Crónicas d.C.
Há um mundo antes, durante e depois do novo coronavírus. A comunidade organiza-se, a sociedade reinventa-se e a economia treme. Entre manifestações comoventes de humanismo e vestígios desoladores de um certo “salve-se quem puder”, tudo parece indicar que testemunhamos um momento histórico com poder para reformular o modo como vivemos. É, portanto, tempo de observar, antecipar e repensar a realidade d.C (depois de Corona), no sentido de garantir que saímos desta crise para um mundo melhor.
O dicionário pandémico trouxe expressões improváveis para o estrelato, como “passeio higiénico” ou “achatar a curva”. Nas últimas décadas, há quem tenha profetizado a pandemia com arrepiante precisão e detalhe, mas nunca, no decorrer da História, alguém imaginou que a palavra “postigo” pudesse vir a entrar na moda. E entrou. Se as restrições tardassem, começaríamos a ter revistas a anunciar “os 10 postigos mais in da cidade de Lisboa”. Hoje, 79 dias de recolher obrigatório passados, Portugal reabre as escolas, as esplanadas, os museus, e rezamos para que este pequeno alívio seja durável. Como é óbvio, só dependerá da inteligência e responsabilidade de todos.
Por muito que a atenção dada às polémicas fortuitas nos pareça superficial perante um desafio desta escala – como a da Camisola Poveira, ou a do juiz que desafiou o diretor da PSP para um duelo -, o regresso ao fait divers é bom sinal. No que toca à camisola, foi cómico assistir ao fervor do país inteiro em defesa de um objeto de património cultural que, até então, desconhecia por completo – mas a discussão é importante e o resultado foi positivo. Ainda que fugazmente, o país vibrou com o tema da apropriação cultural e o município da Póvoa de Varzim está a criar uma plataforma online para que os artesãos possam vender modelos originais à vontade do freguês. Se ainda nos lembrarmos disso no Natal, vai ser um êxito. Quanto ao juiz Fonseca e Castro, é menos animador. Dada a sequência de episódios lamentáveis, protagonizados por alguém a quem conferimos tamanho poder, ficamos a saber que, a par do escrutínio aos detentores do poder político, mais comum, há trabalho em falta no campo dos órgãos de justiça. A confiança em quem decide das nossas vidas é um pilar fundamental das democracias.
As escolas, as esplanadas e os museus reabrem hoje. À medida que a imunização progride e as boas notícias nos chegam quanto à eficácia das vacinas – duração do efeito e resistência às novas estirpes -, a distribuição é hoje um dos nossos maiores desafios coletivos. A desigualdade no acesso às vacinas é um flagelo mundial, que expõe lacunas inaceitáveis nos sistemas internacionais por deixar populações inteiras à mercê da doença e das suas consequências. A saúde não pode ser uma questão de lucro, nem uma questão de vantagem. É um direito universal. Sem mais cooperação e solidariedade, o atraso na solução da crise ditará novas e maiores consequências para todos.
Imprevisíveis. Enquanto as instituições e os Estados se debatem por mais eficácia e justiça, cada um de nós tem a responsabilidade de refletir e escrutinar – no entanto, sem facilitar ou sucumbir aos reflexos naturais do cansaço. Em Portugal, as escolas, as esplanadas e os museus reabrem hoje, porque a baixa incidência do vírus o permite. Agora, cabe-nos continuar a deixar que seja assim.
As esplanadas vão reabrir. Num país como o nosso, é uma excelente notícia para comerciantes e clientes, para a economia e a saúde mental. A partir deste 5 de abril, prevê-se uma grande afluência aos cafés, restaurantes e pastelarias. Mas há que ter atenção, ou durará pouco. Se não queremos uma repetição do pós-Natal, exige-se cautela. A vacinação está a avançar e a surtir efeito, ainda que lenta e irregularmente. No país, os números estão controlados ao fim de um duríssimo período de confinamento. Sabemos todos o que fazer: reduzir contatos e distâncias, lavar as mãos e usar máscara. Na escola, na esplanada e no museu, reduzir contatos e distâncias, lavar as mãos e usar máscara.
As esplanadas vão reabrir, com um máximo de 4 pessoas por mesa. Para já, ainda não será caso para dizer “Venham mais cinco, de uma assentada que eu pago já”. Por agora, teremos de nos contentar com “Venham mais quatro”. Ainda não chegámos lá.