Terminou outubro, o mês em que se assinalam o Dia Mundial da Saúde Mental e o Dia Mundial de Combate ao Bullying e ao Ciberbullying. No mesmo mês, o País assistiu, chocado, a um trágico caso de homicídio. Este conjunto de eventos convida a uma necessária reflexão sobre a forma como os jovens vivem e se relacionam em tempos dominados pela tecnologia e recorda-nos a urgência de um olhar mais profundo sobre a adolescência que vive, cada vez mais, mediada por ecrãs.
A adolescência é, por excelência, um tempo de desafio e afirmação, de turbulência e descoberta, de construção identitária, e constitui um período crucial de maturação cognitiva, social e emocional, que depende, entre outros fatores, da convivência interpessoal para se consolidar.
As redes sociais, os jogos online e as plataformas de comunicação instantânea substituíram uma parte importante da convivência presencial e do contacto direto entre pares. Estamos todos permanentemente ligados, mas, de forma paradoxal, cada vez menos conectados emocionalmente. As interações digitais, comandadas por algoritmos e recompensas rápidas, por likes, seguidores e partilhas, tornam-se um espelho de comparação, de procura de validação e pertença, alterando as perceções de autoestima e de valor próprio, assim como da forma de se olhar o outro.
Esta nova forma de socialização altera profundamente o modo como os adolescentes se percecionam, percecionam o outro e o mundo que os rodeia. A lógica imediata e visual das redes sociais, onde tudo é rápido e descartável, não incentiva o pensamento critico e a reflexão e reduz significativamente a capacidade de lidar com a espera, com o erro e com o conflito, experiências fundamentais para a construção da maturidade emocional.
As competências socioemocionais, como a empatia, a autorregulação, a resiliência, entre tantas outras, desenvolvem-se na relação real, na proximidade afetiva, na segurança de um abraço. Mas, quando o reconhecimento chega de um ecrã, quando se cresce num ritmo digital que não permite parar, que não deixa espaço para o silêncio nem tempo para sentir, estas competências tendem a diluir-se, fragilizando a capacidade de sentir o outro e de gerir as emoções.
Por outro lado, importa também refletir sobre a constante exposição de crianças e jovens a conteúdos violentos, competitivos e desumanizados. Os últimos dados disponíveis do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), referentes a 2024, são reveladores: a criminalidade juvenil, entre os 12 e os 16 anos, teve um aumento de 12,5% em relação a 2023. A criminalidade grupal subiu 7,7% e, em contexto escolar, as ocorrências criminais cresceram 6,8% no último ano letivo. Estes dados são sinais de alerta de um mal-estar social e emocional que exige reflexão. O sofrimento e a violência percecionados através de um ecrã tendem a parecer distantes, quase irreais, podendo distorcer perceções e banalizar situações em contexto real. Da mesma forma, o anonimato digital favorece e facilita comportamentos de ciberbullying, que comprometem e fragilizam significativamente a saúde emocional dos jovens.
Importa não diabolizar as tecnologias, ferramentas preciosas e potenciadoras de aprendizagens diferenciadas, porém, é urgente aprender a navegar no mundo digital de forma critica, ética e humana. A tecnologia deve servir a relação e não a substituir. Mais do que limitar tempos de ecrã é fundamental promover uma literacia digital e, sobretudo, uma literacia emocional que permita aos jovens compreender, de forma assertiva, o impacto das suas ações tanto no espaço virtual como no espaço real.
É urgente recuperar o diálogo, o toque e a escuta, lugares onde a empatia se cultiva. Este é talvez o maior desafio da era digital, onde tudo se move à velocidade de um scroll infinito, onde é fácil perder o tempo do encontro e o espaço do silêncio, perdendo a experiência de ver, de compreender e de sentir o outro. As famílias e a escolas são, neste processo, pilares fundamentais.
Precisamos, por isso, de um compromisso coletivo enquanto sociedade: famílias emocionalmente presentes, escolas emocionalmente competentes e políticas públicas que integrem a educação emocional desde a infância como prioridade. A evolução tecnológica continuará a acontecer de forma contínua e inevitável, cabe-nos, enquanto coletivo, zelar para que a empatia não se extinga no processo.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.