Para o caso de ainda não ter reparado, a indústria dos videojogos está a sofrer uma transformação radical naquele que é um dos aspetos mais importantes: o preço dos jogos. E dizer isto não é coisa pouca, pois estamos a falar daquela que é a maior indústria de entretenimento do mundo, que gera receitas superiores ao cinema e música juntos. Se há cinco anos me perguntasse quanto vale um jogo, a resposta seria «entre 50 a 60 euros». Nos dias que correm tenho mais dificuldade em atirar um número e algo me diz que este cenário só tende a piorar – e muito por causa da influência das grandes tecnológicas.
Vejamos o exemplo do Apple Arcade. O serviço de subscrição de videojogos da Apple custa, em Portugal, 4,99 euros por mês e dá aos utilizadores acesso a um catálogo com dezenas de jogos, sem publicidade a interromper os momentos de entretenimento e já com todos os conteúdos extras incluídos de origem. Tentador, certo? Então o que pensar do jogo Mario Kart Tour que saiu nesta semana para dispositivos móveis? O icónico título de corridas da Nintendo, que chega pela primeira vez aos telemóveis, é de instalação gratuita, mas tem um modo de jogo que implica pagar… 5,49 euros por mês. Ou seja, a Nintendo quer que os jogadores paguem por um único modo de jogo mais do que os jogadores podem pagar por dezenas de jogos já com tudo incluído. Não estou a dizer que é justo ou injusto, digo sim que dá que pensar.
Daqui em diante, quando um consumidor encontrar um jogo interessante, que custe 2,99 euros, na loja de aplicações da Apple, provavelmente vai torcer o nariz: então pedem isto por um jogo quando posso ter muitos mais quase pelo mesmo preço? E quem diz a Apple, diz a Google, que também já lançou um serviço de subscrição de videojogos (mas ainda não chegou a Portugal). Basta olhar para a influência que a Netflix e Spotify tiveram, respetivamente, no mercado das séries e música para perceber que provavelmente vem aí um terramoto semelhante para os videojogos.
Fico por isso preocupado que estes novos modelos de negócio nos videojogos destruam a ideia de valor que os utilizadores atribuem às criações de estúdios, grandes ou pequenos. «Dez euros por um jogo? Muito caro. Dois euros por um jogo? Não me compensa.» E preocupa-me isso mesmo: que nem todos os criadores de videojogos consigam adaptar-se a esta nova realidade, que não consigam ter escala para suportar este novo modelo de negócio e que os que se adaptarem, baixem a qualidade das produções só para corresponder aos caprichos do mercado.
Sabia que cada música que ouve no Spotify só dá, em média, 0,003 cêntimos ao respetivo artista? Imagina um estúdio a ganhar o equivalente cada vez que completa um capítulo do jogo? O modelo por subscrição privilegia os conteúdos mais populares e torna mais difícil a vida a todos os que não encaixam neste perfil. Sim, por norma também faz com que os conteúdos cheguem a mais utilizadores do que alguma vez chegaram, mas no caso dos videojogos este nunca foi um problema – o que me deixa a pensar nos efeitos perversos que isso poderá ter para quem trabalha nesta indústria. E ao contrário do que acontece no Spotify, onde todos os meus artistas preferidos estão na mesma plataforma, o caráter de exclusividade que sempre existiu no gaming levanta questões pertinentes: afinal, quantas subscrições está um jogador disposto a pagar por mês?
Algo me diz que a guerra pelos exclusivos vai ficar ainda mais intensa. Confesso que não gostei de todas as mudanças que já aconteceram à economia dos videojogos – saber que há estúdios que cortam partes das produções para as incluírem em DLCs só para ganhar mais dinheiro é algo que ainda deixa a minha costela de consumidor desconfortável –, mas reconheço que, pelo menos, a aposta nas subscrições vai ser boa para os consumidores na descoberta e experimentação de novos jogos, vai trazer mais escolha, divulgação e maior conveniência.
Diz-nos o capitalismo que a desgraça de uns é a sorte de outros e, portanto, é até provável que o próximo Fortnite nasça justamente por causa destes novos modelos de negócio por subscrição, que também estão a ser explorados por marcas como a Xbox, PlayStation e Electronic Arts. Por outro lado, também pode resultar em menos diversidade nos videojogos, com uma aposta apenas nos formatos que são rentáveis (basta ver quantos Battle Royale existem atualmente).
O leitor pode perguntar, e bem, se há mesmo necessidade de preocupação tendo em conta que é a indústria que mais dinheiro gera. A minha resposta é sim e por dois motivos: Apple e Google já lançaram os serviços de subscrição e ainda ninguém sabe ao certo quanto ganha cada estúdio e que métrica conta para serem feitas as contas mensais; e há sectores de negócio (jornalismo, cof, cof) que não souberam preservar o valor dos conteúdos durante um período crítico de transição no modelo de negócio. Já é difícil ver meios de comunicação que têm dificuldade em convencer os leitores a pagarem por conteúdos, muitos dos quais de qualidade (também os há muito fraquinhos, justamente por causa do modelo de negócio falhado), por isso fico a torcer para que o mesmo não aconteça aos produtores de videojogos.