Na campanha para as eleições de junho de 2011, PS e PSD navegaram numa realidade alternativa, apresentando programas eleitorais em larga medida fabricados a partir de embustes. Nunca revelaram aos portugueses o único programa que havia de ser cumprido: o Memorando de Entendimento, assinado, a 17 de maio desse ano, entre o Executivo português do PS (com o beneplácito do PSD, principal partido da oposição), o FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu. Esse era o verdadeiro programa de Governo para os quatro anos seguintes e ele teria de ser aplicado – ou os seus objetivos teriam de ser alcançados –, qualquer que fosse o partido que ganhasse as eleições. PS e PSD tinham obrigação, primeiro, de explicar tintim por tintim cada uma das medidas que impactavam a vida quotidiana dos portugueses. E, depois, divergir, eventualmente, na forma de alcançar os objetivos previamente definidos pela Troika, fornecendo, aí sim, duas vias opcionais ao eleitorado. Não o fizeram. E há alguns pontos de contacto entre o que então se vivia e a atualidade, o primeiro dos quais é o de não nos estarem a dizer a verdade. E, depois, há outros pontos, muito divergentes. Comecemos por estes: em 2025, o País tem as contas em ordem. Há (quase) pleno emprego. Um superavit orçamental. E a economia cresce. E os pontos de contacto? Nenhum programa que agora seja apresentado oferece garantias de execução, novamente por fatores externos que não controlamos. Em 2011, era a Troika. Hoje, é a situação internacional, a política disruptiva de Donald Trump, cujos efeitos ainda estamos por descobrir e, sobretudo, os ventos de guerra que pairam sobre a Europa, com os países – este é o elefante na sala – a terem de aumentar, atamancadamente e à pressa, os seus orçamentos de Defesa. E é este programa de choque, que poderá vir a ter implicações sociais parecidas com as do tempo da Troika, que nos estão a esconder. A amostra do programa do PS é um aperitivo para o do PSD, que, embora se demarque dos socialistas, acusando-os de estarem a anunciar uma nova bancarrota, nunca é, nesta matéria, muito diferente: menos impostos, mais Estado social. Digam-nos alguma coisa que não saibamos…
Pedro Nuno Santos, acusado de prometer tudo a todos e de, com este programa, poder fazer implodir o equilíbrio orçamental, defende-se, com aparente lógica, fazendo uma transferência direta entre o IRC e as medidas que propõe: “Elas custam o equivalente ao que a AD cortou em IRC.” Ora, não é bem assim que se fazem as contas. Este argumento replica, em parte, os protestos tradicionais do PCP, que brande sempre os alegados “descontos fiscais ao grande capital”, que dariam perfeitamente para financiar as propostas que apresenta. A demagogia, tal como a verdade, tem vários rostos. Este é o tipo de argumento que uma mãe utiliza para convencer o filho a comer a sopa: “Lembra-te de que há muitos meninos a morrer de fome!” E a pergunta é: se eu comer a sopa, eles deixam de morrer?… Há um pequeno problema, portanto: o modelo económico do PCP permitiria o crescimento necessário para que, sequer, fossem cobrados impostos? Pode ser que sim, quod erat demonstrandum.
É aqui que os eleitores entram. De facto, há dois modelos: uma economia mais dirigida, fiscalmente robusta, fortemente regulada, com políticas públicas que favorecem umas áreas em detrimento de outras – um modelo que, com as devidas diferenças, permitiu o crescimento de várias economias asiáticas – parece ser o projeto do PS. Uma economia mais livre e laissez-faire, fiscalmente amiga das empresas e menos regulada, e mais próxima do modelo anglo-saxónico de capitalismo, esta a opção da AD. Ambas as forças, pressionadas por ciclos eleitorais curtos, apostam na satisfação das corporações e no Estado social virado para um crescente “mercado pensionista”.
Teme-se, porém, que o “elefante” da Defesa esteja completamente varrido para debaixo do tapete nesta campanha eleitoral. Tal como, em 2011, não nos explicaram o que implicava a Troika, os partidos fogem de explicar, agora, o que significa o investimento em Defesa. Onde se vai buscar o dinheiro? Em que áreas vamos ter de cortar – nas pensões, nos subsídios, na Saúde, na Educação? Em que medida essa viragem nas políticas públicas pode estimular, ou não, a indústria nacional? A presença de Nuno Melo nalguns debates podia ser aproveitada para desenvolver estas matérias, em especial, no confronto que o vai opor ao europeísta Rui Tavares. O líder do CDS, se a AD vencer as eleições e ele continuar na pasta, pode ver cair-lhe no colo a área mais importante do Governo. Nem sequer sabemos se está à altura. Não escondam isso aos eleitores.
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