Na última semana, a cidade de Reading foi palco do ataque de um homem armado com uma faca, numa pacífica tarde de sábado, num parque da cidade. O homem matou três pessoas e deixou outras tantas feridas, antes de ser detido pela polícia. Ao que tudo indica, o ataque nada teria a ver com a manifestação anti racismo que tivera lugar naquele mesmo local poucos dias antes.
Esta podia ter sido a notícia, já que continha todos os elementos da informação descritos nos manuais do jornalismo.
No entanto, quem a redigiu achou por bem acrescentar um facto: o homem seria um líbio requerente de asilo em Inglaterra.
À primeira vista, trata-se apenas de uma informação adicional, com vista a dar mais “cor” à notícia, mas, não tenhamos ilusões, este tipo de comunicação é tudo menos inocente. A mensagem subliminar está lá, ao alcance de todos, e não deixa dúvidas quanto à interpretaçao pretendida.
Do leitor comum que vê na mesma frase as palavras “migrante”, “refugiado” associadas a “terrorismo” ou “ataque”, só se pode esperar uma reação negativa. E esse tipo de narrativa, à primeira vista simples e inocente, acaba por acicatar a vaga de intolerância e de repúdio pelos “outros”, os que “vêm de fora”, os que “vivem à nossa custa”, os que “são todos perigosos“.
Do leitor comum que vê na mesma frase as palavras “migrante”, “refugiado” associadas a “terrorismo” ou “ataque”, só se pode esperar uma reação negativa. E esse tipo de narrativa, à primeira vista simples e inocente, acaba por acicatar a vaga de intolerância e de repúdio pelos “outros”
São estereótipos que vão ficando no inconsciente até dos mais letrados e atentos e que vão promovendo os extremismos, quer sejam eles de direita ou esquerda, que minam os fundamentos de toda e qualquer democracia.
Uma mentira repetida várias vezes acaba por se tornar verdade.
Não é a primeira vez que uma notícia deste tipo é transmitida. Talvez esta tenha passado mais despercebida porque andamos todos muito preocupados com a Covid-19. Mas até esta foi usada como argumento político/económico (veja-se o sr. Trump e as suas científicas declarações) para travar o crescente papel da China na economia mundial e lançar um ónus numa parte da população, até ao momento, perfeitamente aceite.
A uma escala minúscula, olhemos o que se passa, por exemplo, com as lojas chinesas no nosso País. E não estou aqui a fazer apologia nem do dumping social, que existe a montante e que lhes permite esmagar os preços, nem da política expansionista do país em causa. Estou apenas a pedir que façamos um exercício de raciocínio simples: estes comerciantes que estão em Portugal, na sua maioria, levam anos no nosso País. A exposição ao contágio é praticamente igual ao de qualquer um de nós. Porém, quem é que, hoje, entra numa dessas lojas, onde antes fazia compras regularmente?
Friso uma vez mais : trata-se apenas de um exemplo. Um exemplo da manipulação através de narrativas, umas mais abertamente negativas que outras, mas nenhumas inocentes.
Os que solicitam asilo, os que fogem dos seus países, são, na sua esmagadora maioria, gente de bem, gente com família, com sonhos, com vidas suspensas, com medos, com esperança… Gente como nós.
Fazer uma colagem destas pessoas a ações extremistas é criar na opinião pública um sentimento de repúdio que só pode servir interesses muito mais perigosos que as ações tresloucadas de quem quer que seja.