(agradeço ao Gonçalo Mendonça e ao Francisco Plácido pela compilação das palavras, termos e expressões que constam desta crónica)
A coisa que mais graça tem na vida são palavras. As palavras têm alma própria e só se lhes acede falando uma língua desde sempre, a toda a hora, indo a lojas, ouvindo os professores linguajar sempre que não estão a tentar ensinar uma língua, ouvindo os locutores das notícias, ouvindo as pessoas da mesma idade a matar a língua anterior e a inventar uma nova, tendo ido com a avó à costureira, lendo os livros de Meio Físico e Social carregados de palavras que ninguém diz e que só lá é que aparecem. Entender a alma própria que as palavras têm. Fascinam-me, por exemplo, palavras exclusivas de uma profissão em concreto. As senhoras das farmácias abusam do verbo fazer, empregam-no onde mais ninguém se lembraria. O menino fez temperatura? Se a temperatura não baixar tem que fazer paracetamol intercalado com ibuprofeno de quatro em quatro. Os homens das lojas de coisas tecnológicas chamam aos telemóveis “equipamento”. Os senhores dos cafés chamam “infra” à tostadeira. Os entendidos em computadores chamam “máquina” aos computadores. Mas o lote de palavras que me tem fascinado muito ultimamente é o lote das palavras que existem em abundância mas que ninguém diz, nunca ninguém disse, nunca ninguém ouviu de ninguém numa conversa normal, mas que existem, estão presentes com todo o vigor. Aparecem em livros infantis, em manuais de escola, nas notícias, nos jornais, em frascos e embalagens, em folhetos de instruções. Não falo de palavras raras, ou antigas, ou que caíram em desuso, como “temporão” (o contrário de “tardio”), ou “amplexo”, ou “olvidar”, nem daquelas palavras que só os pais ou os avós é que dizem, como “periódico” ou “gasoil”.