Enquanto o ódio, o preconceito, e outras manifestações negativas são universais, perpassando fatores físicos, económicos, sociais, culturais, religiosos, geracionais, clubísticos, ideológicos, partidários e outros, o racismo é um sistema de valores e de atitudes políticas e económicas exclusivamente “branco”, porque é no Ocidente que é desenvolvido o conceito de “raça” e se determina, num quadro “científico” etnocêntrico, que existem raças superiores e inferiores.
Esta ideia foi fermentada durante séculos, desde os primeiros contactos com África, até se ver reforçado com os sistemas escravocratas e coloniais, estando presente com a craniometria, que determinava que o cérebro dos negros os tornava inferiores e propensos ao crime, com a religião, quando se definiram as religiões africanas como “demoníacas” pelo que, assim, os negros seriam desprovidos de “alma”, com a economia, quando se supôs que sendo desprovidos de alma poderiam ser escravizados para efeitos de maior rentabilidade económica da produção.
Depois veio o fim da escravatura e, a reboque da construção dos nacionalismos vários, emergiram as políticas de segregação, marginalização, e a inclusão por via do “racismo cordial”, tudo fenómenos sistémicos que não precisaram de ser violentos para serem eficazes.
Em Portugal, o racismo sempre foi um tema resolvido pela história, com a miscigenação e com os ideais nacionalistas do Estado Novo, princípios que difundiram fortemente o mito do “bom colonizador” (que viria a dar o “lusotropicalismo”), fazendo da epopeia dos Descobrimentos um fenómeno de civilização dos povos “selvagens”.
O problema do negacionismo da história é que os factos tendem a vir ao de cima. O racismo português sempre foi brando, como de resto é apanágio da personalidade nacional difundida e moldada pelo Estado Novo. É o que se chama de “racismo cordial”, um processo de inclusão de populações de diferente origem racial com base numa dominação a priori, em que aquelas aceitam de bom grado a situação de subalternidade, tornando o racismo invisível por uma circunstância de equilíbrio social entre dominador e dominado. É por isso que o racismo cordial não tolera qualquer questionamento, porque se sustenta numa marginalidade inconfessa, uma tipologia de relações de reciprocidade assimétrica e integração subordinada.
Ou seja, neste imaginário de país “sem racismo”, não há racismo se cada grupo “racial” conhecer os espaços que lhes são lícitos. É por isso, que na defesa da memória coletiva nacional (que intencionalmente apagou os séculos de presença africana em solo português) e do nacionalismo colonial-dependente, ao mínimo sinal de empoderamento negro a resposta é a de “conflito racial” anti-branco. Sucede que para que o racismo pudesse ser um fenómeno bilateral era preciso que os negros tivessem colonizado a Europa, escravizado brancos, desenvolvido um sistema de valores e ideais que determinavam a inferioridade branca. Não foi o que aconteceu.