Lisboa, Tribeca e um amor inevitável
Meg Ryan aterrou em Lisboa e no Tribeca Festival Lisboa 2025 depois de uma pequena tempestade e uma grande chuvada. E, por uns dias, o País inteiro pareceu regressar aos anos 90, com uma banda sonora de Um Amor Inevitável, de Nora Ephron, o cheiro a castanhas assadas no ar e a sensação de que o mundo era mais simples, como se até as eleições do Benfica e os cortes na Saúde no Orçamento de Estado tivessem deixado de importar. A eterna “namoradinha da América” veio participar no festival fundado por Robert De Niro, agora instalado no Beato, e acabou por fazer a pergunta mais doce e ingénua que um português pode ouvir:
“As ondas da Nazaré são mesmo reais?”
Sim, Meg, são. Não são efeitos especiais da Warner Bros., nem cenário de Sintonia de Amor. São ondas de 30 metros que engolem jet skis, telemóveis e a paciência dos surfistas amadores. Ondas empurradas pelo Canhão da Nazaré, um fenómeno geológico que até o próprio Spielberg invejaria, depois de ter feito Tubarão.
Nazaré, no fear
E é aqui que entra o nosso herói nacional: Garrett McNamara. O surfista havaiano que, em 2011, domesticou o Atlântico com uma prancha e um olhar de quem já viu a morte, mas não quis dar parte fraca. Foi ele quem pôs Portugal no mapa mundial e nos documentários da HBO, quem transformou a Praia do Norte num altar mediático e as t-shirts “Surf Nazaré – No Fear” em relíquias do turismo radical. Devíamos fazer-lhe uma estátua, a sério. Uma daquelas em tamanho real, plantada na areia da Praia do Norte, com um bronze bem americano e uma prancha erguida como símbolo nacional, em vez daquela escultura híbrida do “veado-surfista” na Estrada do Farol. (Nada contra a arte contemporânea, mas convenhamos: o homem que enfrentou o mar merecia melhor pedestal do que a cabeça de D. Fuas Roupinho.)
A Hollywood do Atlântico
Enquanto os lisboetas se queixam do lixo e dos buracos na calçada, Meg Ryan viu na cidade um cenário de cinema: colinas, eléctricos amarelos, luz dourada e um leve aroma a nostalgia, perfeito para um remake de Sintonia de Amor com vista para o Tejo. Durante a conferência de imprensa, contou que chegou “ontem à noite, mesmo depois da vossa tempestade”, e que estava “a amar a cidade”. Disse que queria sair à noite, passear e, talvez, visitar a Nazaré, “porque adoro aquela série 100 Foot Wave”.
A questão é que Meg parece ter achado que o programa da HBO era ficção científica. “Nem acredito que existe. As ondas estão mesmo a rebentar, estão?”, perguntou, incrédula, como se falasse de um spin-off de Avatar.
Não é para menos. Para quem vem de Hollywood — onde o mar é um ecrã verde e o vento tem sindicato —, a Nazaré soa a mito. Mas é um mito português, logo com base científica e uma boa dose de desarranjo emocional. É Atlântico puro, sal grosso e coragem de pescador.
Garrett, o nosso semideus
McNamara, que também andou este ano pelo Tribeca Lisboa, podia ter ficado no Havai, a surfar entre colares de flores, mas escolheu o frio da Nazaré e a sopa de peixe. Desde então, Portugal tornou-se o centro mundial do surf extremo e o paraíso dos drones da Red Bull. Ele transformou-se quase numa figura bíblica: um Moisés do mar, a dividir o Atlântico com uma prancha. E agora, graças a Meg Ryan, o mito volta às bocas do mundo. Que venha, veja e grite “You’ve Got Swell!” enquanto o McNamara lhe explica o segredo do Canhão da Nazaré entre uma sanduíche de salpicão (em vez de mortadela) e um copo de ginja. Se formos rápidos, ainda dá para propor um rom-com ambientado por cá: When Meg Met Garrett. Ele ensina-lhe a surfar, ela ensina-lhe a sorrir nos close-ups. E no fim, a prancha parte sozinha, ao pôr-do-sol.
Entre Nora Ephron e o Canhão da Nazaré
No Tribeca Festival Lisboa 2025, Meg Ryan defendeu as comédias românticas com a paixão de quem acredita que o mundo ainda pode acabar bem. Disse que o cinema deve ser uma “máquina de empatia” e que, hoje, devíamos confiar mais nos poetas do que nos políticos. Pois bem, Meg: o poeta chama-se McNamara, e o seu poema tem 30 metros de altura e cheiro a maresia. Há de facto, algo de profundamente cinematográfico no que ela disse. As comédias românticas mostram que “tudo vai ficar bem”. E a Nazaré, com o seu caos controlado e surfistas a desafiar o abismo, é precisamente isso: um lembrete de que o medo também pode ser bonito, de que o amor e o risco andam de prancha dada. Se Nora Ephron fosse viva, já estaria a escrever o argumento e provavelmente a pedir um cameo ao De Niro.
Nazaré: o nosso verdadeiro efeito especial
Portugal sempre foi um país de exageros poéticos: temos o fado para chorar, o bacalhau para sofrer e o mar para morrer de amor. A Nazaré é o epítome disso tudo. É o lugar onde o sublime e o absurdo se beijam, onde o turismo e o perigo convivem pacificamente entre drones, pranchas e sopas do mar. Meg Ryan ainda não foi, mas devia ir. E devia ver que sim, as ondas são reais, e que há em Portugal uma beleza que não precisa de filtros nem de pós-produção. Porque, se há coisa que aprendemos com o cinema dela, é que o amor aparece onde menos esperamos. E quem sabe se, ao olhar para aquele mar impossível, Meg Ryan não se apaixona de novo e desta vez por um país que vive entre o mito e a maré.