas até ao momento em que estivermos a adorar uma máquina portadora de IA no lugar de Deus? Através da IA podemos até criar uma nova versão de debates teológicos com duas máquinas a discutir entre elas como se estivessem a jogar uma partida de xadrez.
Tudo é possível neste admirável mundo novo da IA, em que os seres humanos se comportam de forma cada vez mais irracional cedendo às máquinas o controlo sobre a sua vida, mesmo nas coisas mais profundas como a fé e as crenças. Esse dia será o verdadeiro Apocalipse da espécie humana. “A técnica ameaça tornar-se no tirano da sociedade humana”, escrevia Konrad Lorenz em “O Declínio do Homem” (1983). “Uma atividade que, pela sua essência, deveria ser um ‘meio’ para chegar a um objetivo, tornou-se num fim em si mesma”.
Entretanto tenhamos esperança de que a IA seja usada com parcimónia, inteligência e alvo de regulamentação apertada com mecanismos de controlo adequados, que evitem a desumanização mas também a estupidificação dos humanos. Os governos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha já estão em contactos para o efeito.
Ainda estamos a tempo.
MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.