Nunca, como agora, foi tão necessário e imperioso um debate sério, informado e construtivo sobre os salários baixos em Portugal. Não só por ser urgente, mas também porque já não pode ser mais adiado ‒ sob o risco de se tornar desnecessário.
O momento é o ideal porque, finalmente, estão desfeitos já muitos dos equívocos e ideias feitas que dominaram e inquinaram esta discussão durante anos, sempre muito centrada no salário mínimo e no “fatalismo” da falta de produtividade. Já percebemos que, ao contrário do que foi apregoado por muitos “especialistas” durante demasiado tempo, o aumento do salário mínimo não fez disparar as taxas de desemprego ‒ antes pelo contrário, como demonstra a realidade recente, em que até estão por ocupar milhares de postos de trabalho em que se oferece… o salário mínimo. E também já se percebeu que a persistência nos salários baixos é, por si, em muitos setores, um entrave à produtividade, por ser um incontornável instigador de absentismo e de conflitos laborais.
Agora, da esquerda à direita, todos concordam que os baixos salários são um dos principais problemas para o desenvolvimento da nossa sociedade e a principal causa para a fuga dos jovens mais qualificados para o estrangeiro. Passou a ser, também, quase unanimemente reconhecido que a baixa remuneração ‒ aliada a uma oferta de habitação cada vez mais cara ‒ é um dos principais motivos para a falta de crença no futuro do País. Se a tudo isto somarmos o recente aumento do custo de vida e a persistência de níveis elevados de desigualdade económica na sociedade, facilmente percebemos como o desespero, provocado por salários que se mantêm teimosamente muito abaixo das necessidades de cada um, acaba por se tornar um dos rastilhos mais inflamáveis para fazer disparar a revolta social, aumentar a descrença na política e, no fim, alimentar a demagogia e o populismo.
Estamos no ponto em que há consenso no diagnóstico: é preciso aumentar os salários em Portugal e é imperioso estancar a fuga para o estrangeiro dos mais jovens e qualificados. O problema começa depois, na resposta à pergunta simples, mas que vale ‒ literalmente ‒ milhões: como o fazer?
Há, naturalmente, respostas diferentes, o que faz aumentar a urgência e a relevância do debate. E importa que este seja alargado e transparente, para se perceber verdadeiramente o que cada interveniente ‒ sejam partidos políticos, parceiros sociais e académicos ‒ propõe como modelo de desenvolvimento para o País. Porque, na realidade, em cada conjunto de soluções que for apresentado, o que estará verdadeiramente a ser clarificado é a conceção de sociedade que cada um propõe. O princípio de que as pessoas devem ser remuneradas de acordo com o que precisam, para ter uma vida decente, não é uma discussão económica. É, isso sim, política e, se quisermos, moral. E é nesses campos que a discussão precisa de ser feita e avaliada.
Sabemos que o caminho feito até agora não tem produzido os resultados necessários ‒ mesmo que o ordenado mínimo tenha tido aumentos recordes nos últimos anos e que o salário médio vá conhecendo alguma evolução, embora tímida. A verdade é que, no final das contas, as promessas feitas pelo Governo, de ano para ano, não têm atingido os objetivos a que se propunham.
Basta lembrar, a propósito, como há meia dúzia de anos, na sua mensagem de Natal, António Costa prometeu que o “emprego digno” e o “salário justo” iriam estar, ao longo de 2018, no centro das preocupações do Governo, com uma missão central: permitir as “condições essenciais para os jovens perspetivarem o seu futuro aqui connosco, em Portugal”. Depois, em 2021, o primeiro-ministro anunciou que a “prioridade” do Orçamento do Estado estaria “focada nos jovens”; em 2022 preconizou “o reforço do peso dos salários no PIB para a média europeia” e, há poucas semanas, tentou marcar a rentrée política com a divulgação de uma série de medidas com que pretende apoiar a “geração mais qualificada de sempre”.
Apesar de todas essas pequenas medidas, a realidade persiste em não mudar: os salários continuam baixos e os jovens qualificados continuam a sair do País. Chegou a altura de tentar algo diferente. Se quer aumentar o poder de compra dos portugueses, o Governo que faça a sua parte e reduza os impostos sobre os rendimentos do trabalho. Depois, os empresários que façam o resto – se puderem. E todos veremos aquilo que, em conjunto, serão capazes. De uma coisa teremos a certeza: sem a desculpa da carga fiscal, ficaremos a saber o que cada um pensa e preconiza sobre o futuro e o desenvolvimento do País. É esse o debate que interessa.
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