Nas últimas semanas, a encenação que se tem desenvolvido em torno do Orçamento do Estado, procurando esconder as opções de fundo que unem PSD/CDS, PS, Chega e IL, atingiu níveis que nos obriga a perguntar: acham que estão a enganar quem?
PSD, PS, CHEGA e IL encenam diferenças mas, para lá das falsas polémicas e manobras de distração, estão de acordo em tudo o que é fundamental. Podemos questionar se os separa o ritmo com que querem implementar as políticas neoliberais de aumento das injustiças e desigualdades, concentração de riqueza, privatizações e destruição de serviços públicos.
Manobras que tentam afunilar a discussão em duas questões: por um lado se o Orçamento do Estado é ou não aprovado, independentemente do seu conteúdo, e, por outro, focando duas questões, o IRS Jovem e o IRC, ofuscando o resto do conteúdo que tem e principalmente o que não tem, as repostas que não dá aos problemas do País.
A questão não é se é aprovado ou não, até porque isso nunca esteve verdadeiramente em causa, é o seu conteúdo. Porque a instabilidade que conta é a que é sentida por tantos jovens e a maioria da população que não veem resposta aos seus principais problemas e anseios.
O jovem que vive na instabilidade de saber se vai ter professor a todas as disciplinas, o estudante que vive na instabilidade para finalizar os seus estudos devido aos custos de frequência do Ensino Superior, o jovem trabalhador que vive na instabilidade dos baixos salários, da precariedade dos vínculos, da violência da desregulação dos horários, o jovem casal que vive na instabilidade se encontrará casa para construir o seu projeto de vida, se a renda ou a prestação ao banco vai subir, se terá uma vaga na creche para o seu filho.
Sobre o conteúdo do orçamento, este é o orçamento que os grupos económicos desejavam, e é por isso que nele convergem PS e PSD, e não aquele de que o País tanto precisa.
Opta por aprofundar ainda mais a injustiça fiscal, com 1800 milhões de euros em benefícios fiscais, mais 200 milhões que os 1600 do OE do PS, que favorecem sobretudo 0,1% das empresas, grandes empresas, com lucros milionários, enquanto tentar travar o aumento dos salários.
Corta nos impostos sobre os prémios e horas extraordinárias, dando mais incentivos às empresas para não aumentar salários, para não contratar mais trabalhadores e para aumentar ainda mais o recurso a horas extraordinárias.
Sobre o IRS Jovem (que o PS criou) os números falam por si: mais de 70% dos jovens trabalhadores não serão beneficiados porque ganham rendimentos tão baixos que não pagam IRS. Para além de retirar ao Estado mais recursos, tão necessários para responder às questões que verdadeiramente levam tantos jovens a emigrar.
Ao contrário do que o grande capital procura incutir, não é a descida dos impostos sobre os salários que resolverá a injusta distribuição da riqueza que já é criada no nosso país. O País aguenta e precisa do aumento geral dos salários, o que não aguenta é a crescente saída de jovens trabalhadores, forçados a procurar uma vida melhor noutro país. É justo, possível, urgente e necessário aumentar salários e erradicar a precariedade.
Mantêm os problemas no acesso à habitação com inaceitáveis favorecimentos à banca e aos fundos imobiliários e amarrando a habitação pública a parcerias público-privadas, enquanto milhares de jovens e famílias são apertadas por prestações ou por rendas incomportáveis.
Sobre o anúncio do descongelamento propinas e posterior recuo, para o qual foi decisivo a resposta e luta dos estudantes, fica patente mais um aspeto que une PS, PSD/CDS, Chega e IL: a opção de não acabar com as propinas.
As medidas que são precisas não as encontramos nesta proposta de Orçamento do Estado, nem as propostas dos restantes representantes do capital, mas sim nas revindicações que mobilizam tantos estudantes e jovens trabalhadores para a luta nas escolas, faculdades e locais de trabalho. E por isso, assume grande importância a manifestação nacional convocada pela CGTP-IN para 9 de novembro em Lisboa e no Porto.
Um orçamento negativo pelo conteúdo que possui e pelo que não contém. Faltam médicos, enfermeiros, psicólogos, professores e tantos outros trabalhadores nos serviços públicos e qual a proposta do Governo? De não contratar, deixando os problemas avolumar-se, principalmente na Escola Pública e no SNS. Há uns meses, o primeiro-ministro dizia que não havia dinheiro para tudo. A aldrabice é recorrente. A meio de outubro, mais de 24 mil estudantes continuam sem professor a pelo menos uma disciplina, com uma listagem de mais de 450 escolas, que já em 2022 necessitavam de obras urgentes ou muito urgentes. Sobre isto, o que diz e faz o Governo? Reforço de turmas e de financiamento para os colégios privados nas áreas onde o Estado deliberadamente se escusa a cumprir as suas obrigações constitucionais. Na Saúde, enquanto se encerram urgências de obstetrícia, paga-se ao negócio privado da doença para fazer ecografias, que igualmente recebe mais de metade do valor do Orçamento do Estado destinado à Saúde.
Mentira atrás de mentira. Falsas soluções que não passam de esquemas para financiar o privado, destruindo os serviços públicos, para transformar direitos em mercadoria e o Estado como instrumento das negociatas do Governo. Que se olhe para a tão propagandeada medida dos cheques psicólogos. Ao invés de dar resposta no plano da Ação Social, reforçando-a em meios e financiamento, o Governo anuncia uma medida, que para além de confirmar esta lógica, se revela um embuste em toda a linha, excluindo estudantes com quadros de adição, bipolaridade ou perturbação da personalidade.
O Passe Verde Ferroviário, que naturalmente poderá constituir um estímulo à utilização do transporte ferroviário, é, sem outras medidas associadas, mais um exercício de propaganda. O ministro das Infra-estruturas, que há pouco tempo, e que nem gato escondido com rabo de fora, anunciou a intenção de limitar o investimento na CP e de colocar o privado a operar os comboios para a alta velocidade, não explica se esta medida será acompanhada do financiamento devido à CP, que ainda não recebeu o valor do passe ferroviário correspondente ao ano de 2023, de reforço da oferta de comboios e modernização da ferrovia, bem como a garantia de que esta medida se integre num passe regional ou inter-regional, algo que nos dias de hoje não se verifica.
Por detrás dos sorrisos e das juras de amor à juventude e das parangonas dos anúncios do Governo, estão as letras pequenas, estilo crédito bancário ou bula de medicamento, e nessas letras pequenas, encontramos uma política alinhada com os interesses dos senhores da banca e dos grandes grupos económicos, alheada da realidade da juventude e da própria Constituição.
Cá estamos, e cá estaremos nessa luta pelo futuro, pela emancipação e pelo direito a uma vida e trabalho dignos, por esse país de Abril, de que não abdicamos.
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