“Nunca vi nada assim” – garante quem já viu tudo, no cume da vida e da sabedoria. Além da celebração de uma efeméride, o 25 de Abril de 2024 foi um dia histórico. A tomada das ruas por um oceano imensurável de rostos, diversos como nunca, transformou a comemoração de uma data histórica num momento com valor histórico instantâneo.
O 25 de Abril vive como nenhuma outra data em Portugal. Para quem, como eu, o sente desde o berço como dia mais feliz do ano, é uma enorme alegria e até um alívio constatá-lo. Animou-me a sondagem (SIC/Expresso) segundo a qual o “dia D” nunca foi tão importante para tanta gente. Animou-me a amplitude das celebrações, em todo o território. Animaram-me as perguntas frescas e curiosas das crianças nas reportagens. Mas nada me preparou para sair à rua e sentir o futuro, quase palpável, na Avenida da Liberdade. Para mim, esta maré extraordinária foi a expressão máxima da esperança na nossa comunidade, da igualdade em cada rosto (Obrigado, Zeca!) e de um futuro para seguirmos juntos.
É público o meu desgosto com a proliferação mundial das forças políticas que conquistam as pessoas pelo medo, pela raiva, pelo ódio. Não estou sozinho: sinto que a maioria das pessoas sente apreensão face ao atual cenário político, com o crescimento eleitoral recente de quem promete o caos, o castigo e a violência.
Acredito, neste contexto, que a maior mobilização de sempre neste 25 de Abril (assim me diz quem os viveu todos) é a reação frontal e esmagadora de quem não deixará essa destruição passar. Somos muitos. Trabalhámos demasiado, como comunidade, para chegar aqui. Com falhas, certamente, mas temos orgulho no caminho percorrido. E vamos seguir em frente. Ali o senti, à sombra dos plátanos que já não sabiam a idade: ninguém vai travar o sprint dos meus avós pelo país que temos hoje. O 25 de Abril está em marcha.
É um legado. Devemos a continuação do 25 de Abril a quem resistiu a uma ditadura sanguinária e obscurantista, a quem a enfrentou e a quem a derrotou. Devemo-lo aos avós e pais cujo trabalho nos permitiu recuperar séculos de atraso em apenas 50 anos. Devemo-lo à Celeste dos cravos, figura maior da nossa História, com quem tive o privilégio de trocar umas lágrimas neste dia. Mas acredito, embalado nesta catarse inexplicável, que este é o ano em que começamos a devê-lo também a nós próprios. Os próximos 50 anos serão escritos por nós, com a liberdade, a combatividade e a alegria que sentimos na quinta-feira.
Devemo-nos, a nós e à comunidade, a defesa dos direitos fundamentais que o 25 de Abril trouxe e a luta por mais igualdade e por mais justiça para todos. Devemo-nos mais 50 anos de coragem e de progresso coletivo. A poesia está na rua (Obrigado, Sophia!) e a esperança também. 25 de Abril sempre. Fascismo nunca mais!
Este texto não foi visado por qualquer comissão de censura.
MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.