Bastaram dois telefonemas para o imprevisível Donald Trump adiar, durante um mês, os primeiros dois tiros da anunciada guerra comercial com que pretende impor a sua lei ao resto do mundo. Após conversas com a Presidente mexicana Claudia Sheinbaum e com o primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau, Trump voltou atrás nas ameaças e congelou a entrada em vigor das tarifas aduaneiras de 25% sobre as importações dos dois países vizinhos.
Já em relação à China, como não houve diálogo com Xi Jinping, o Presidente dos EUA manteve o tiro e avançou com mais 10% de taxas aos produtos chineses, levando Pequim a retaliar, de imediato, com um arsenal de medidas, como que a demonstrar que está pronta para qualquer cenário de guerra: uma queixa na Organização Mundial de Comércio, uma taxa de 15% sobre o carvão e o gás natural liquefeito dos EUA, outra de 10% sobre o petróleo bruto, máquinas agrícolas e alguns modelos de veículos, além do anúncio de uma investigação à Google por violação das leis antimonopólio e ainda novas restrições sobre a saída de metais e produtos químicos raros essenciais para muitas indústrias norte-americanas. Perante o primeiro sinal do escalar do conflito, Trump mudou de postura e fez saber que deverá conversar “dentro de dias” com o Presidente chinês.
O primeiro dia da “guerra comercial mais idiota da História”, conforme foi qualificada pelo insuspeito e conservador The Wall Street Journal, ajudou a traçar o retrato que os líderes dos outros países vão encontrar quando forem desafiados pela Presidência de Trump – e todos têm a garantia de que, um dia, isso acontecerá.
Agora, já sabem o que os espera: uma catadupa permanente de ameaças, alicerçada numa postura ostensivamente beligerante, que contraria as regras estabelecidas. Tudo isto acrescido de uma atitude que revela um desprezo absoluto sobre as consequências dos ataques que desfere. Como se estivesse sempre a repetir: “Eu sei que até posso perder alguma coisa, mas garanto que vocês vão perder muito mais. E como eu sou o mais forte…”
Isolacionista por instinto político e protecionista por estratégia económica, Donald Trump está a demonstrar que este é o caminho que quer seguir para tentar resolver a difícil equação de liderar o país mais importador do mundo, mas que é, em simultâneo, o que possui o maior défice comercial do planeta. E se já interiorizou que não pode entrar, para já, num confronto direto com a China, resta perceber até onde irá a sua intenção de “pôr a Europa na ordem”, com quem os EUA têm a segunda menos favorável balança de transações comerciais.
O aparentemente inevitável braço de ferro entre Bruxelas e Washington será decisivo para o futuro da União Europeia. E se ainda podemos ter algumas fundadas dúvidas sobre a capacidade de união entre os 27 Estados-membros, ninguém duvida que Trump irá tentar dividir o bloco europeu ao máximo, aproveitando as suas fragilidades e contradições.
“Para quem é que eu ligo quando quero falar com a Europa?”, queixava-se Henry Kissinger, quando manobrava a política internacional dos EUA. Meio século depois, esse dilema ainda não foi desfeito e será, muito provavelmente, aproveitado pelo homem que, na Casa Branca, procura destruir a ordem interna e mundial, através de decretos presidenciais, como se fosse dono e senhor absoluto de todos os poderes.
As interrogações são muitas e, quase todas, de resposta difícil. Com quem falará Trump na Europa quando elevar a pressão, com o anúncio de novas tarifas? Com a dupla institucional Ursula von der Leyen e António Costa ou com os politicamente enfraquecidos Emmanuel Macron e Olaf Scholz? Ou será que prefere cavar divisões e privilegiar a conversa com os amigos Viktor Orbán e Giorgia Meloni? Será que vai decretar tarifas iguais para todo o bloco ou irá penalizar alguns produtos em detrimento de outros, de forma a prejudicar mais uns países e deixar outros com menos razões de queixa?
Apesar das dúvidas, há uma certeza: a forma como a União Europeia conseguir responder ao desafio que se aproxima será determinante para a sua existência.
Nestes tempos confusos e desafiantes, tem sido recordada a velha piada de Bernard Lewis, em que o historiador especializado em estudos orientais dizia que “se é arriscado ser-se inimigo da América, pode ser fatal ser seu amigo”. É bom que a Europa não se esqueça disso.
OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR
+ Três interrogações e uma inquietação
+ O problema não é Trump, mas ignorar Draghi
+ Cidadão Musk, o mundo a seus… pontapés