Na semana passada, como de costume, a revista Wired em papel aterrou na minha caixa do correio. (Pausa para notas laterais: 1. Sou o que se chama uma early adopter e consumo terabites de informação em formato digital, mas a que gosto realmente não dispenso de assinar, folhear e apreciar devidamente 2. Sendo a melhor e mais à frente revista de tecnologia do mundo, num tempo de wi- -fi generalizado, a Wired conserva quase teimosamente um nome antiquado, “ligado com fios”, e eu gosto muito disso). Tiro-a do saco e o tema de capa agarrou-me: “o grande pânico tecnológico de 2017”. Com um pós-título interessante: “Como aprendemos a parar de nos preocupar e a amar o futuro”. Ora aqui está um assunto que me interessa.
A revista começa com um desabafo torrencial, quase uma catarse. É normal sentirmo-nos com medo. É normal estarmos ansiosos em relação ao futuro e ao que vem aí quando olhamos para os efeitos disruptivos da tecnologia numa série de aspetos das nossas vidas. É normal temermos o pior quando ouvimos, por exemplo, o guru Elon Musk alertar para o risco existencial que a inteligência artificial coloca à Humanidade, ou quando se leem os estudos que projetam que a automatização vai roubar milhões de empregos e destruir indústrias inteiras. “Sinta-se à vontade para tirar um segundo e respirar connosco para dentro de um saco de papel”, remata a direção no texto introdutório, com o clássico humor corrosivo a que habituou os leitores. “É normal preocuparmo-nos. Mas não ajuda nada. O medo, concordam os especialistas, é o bloqueador de raciocínio. Se temos de tomar decisões inteligentes que nos sirvam bem no futuro, temos de olhar com clareza para o que nos está a aterrorizar agora ”. Verdade.
Estamos, é um facto inquestionável, num momento disruptivo da história da tecnologia e numa etapa de viragem da Humanidade. O digital veio mudar muita coisa. A forma de nos relacionarmos com os outros mudou para sempre. No futuro, com elevada probabilidade, vamos todos ter “pescoços de cisne” por tanto olharmos para os nossos telemóveis. Os problemas de sono e as depressões vão aumentar por causa das redes sociais. Poderemos ter de lidar com um ataque hacker de mega escala que nos pode complicar e muito a vida.
Mas, calma!, o apocalipse não está à porta. Não estamos a falar de uma distopia. Os trolls não vão tomar conta do mundo. O planeta não se vai autodestruir. Os robots não vão roubar todos os nossos empregos. A inteligência artificial não vai acabar com a Humanidade. As nossas vidas não serão vividas em holograma numa espécie de realidade paralela. Há valores e princípios que vão prevalecer, porque são estruturais. O céu continuará a ser azul, o sol continuará a nascer de manhã e a pôr-se ao fim do dia. A álgebra continuará a ter regras universais. As pessoas continuarão a querer saúde, amor, liberdade, segurança, confiança. É preciso ter serenidade e, sobretudo, visão.
Nota publicada na edição 1278 da VISÃO, de 31 de Agosto.