Há pouco mais de um mês, Zelensky era um quase desconhecido para a maioria dos portugueses. Sobre ele, sabíamos ser presidente da Ucrânia, o país onde é produzido muito do cereal que consumimos em Portugal, e pouco mais. Hoje, a realidade é outra. Zelensky é, atrevo-me a dizer, um dos poucos presidentes conhecidos à escala mundial que, ao ver o seu país invadido por forças estrangeiras, respondeu “preciso de armas, não de boleia”. Ao recusar abandonar o seu povo, Zelensky ganhou não só o povo, como o reconhecimento de outros povos, pois demonstrou que irá lutar pela vida dos seus cidadãos.
É certo que foi apelidado de “palhaço”, que o seu passado de comediante foi recordado por alguns, que eventualmente defendem que só pode exercer o cargo mais alto de uma nação uma certa elite.
A tática de guerra e a estratégia de combate serão julgadas pela história, que também dirá quem são os “bons” e os “maus”. Por agora, e no meio de tanta incerteza quanto ao desfecho do futuro do povo ucraniano, há uma certeza: a guerra da comunicação está a ser ganha pela Ucrânia. A tática, ou estratégia, como dizemos em comunicação, adotada por Volodymyr Zelensky, é imbatível e será com toda a certeza um “case study” em muitas escolas de comunicação. A justificar o que escrevo o facto de a política estar a ser moldada em tempo real, durante uma crise que é (já) global, fruto de comunicações autênticas e efetivas, e onde os soundbites ficam no ouvido. Soundbites, que mais não são do que técnicas de comunicação, onde imperam as frases curtas, de forte impacto, que se tornam virais, que os jornalistas usam como citação em discurso direto – permitindo-lhes passar uma mensagem diretamente às audiências.
Verdadeira máquina mediática, Zelensky aproveita todas as valências que a internet oferece para, no terreno ou a partir dele, falar ao coração das pessoas, independentemente da sua nacionalidade. Ao gravar uma mensagem que era recebida nas casas russas via telefone e onde pedia aos pais para que levassem os seus filhos de volta para casa, o presidente da Ucrânia apela ao coração, não apenas dos progenitores de soldados (adolescentes) russos, mas de todo o mundo.
Quando pediu mais ajuda em discurso inédito no parlamento britânico e que muitos apontam como sendo inspirado em Churchill, Zelensky foi aplaudido de pé por Trabalhistas e Liberais. Recorde-se que a intervenção foi inédita, já que quando líderes estrangeiros são convidados a discursar no parlamento britânico, fazem-no pessoalmente e os próprios deputados estão impedidos de participar nos trabalhos remotamente.
Ao discursar no Senado norte-americano envergando, mais uma vez, roupa militar e a usar retalhos da história americana para fazer paralelismos com a situação que se vive na Ucrânia, Zelensky ganha no campo da comunicação e ganha no campo do reconhecimento por parte dos seus pares americanos e de todo o mundo.
Quando as autoridades apelam à retirada de todos os sinais rodoviários com indicações sobre localidades e a indicação nos sinais eletrónicos de “Fuck off!”, o apelo falou ao povo e de alguma forma a todos nós que, embora saibamos que esta medida é apenas um paliativo, pois estamos na era do GPS, vimos naquele apelo a força de um povo e resistência na sua forma mais básica.
Mas é preciso congregar e comunicar! E, neste campo, o líder ucraniano tem dado lições ao mundo, quer quando comunica com os seus pares, quer quando a partir de um bunker ou ruas escuras amplifica por Twitter a imagem e o som do ambiente que o rodeia. Aqui com o tom e a autoridade certa passa mensagens fortes e que apelam à unidade. De igual modo a primeira-dama, Olena Zelenska tem congregado, também com recurso a mensagens fortes, o apoio, não só das primeiras-damas de países vizinhos, como de países mais distantes como a França, onde por exemplo a Fundação Hospital Brigitte Macron disponibilizou verbas monetárias para operações de emergência dos hospitais ucranianos, e tem ajudado crianças ucranianas que precisam de hospitalização a continuar os seus tratamentos no país.
O que temos assistido, quer através das redes sociais onde cada cidadão é um jornalista, quer pela mão e voz/imagem dos repórteres de guerra, mostra-nos uma verdade que era impensável em solo europeu e em pleno século XXI. Podemos passar horas a discutir se a guerra é também de informação. A mim, parece que do lado que se apresenta como tendo maior poderio bélico a comunicação está amordaçada. As autoridades russas impedem o acesso às redes sociais e sabemos que os próprios jornalistas, como foi o caso de Marina Ovsyannikova, passam mensagens que dão conta da manipulação da verdade. Ou seja, chega-nos uma narrativa surreal e manipulada dos factos.
Sem que se saiba quanto tempo mais durará este conflito podemos, no entanto, assegurar que a comunicação, a possibilidade de uma informação veiculada de forma caseira, como recurso a um telemóvel e redes sociais, se tornar viral é a grande vencedora; que os meios ao serviço da comunicação têm feito de qualquer pessoa um jornalista, têm permitido que qualquer um, em qualquer parte do mundo e de forma imediata, possa assumir uma posição, e gerar um movimento global de opinião pública e de pressão.
Quanto ao líder Zelensky, que escolheu a comunicação como arma principal, é já um vencedor. Espero que a história pense de igual modo.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.