Constança Braddell está no Céu. Com Deus, a olhar pelos seus, e por todos nós. Não há outro lugar para ela estar, e descansar. Com 24 anos, apenas 24, ela passou pelo Purgatório, e pelo Inferno, em vida, sem merecer, e com o seu exemplo, e apelo dramático, em março, ajudou centenas de doentes com a mesma doença. Ela mostrou-nos o lado mesquinho do Estado. O único que não se emocionou.
Milhares de portugueses, do dia para a noite, doaram mais de 200 mil euros, através de uma plataforma de “crowdfunding”, para comprar o novo medicamento de uma farmacêutica americana, que ainda custa 15 mil euros por mês. “Não quero morrer!” disse Constança, e foi o que bastou para se criar e agigantar esse movimento imediato, espontâneo e genuíno de mais de 14 mil portugueses. Que se substituíram à ineficácia do Estado, do Ministério da Saúde, e do Infarmed. Que vergonha. Que vergonha na altura, certamente que ainda agora, e no futuro.
Que Estado é este que não ajuda quem precisa de medicamentos inovadores, muito caros, mas que prolongam e salvam vidas? Para que serve um Infarmed assim? Sem dinheiro para salvar pessoas. Não são os seus trabalhadores, técnicos, cientistas e especialistas que não querem, ou que não se interessam, ou que não sofrem, mas o permanente subfinanciamento de um Instituto vital para comprar, e fornecer, o que de melhor e mais moderno já existe no mundo.
Obrigar o Infarmed a fazer contas, a gerir os tostões, e a escolher quem pode receber este ou aquele tratamento inovador, é atribuir a uma instituição um poder que não tem, nem poderá ter: o de decidir quem vive. Ou quem vai. A burocracia do Infarmed não é inata, é uma forma de empatar. De poupar. De deixar morrer.
E foi por isso, e contra isso, que milhares de portugueses se substituíram, vigorosamente, ao Estado, e às suas infindáveis hierarquias e burocracias: serve para quê, afinal? – foi o que perguntaram, explicitamente, ao ajudar Constança.
E as outras centenas (400) de pessoas com fibrose quística, já estão a tomar os comprimidos inovadores aprovados pela FDA e EMA? Ou são só alguns, para sair baratinho. E já agora, para que não existam muitas dúvidas, expliquem também, em números, quantos doentes oncológicos são tratados com as novas drogas da imunoterapia, que pela primeira vez estão no limiar do salto decisivo para colocar o cancro numa gaiola? Quantos beneficiam desses medicamentos, que também custam uma fortuna, mas que prolongam e salvam vidas? São milhares? Contam-se pelos dedos? Fornecem durante um curto período e depois é fé em Deus?
Que Estado é este que não ajuda nas doenças mais complexas, mais difíceis, e mais destruidoras? Para que serve um Infarmed sem dinheiro? Será que também tem de recorrer ao “crowdfunding”? Os impostos não chegam? Que vergonha.
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