Um dos traços mais distintivos da vida nas sociedades modernas é a onipresença das organizações. Desde que nascemos até que morremos, a nossa vida é moldada e condicionada pelas organizações: dos hospitais às creches, às escolas, às empresas, às associações, às entidades estatais, aos diferentes sectores de actividade, com ou sem fins lucrativos, vivemos, sempre, na esfera da realidade organizacional. Enquanto estudantes, enquanto profissionais, enquanto clientes ou utentes, a forma como estão estruturadas as organizações e os valores que nelas vigoram, impactam profundamente as nossas vidas.
Por isso, quando se fala de valores fundamentais como o humanismo ou a felicidade, se não cuidarmos da forma como esses valores estão, ou não, postos em prática nas organizações, corremos o sério risco de se tornarem palavras ocas. Não há humanismo nem felicidade na sociedade se não houver humanismo ou felicidade nas organizações.
Não basta um país ser subscritor de Carta Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, e até transpor certos princípios humanistas para as suas leis se, depois, as práticas organizacionais forem contrárias a esses valores. O mesmo vale para a felicidade. É inútil um país apregoar que busca a felicidade dos seus cidadãos se, depois, as organizações forem locais de sofrimento.
Significa isto que a densificação e a concretização do humanismo e da felicidade tem que passar pela transformação das organizações para que reconheçam esses valores como parte integrante das suas funções. O que não é óbvio nem automático. As organizações do sector lucrativo estão sempre orientadas para a perseguição do lucro. As do sector não lucrativo, para outros fins, nomeadamente de serviço aos clientes/utentes. Em ambos os casos, nem o humanismo nem a felicidade surgem como prioridades. Muitos argumentarão que não são prioridades directas mas que são consequências indirectas do bom funcionamento dessas organizações. Só que não é assim tão simples. Há empresas muito lucrativas que não praticam nem o humanismo nem a felicidade (com os seus colaboradores e com os seus clientes) e organizações do sector não lucrativo que, mesmo quando prestam bons serviços, podem alijar o humanismo e felicidade de muitos dos seus stakeholders, nomeadamente dos seus colaboradores. Outro exemplo: uma escola que pressione as crianças para os resultados nos exames, à custa da sua saúde mental por falta de descanso, lazer e excesso de stress, numa lógica produtivista desrespeitadora do humanismo e da felicidade (como sucede em muitos países asiáticos) mina as possibilidades do humanismo e da felicidade na sociedade.
Na União Europeia, a implantação da obrigatoriedade da prestação de contas ESG por parte de muitas organizações, vai na direção correcta. Reconhece que, às organizações, não deve ser apenas exigida saúde financeira, mas também saúde ambiental, social e de governação.Em organizações vitais como hospitais e escolas, não devemos exigir apenas que se curem os pacientes ou que se ensinem os conteúdos programáticos aos estudantes, devemos exigir que se cuide humanamente dos pacientes, promovendo a sua felicidade, e que floresçam humanamente e em felicidade os estudantes. Em todos os locais de trabalho, ao mesmo tempo que se exige o cumprimento zeloso das obrigações organizacionais, deve-se nunca desrespeitar o humanismo e sempre promover a felicidade laboral.
OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR
+ A semana de 4 dias e a felicidade
+ Felicidade: quando a posição importa
+ A felicidade nos programas eleitorais
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.