O alarme voltou a soar na véspera de 185 milhões de cidadãos, em 27 países, começarem a sair à rua para depositar o seu voto e escolherem, na segunda maior eleição democrática do mundo, os seus 720 representantes no Parlamento Europeu. Apesar de ser subscrito por um grupo internacional de 59 cientistas, de 44 instituições de renome, de ter a chancela de uma instituição com o prestígio da Earth System Science Data e de ter sido divulgado no Dia Mundial do Ambiente, o alarme não conseguiu ter o apelo suficiente para mudar o rumo das campanhas eleitorais, nem provocar qualquer alteração nos discursos dos líderes europeus, mesmo os que não estavam diretamente sujeitos ao escrutínio popular. Num momento crucial para o futuro da Europa, o silêncio com que foi acolhida a publicação de um estudo a alertar a Humanidade para o facto das alterações climáticas estarem a acelerar mais depressa do que nunca é o mais perfeito indicador do desinteresse que se apoderou, atualmente, dos governos e dos cidadãos perante a rápida deterioração do ambiente no planeta em que habitamos.
A divulgação de um estudo com estas caraterísticas ‒ que anuncia, com dados científicos indesmentíveis, que as piores previsões do passado vão afinal ocorrer mais cedo do que se esperava ‒ teria, noutros tempos não muito distantes, criado um clamor de urgência e a exigência de medidas que procurassem inverter a situação ou, no mínimo, abrandar o pior. Desta vez, no entanto, ninguém se sobressaltou. Bem pelo contrário: todos tentaram olhar para o lado, como se o assunto não lhes dissesse respeito.
Este episódio é ilustrativo de um facto novo na realidade política atual, não só europeia mas porventura mundial: embora seja urgente, o tema das alterações climáticas passou a ser impopular, tóxico até em certos setores. Pior: segundo alguns estrategas políticos, alertar para os perigos do aquecimento global já não faz ganhar votos, como pode até afugentar muitos eleitores. Nestas eleições europeias, um pouco por todo o lado, a família dos Verdes foi a mais penalizada nas urnas e, por isso, a que mais viu reduzir a sua presença no Parlamento de Estrasburgo. Essa penalização foi ainda mais severa nos países onde o movimento ambientalista tinha maior tradição e que, nas últimas décadas, havia ganho relevância suficiente para influenciar mudanças de discurso e de objetivos programáticos nos partidos tradicionais e, assim, obrigar a alterações em muitas políticas nacionais, mas também europeias.
Quer se queira quer não, a Europa afirmou-se globalmente com uma posição de liderança na defesa do ambiente e na luta contra o aquecimento global. Apesar de algumas indecisões e até de certas hipocrisias, o bloco europeu é hoje a região do mundo mais determinada na transição energética e no desenvolvimento científico de soluções alternativas para os combustíveis fósseis. A União Europeia comprometeu-se a atingir a neutralidade carbónica até 2050, e lançou uma série de outras medidas, reunidas no Acordo Verde promovido pela comissão de Ursula von der Leyen para reduzir a poluição e proteger a Natureza.Apesar de muita dessa legislação ter sido viabilizada com base em consensos entre os partidos do centro, a verdade é que o choque com a realidade começou, aos poucos, a desfazer muitos desses compromissos. Especialmente a partir do momento em que os populistas começaram a cavalgar os protestos populares contra as consequências da transição energética, nomeadamente o aumento do preço dos combustíveis e as alterações na política agrícola.
Aos poucos, o ambiente passou a ser um assunto secundário nas campanhas eleitorais, com as discussões a centrarem-se na economia, na imigração e noutros temas considerados mais fraturantes. A grande dúvida agora é a de saber se essa subalternização das políticas climáticas no discurso irá ter também reflexos nas políticas, ao longo dos próximos cinco anos, um período crucial para determinar se a Europa conseguirá cumprir as metas a que se propôs em matéria de alterações climáticas até 2030. A nova composição do Parlamento Europeu, com mais deputados de extrema-direita, muitos deles negacionistas do clima, e com menos representantes dos partidos ambientalistas, pode ser determinante para as políticas e os objetivos com que os 27 Estados-membros se vão comprometer para o período seguinte, até 2040. Para já, sabe-se que algumas medidas, como a eliminação da venda de automóveis novos a combustão até 2035, podem ser revistas, procurando um prazo mais dilatado para a sua concretização. Mas o risco maior será o de, perante a pressão dos protestos e a urgência de outros temas, as medidas ambientais voltarem a ocupar um lugar secundário nas políticas europeias. E, ainda por cima, sem que ninguém se sobressalte com isso, só pelo medo de perder eleitores.
Ambiente tóxico
Ian Waldie/Getty Images
Embora seja urgente, o tema das alterações climáticas passou a ser impopular, tóxico até em certos setores
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