A atribuição do Nobel da Economia aos académicos Daron Acemoglu, James A. Robinson e Simon Johnson, em reconhecimento do seu trabalho sobre a importância das instituições na prosperidade dos países, acontece no momento mais oportuno. Precisamente, quando as instituições, intimamente ligadas à democracia, estão mais frágeis e sob maior ataque.
Conforme escreveram os dois primeiros, num livro que se tornou um best-seller mundial, sabiamente intitulado Porque Falham as Nações, a realidade económica e social de cada país não é determinada pela geografia, a demografia ou a cultura, mas antes pela capacidade que as suas sociedades tiveram para construir instituições que conseguem, em simultâneo, proteger os direitos individuais e garantir a concorrência económica. Com esses alicerces torna-se mais fácil promover a inovação e, com ela, a prosperidade. E como bem salientou o Comité Nobel no anúncio do prémio, os três economistas demonstraram, com os seus estudos, que “as democracias são, em média e a longo prazo, as melhores para promover o crescimento económico e social”.
Ao receber a notícia, Daron Acemoglu manifestou o seu natural contentamento, mas também não escondeu a sua preocupação com a realidade atual. Especialmente, por sentir que as instituições democráticas estão hoje cada vez mais fragilizadas num número crescente de países. E é impossível não concordar com os seus receios, quando se percebe que muita dessa fragilidade é consequência do ataque constante de que são alvo, tanto pelas forças populistas, apenas interessadas em espalhar o caos, como pelo domínio avassalador das grandes empresas tecnológicas, que criam monopólios imunes a qualquer regulação, minando a confiança nas instituições e fomentando a desigualdade.
Face a esta realidade, é cada vez mais urgente defender e, acima de tudo, fortalecer a democracia. E é ainda mais importante que quem está no centro do sistema político, e tem, por isso, o dever de proteger as instituições democráticas, não se abstenha dessa função. A confiança nas instituições democráticas é essencial para a sociedade e até para o progresso económico, como salientou o Comité Nobel. Essa confiança não pode estar a ser continuamente fragilizada, através de jogos políticos inconsequentes, por mais que ajude a alimentar atenções mediáticas, sem outra consequência que não seja a de fazer aumentar a polarização e a intolerância.
A interminável novela a que o País assiste, há semanas, em redor do Orçamento do Estado (OE) não terá um destino diferente de todas as outras que, por vontade ou inoperância dos seus autores, se prolongam para lá do número de episódios que os espectadores consideram aceitáveis: irá acabar, naturalmente, com um enorme cansaço da audiência, obrigando, porventura, a mudanças drásticas de guião e, até quem sabe, ao desaparecimento súbito de alguma personagem – devido a outros compromissos ou a uma inesperada força maior. Com uma certeza: ninguém irá ficar com saudades dos últimos episódios.
O pior de tudo é que corremos o risco de a novela do OE se prolongar ainda por mais algumas longas semanas, como se isso fosse uma exigência dos espectadores, sempre à espera de mais um novo e emocionante capítulo. A verdade é que, a cada episódio, a única coisa que se tem conseguido fazer é aumentar a desconfiança no sistema político. E, com isso, minar a confiança na própria democracia – com as consequências que os três laureados com o Nobel da Economia bem identificaram.
A instabilidade política não existe apenas quando um país tem de estar permanentemente em eleições, porque nenhum partido consegue uma maioria estável para governar – como, aliás, se vê por essa Europa fora. Instabilidade política é também o que vivemos, em Portugal, há vários meses: não saber, exatamente, quanto mais tempo pode estar o Governo em funções e se, a qualquer momento, não teremos de voltar às urnas… sem a certeza de que isso possa, na verdade, criar alguma estabilidade.
O problema mais grave que temos de enfrentar hoje não é, no entanto, o da instabilidade política. É, isso sim, o da crescente desconfiança dos cidadãos em relação às instituições e ao funcionamento da democracia. Quando as democracias falham, falham também as nações.
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