Uma semana, dois acontecimentos que ficarão para sempre gravados na História da Humanidade: a primeira nave americana a aterrar na Lua desde a missão Apollo 17 e o debate entre PS e AD. À saída de uma maratona de debates onde não coube a política internacional, o ambiente, a cultura, a ciência, a defesa, a tecnologia – o futuro, boa parte dele – é refrescante viajarmos até ao espaço sideral.
A sonda Odysseus aterrou na Lua na passada quinta-feira, batiam as onze e tal da noite no Palácio de São Bento. Porque era a véspera do debate com todos os partidos, arrisco que pelo menos um candidato à liderança do Governo olhava a Lua naquele preciso momento, revendo a linha argumentativa para o grand finale. Uma imagem para a qual é impossível não transportar os versos “Menina, estás à janela / com o teu cabelo à lua / não me vou daqui embora / sem levar uma na manga para o debate sobre o SNS”. Pois, a perto de 400 mil quilómetros das nossas varandas, um feito extraordinário insistia em acontecer.
Odysseus é a primeira nave privada norte-americana a alcançar o satélite natural da Terra. Aterrou com problemas, mas consegue comunicar. A substituição dos Estados por empresas privadas na corrida ao espaço tem contribuído para abrir um novo capítulo numa discussão, já de si complexa, sobre a dimensão ética e civilizacional da exploração espacial. Quem é dono da Lua? Quem tem direito, e até que ponto, de explorar o espaço? Estas e outras questões estão no centro de um debate internacional, numa intersecção entre a Ciência, a Filosofia, a História, a Geopolítica, ao qual o espaço informativo nacional tem passado alheio. A nossa periferia começa no espírito e os debates voltam a comprová-lo: é não-assunto tudo aquilo que ultrapassa o dia-a-dia da caixa registadora.
É obviamente natural que os salários, os impostos e a gestão dos serviços públicos sejam a espinha dorsal dos programas políticos. Num formato compactado de debate televisivo, seria estranho dar um quarto de hora a cada candidato para clarificar, perante os eleitores, a sua visão sobre Kant e a Crítica da Razão Pura. Falo de um espaço informativo totalmente alheio à esfera da contemporaneidade e da projeção no futuro: a dimensão da qual está privado quem não assina jornais e revistas, quem não vê documentários, ou seja, a maioria. Como se, para quem é, bacalhau bastasse.
O meu apelo, findos os debates, é tentarmos ver mais além. Façam-se as contas aos 6 mil milhões, aos 9 mil milhões e aos 25 mil milhões que alguns partidos prometem vir a tirar da cartola. Essa é uma prova do algodão, mas vejamos além disso. Nenhum governo trará justiça e prosperidade ao País sem criar espaço para refletirmos e agirmos sobre o nosso tempo. Sobre a cultura, sobre a ciência, sobre o ambiente, sobre o futuro. Nada disto é matéria de extraterrestres.
MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR
+ 1% (do debate) para a cultura
+ Spotify: toda a música do mundo por 0,002€
+ Hot Clube: a Alegria de porta fechada
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.