Quando nos Jogos Olímpicos de 1968, no México, os atletas John Carlos e Tommie Smith baixaram as cabeças e ergueram os punhos cerrados, enquanto era tocado o hino dos Estados Unidos da América, na cerimónia de entrega das medalhas da prova dos 200 metros, estavam, sem o saber, a protagonizar um dos momentos mais célebres, corajosos e emblemáticos na luta pelo reconhecimento dos direitos humanos dos negros norte-americanos. Mas também a assinar, igualmente sem o saberem, uma espécie de sentença de morte da sua atividade desportiva. Logo a seguir à cerimónia, os dois atletas foram imediatamente expulsos da equipa americana, recambiados para casa e as suas famílias alvo de ameaças.
Meio século depois, apesar de entretanto John Carlos e Tommie Smith já terem sido reintegrados e condecorados ao mais alto nível pelo seu gesto, um atleta ainda continua a precisar de uma grande dose de coragem para assumir publicamente, sem rodeios nem ambiguidade, uma posição política ou demonstrar o seu apoio inequívoco a uma causa que escape ao politicamente mais correto. Até porque, na esmagadora maioria, são os próprios organismos dirigentes do desporto que o proíbem e sancionam, com mão dura. Só isso explica que, por exemplo, se conheçam, quase sempre, as posições políticas das celebridades do cinema e do mundo do espetáculo, mas raramente se saiba o que pensam a generalidade dos desportistas sobre os mesmos assuntos.
No entanto, os acontecimentos dos últimos dias indicam uma mudança. Nos EUA, os jogadores de futebol americano uniram-se, na sequência de mais um ataque disparatado de Donald Trump, e passaram a imitar o gesto de Colin Kaepernick, o ex-quarterback dos San Francisco 49ers, que durante a época passada se ajoelhou sempre que era tocado o hino, antes do início do jogo, num protesto, pacífico e silencioso, contra a violência policial sobre os negros.
Na Catalunha, onde o FC Barcelona sempre se orgulhou de “ser mais do que um clube”, toda a equipa mostrou a solidariedade e apoio ao referendo pela independência da região. E o seu jogo, no domingo, num Camp Nou com 100 mil lugares vazios, transmitido pela televisão para 174 países, acabou por se tornar num gesto emblemático pela causa catalã. Reforçado, logo após o apito final, no ataque que Gerard Piqué fez ao governo espanhol, por causa das cargas policiais nas mesas de voto. Sim, é verdade, os atletas também têm voz.