Comecemos pelos factos: no próximo domingo, 24, os alemães vão dirigir-se às mesas de voto para decidir a continuidade ou não de Angela Merkel como chanceler – precisamente no mesmo dia em que, na Bundesliga, o Hannover 96 recebe o Colónia, e o Hamburgo joga no estádio do Bayer Leverkusen. Uma coincidência de acontecimentos que os eleitores franceses não devem achar estranha: quando elegeram Emmanuel Macron, em muitas assembleias de voto seguiam-se os relatos dos três jogos da Ligue 1 de futebol marcados para esse 7 de maio. Também há não muitos meses, a 4 de dezembro, os italianos votaram num referendo – que acabou por ditar a queda do governo de Matteo Renzi – em plena jornada do Calcio, incluindo um dérbi da capital, entre a Lazio e a AS Roma.
As eleições e o futebol coexistem assim, pacificamente, em muitos países de referência da Europa. Em Portugal, essa convivência, ainda recente, tornou-se um problema para a Comissão Nacional de Eleições, de tal dimensão, pelos vistos, que levou o Governo a anunciar legislação para proibir a realização de “espetáculos desportivos” em dia de eleições, como solução para combater a abstenção. Embora a medida possa ter pressupostos louváveis, é difícil acreditar que, só por si, faça com que mais portugueses se dirijam às urnas, quando passar a ser aplicada.
Nos regimes democráticos, as eleições deviam ser encaradas como os momentos mais importantes da vida coletiva do País. Poder exercer esse direito é, por si só, um privilégio –como bem sabemos ao olharmos para a nossa História não muito distante. Mas é também uma responsabilidade. Votar é, para todos os efeitos, um ato que nos compromete com a escolha que fazemos, que nos responsabiliza perante o rumo que desejamos para o nosso município ou para o País. E é também o único ato que nos dá a autoridade necessária para, no caso de nos sentirmos ludibriados ou descontentes com quem elegemos, podermos depois, com inteira propriedade, manifestar a nossa revolta.
Esclarecido isto, convém também acrescentar que votar é um ato absolutamente simples. Tão simples que devia ser encarado como natural. A sua transcendência não advém da solenidade do ato, mas sim da dimensão coletiva que ele ganha, quando o nosso voto, único e intransmissível, se junta ao de todos os outros membros da nossa comunidade.
O que se espera do Estado num regime democrático é que promova a participação dos cidadãos nas decisões mais importantes. A abstenção é um problema grave porque contribui para o enfraquecimento da democracia e da sociedade. Existem muitos estudos que enunciam as razões porque as pessoas desistem de votar – a coincidência da data das eleições com espetáculos desportivos é absolutamente negligenciável.
Regressemos aos factos: na Nova Zelândia, mal começaram a surgir sinais preocupantes de abstenção (31% em 2011), gerou-se um consenso partidário e não se perdeu tempo a tomar medidas. Em três anos, a abstenção desceu para 22% e, nas eleições marcadas para o próximo sábado, 23, espera-se que ainda diminua mais. A estratégia assenta em tornar a vida o mais fácil possível aos eleitores: recebem os boletins de voto pelo correio, podem votar com antecedência em mesas instaladas nas zonas onde as pessoas moram, trabalham e estudam, como universidades e centros comerciais. Para as zonas rurais mais remotas são enviadas mesas de votos móveis, bem como para hospitais e centros de idosos.
Em Portugal, por contraste, continuamos com leis eleitorais quase imutáveis há quatro décadas e uma comunicação institucional ainda assente no edital afixado à porta da câmara municipal ou do tribunal.
A abstenção não se resolve só porque se proíbem jogos de futebol no mesmo dia. Devíamos era ter, aliás, assembleias de voto nos estádios e em todos os locais onde as pessoas se concentram. Fazer do voto um momento de decisão, mas também de festa da democracia. E celebrá-lo como se fosse um golo.
(Editorial da VISÃO 1281, de 21 de setembro de 2017)