É nos momentos difíceis que se revelam os grandes líderes e emergem as personalidades que ganham o direito a ocupar um lugar na História. O que os distingue? A capacidade de olharem para o futuro, com serenidade, sem se deixarem enredar nos sinais enganadores do presente. Mas também o bom senso necessário para não serem consumidos pela ambição, a vingança ou pela ânsia cega de ganhar depressa de mais esse tal lugar na memória coletiva. Nos dias que correm, o mundo está a precisar, desesperadamente, de grandes líderes, de alguém que consiga, pelos melhores motivos, marcar encontro com a História.
Há uma situação de emergência: a ascensão da Coreia do Norte ao estatuto de potência nuclear e com capacidade para disparar mísseis de alcance intercontinental representa a maior ameaça à paz mundial, desde há muitas décadas. A probabilidade de eclodir um conflito, com consequências devastadoras, à escala global, cresce de dia para dia. E a forma como a crise tem sido gerida, por todos os atores envolvidos, mais não tem feito do que espalhar ondas de medo e apreensão no planeta. Até porque há algo evidente aos olhos de todos: ninguém conseguiu até ao momento apresentar uma solução eficaz e duradoura para resolver o assunto ou, sequer, de lidar com um regime fora da lei internacional, que utiliza a chantagem nuclear como única arma.
A opção guerreira, qualquer que ela seja, acarreta custos elevadíssimos. Por mais que Donald Trump acene com a possibilidade de um ataque e prometa “fogo e fúria” como nunca se viu, na realidade tem sido obrigado a engolir as suas palavras, sempre que a Coreia do Norte ultrapassou as várias linhas vermelhas que lhe foi traçando com as suas declarações. Os Estados Unidos estão encurralados e impedidos de recorrer ao tipo de soluções que sempre utilizaram desde o final da II Grande Guerra: liquidar o líder opositor, promover internamente a queda do regime ou invadir com todas suas forças. “Até que alguém resolva a parte da equação que mostra que milhões de pessoas em Seoul irão morrer nos primeiros 30 minutos da guerra, vítimas de armas convencionais, não existe solução militar”, disse o sinistro Steve Bannon, num rasgo de clarividência que revela muita da confusão reinante na Casa Branca.
Mas o primeiro a perceber que não existe uma solução militar para este conflito foi, precisamente, Kim Jong-un, o líder norte-coreano que transmite sempre a ideia de que nunca hesitará no momento em que se sentir obrigado a “carregar no botão”. A realidade é que graças a uma conjunção de fatores e de calendários, ele encontrou o momento exato para poder esticar a corda até ao máximo. Nos Estados Unidos, a retórica antiglobalização de Trump fez abdicar a maior potência mundial do seu papel de polícia do mundo. Na China as atenções estão concentradas na política interna, em vésperas do Congresso do PC Chinês em que Xi Jinping irá escolher o seu sucessor e montar o aparelho que governará o país na próxima década e meia. E na Europa… bem, na Europa continua-se sem uma voz comum realmente escutada a nível internacional, e os líderes dos principais países encontram-se preocupados também, isso sim, com as suas frentes internas: Theresa May a tentar não naufragar com o Brexit do Reino Unido, Emmanuel Macron a sofrer os primeiros sinais de desgaste da sua nova e esperançosa presidência francesa, e Angela Merkel preocupada, acima de tudo, em tentar garantir, nas eleições do final do mês, uma maioria sólida para o seu quarto mandato como chanceler alemã.
Neste panorama e perante a ameaça à paz mundial, ainda mais importante e ativo tem de ser o papel das Nações Unidas, como garante da ordem no planeta. E o secretário-geral António Guterres, com a sua proverbial capacidade de diálogo, tem na crise norte-coreana uma oportunidade única para marcar a diferença. Serenidade e bom senso não lhe faltam. O que se lhe pede – o que o mundo pede – é que saiba ir ao encontro da História.
(Editorial publicado na VISÃO 1279, de 7 de setembro de 2017)