Estamos a chegar ao final dos meses decisivos da guerra na Ucrânia, aqueles que os dois lados precisavam para reequipar, reorganizar e reforçar estratégias político-militares. Nestes últimos três, quatro meses ‒ após uma fase intensa de reconquistas e contraofensivas localizadas no Donbass, no último trimestre de 2022 ‒, podemos alargar esse confronto bilateral a um arco exterior de incursões e proclamações políticas que mantiveram as perceções diferentes sobre a evolução da guerra, ou até a um eixo de perigosos focos de insegurança entre Taiwan, o Sudão ou a República Centro Africana. A guerra na Ucrânia não é global, mas tem efeitos e aproveitamentos geopolíticos com ecos intercontinentais.
Um desses aproveitamentos reside na nova vida de algumas organizações, paradoxal à eficácia do multilateralismo vigente. A NATO alargou-se e recuperou a sua natureza geográfica e estratégica. A União Europeia retomou o alargamento como desígnio maior do seu projeto de integração continental e abraçou uma série de debates que reforçam uma imprescindível autonomia de meios no comércio, energia, segurança e indústria. Os BRICS ressuscitaram a sua cínica coesão estratégica, conseguindo introduzir no panorama novas ansiedades em redor de exercícios militares conjuntos, de um contraponto ao dólar e, ainda, projetando futuras adesões do Irão, Argentina, Argélia ou Indonésia. A Organização para a Cooperação de Xangai marcou cimeiras e sinalizou alinhamentos, mesmo que disfuncionais e intermitentes. O G7 alinhou desde a primeira hora com a UE e a NATO, confirmando o Japão e a Coreia do Sul como aliados confiáveis, também eles numa fase de reaproximação bilateral. E a própria ONU, mesmo com o Conselho de Segurança paralisado, conseguiu reajustar a assembleia geral a um formato menos inócuo e mais vocal, obrigando a posicionamentos regulares sobre a guerra, vínculos que, não sendo marcos na evolução do conflito, vão balizando governos e acelerando a atividade diplomática mundial. Não desvalorizemos estes circuitos, não menosprezemos o valor das alianças, das cooperações à la carte, das pressões políticas, das posições das opiniões públicas. É também este cardápio que faz o invólucro da guerra na Ucrânia, cuja evolução marcará a natureza, a força e os equilíbrios entre todos aqueles atores.