Isto só agora começou. Os próximos tempos prometem ser conturbados, repletos de incertezas e, seguramente, muito mais radicais do que alguma vez suspeitámos. Se olharmos para o caderno de encargos que se avizinha, a tarefa mais fácil para Luís Montenegro será a formação do novo Conselho de Ministros (com um prazo de vida supostamente mais alargado do que o anterior e, portanto, menos arriscado para quem o integrar) e a consequente apresentação do seu Programa de Governo na Assembleia da República. Depois, a partir daí, não voltará a ter sossego: precisará de se preparar para mais uma escalada de tensões, de provocações e da multiplicação dos habituais “casos e casinhos”.
“Eles ainda não viram nada”, avisou André Ventura no seu discurso de vitória na noite eleitoral, em que também decretou a “morte definitiva do bipartidarismo”. E se os resultados que o Chega obteve justificam essa proclamação, a pose combativa e o discurso revanchista que Ventura adotou de imediato prenunciam que ele não está disposto a dar qualquer descanso ao Governo da AD nem a procurar, a partir de agora, assumir uma postura de estadista mais consoante com as normas e o protocolo de um líder da oposição. Muito pelo contrário: se a algazarra já era grande com 50 deputados, será ainda maior com os previsíveis 60 lugares que o Chega passará a ocupar no Parlamento (se repetir os dois da emigração), com um aumento de 20% na escala de decibéis.
O calendário político vai ajudar à tensão e será até usado como desculpa para muitos exageros de linguagem. Dentro de poucas semanas, as ruas e praças do País vão começar a ser inundadas de cartazes com os candidatos às eleições autárquicas do outono. E, quase em simultâneo, começará também a rolar a campanha para as presidenciais de janeiro de 2026 – em que André Ventura pode voltar a ser candidato e, com isso, reabrir o “circo” nos diretos das televisões.
No entanto, o calendário económico deveria exigir uma outra postura e um outro comportamento. Embora o contexto internacional tenha estado completamente ausente da campanha eleitoral, este é o momento em que, como país, vamos ter de enfrentar o choque de realidade. E é um choque que, inevitavelmente, irá pôr a nu muitas das promessas feitas e repetidas ao longo das últimas semanas – porque não haverá dinheiro para tudo.
Comparativamente com outros parceiros europeus, a situação económica de Portugal até se recomenda. Mas continua a exigir muitas cautelas e prudência. Conforme o Banco de Portugal já tinha avisado e agora a Comissão Europeia reiterou, depois de uma previsão semelhante do Conselho de Finanças Públicas, a probabilidade de voltarmos a ter défice (embora baixo, de apenas 0,1%) está mesmo ali ao virar da esquina, já em 2026, mesmo que o Governo continue a jurar que isso não acontecerá.
Não será um défice preocupante, como avisam os especialistas, mas significa que haverá menor margem orçamental para acomodar as despesas que se prometem fazer para a melhoria dos serviços públicos, em simultâneo com a redução de impostos. As contas ainda ficarão mais difíceis perante a necessidade de aumentar os encargos em Defesa, mesmo que não sejam os “astronómicos” 5% do PIB que os EUA exigem aos outros membros da NATO. E continua a ser uma incógnita o impacto que podem ter as tarifas de Trump numa economia como a nossa, a necessitar de mais pessoas e de maior investimento estrangeiro.
Por outro lado, os próximos meses serão decisivos para a concretização e a conclusão das obras com os muitos milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – que não podem ser desperdiçados. Mas que também não devem alimentar falsas ilusões: apesar do muito dinheiro que possa vir de Bruxelas, das boas políticas que possam ser aprovadas – mesmo através de um improvável consenso alargado de partidos num Parlamento tripartido e ainda mais fragmentado –, nunca será de um dia para o outro que ficarão resolvidos os problemas da habitação, da demografia, da saúde, da educação, dos baixos salários, da desigualdade económica e de um elevador social tantas vezes avariado. Tudo isso exige dinheiro, é verdade, mas também tempo. Por isso, também nunca será de um dia para o outro que vão desaparecer os descontentes nem as razões para o descontentamento.
Animado com o resultado eleitoral, o Chega vai procurar explorar esse ressentimento, com uma energia ainda mais redobrada. Não em nome do interesse nacional, mas unicamente como caminho para alargar a sua base de apoio e chegar ao poder. De facto, ainda não vimos nada…
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