Nos dias 19 e 20 do presente mês de outubro, decorreu em Estrasburgo, a reunião do Conselho Consultivo dos Procuradores Europeus, organismo criado pelo Conselho da UE, do qual resultou a “CCPE Opinion N.º 1988 (2023)”, dedicada ao autogoverno do Ministério Público e à formulação de um guia para o futuro baseado nas melhores práticas europeias.
A preocupação do CCPE tem sido a autonomia e independência do Ministério Público enquanto corolário indispensável da própria independência do poder judicial, pelo que a mesma deve ser reforçada. Os procuradores devem ser autónomos na sua tomada de decisões e devem desempenhar as suas funções livres de quaisquer pressões ou interferências externas, de acordo com os princípios da separação de poderes e da responsabilidade.
Com esse escopo o CCPE passou a recomendar diretamente um estatuto para os procuradores que garanta a sua independência e autonomia externa e interna, de preferência através de disposições legais ao mais alto nível e garantindo a sua aplicação por um órgão independente como um Conselho de Procuradores, em particular para nomeações/eleições, carreiras e disciplina, que devem ser reguladas por processos e procedimentos claros e bem definidos.
Nessa senda enuncia, entre outras, as seguintes diretrizes:
– Nos Conselhos de composição mista, como é o caso português, seria preferível que os procuradores constituíssem a maioria e fossem eleitos pelos seus pares, de acordo com regras previamente adotadas e com um procedimento transparente e por um método que garanta a mais ampla representação em todos os níveis, com equilíbrio de género e com uma representação a nível regional e nacional.
– Seria benéfico que os membros desempenhassem a sua função a tempo inteiro, para cumprir a sua missão de forma mais eficaz, bem como para reforçar a sua independência e imagem pública.
– Os membros dos Conselhos, quer não sejam procuradores, deverão ser selecionados com base em critérios predeterminados, justos e claros, através de um procedimento transparente e, em particular, apresentar elevados padrões éticos e não deverão estar envolvidos na política durante um período de tempo razoável antes e depois do seu mandato no Conselho.
– Os membros de um Conselho do Ministério Público devem ser selecionados de uma forma que apoie a independência e o funcionamento eficaz do Conselho, eliminando ou evitando qualquer influência política ou conflito de interesses.
– A designação de membros do Ministério Público pelos parlamentos ou a sua seleção pelo executivo deve ser preferencialmente evitada. A eleição de membros designados pelos parlamentos pode ser aceitável. No entanto, o processo de seleção deve ser transparente e preferencialmente tomado por uma maioria qualificada.
– As decisões com impacto na carreira dos procuradores devem ser fundamentadas e as que tenham força vinculativa devem ser suscetíveis de recurso.
Os Conselhos de Procuradores devem existir para garantir a imparcialidade e eficácia do Ministério Público e para proteger a independência dos procuradores nas decisões tomadas nos processos.
O CCPE tem assumido, desde a sua constituição, enquanto órgão consultivo do Conselho, um papel fundamental na defesa de padrões comuns aos Estados-Membros que garantam, independentemente do sistema adotado por cada um, que o Ministério Público seja autónomo e que os seus procuradores sejam responsáveis e independentes, enquanto corolário essencial à própria independência dos sistemas judiciais, tal como igualmente vem sendo sustentado em decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia.
O Conselho Superior do Ministério Público português, cumprindo embora, na sua maioria, as diretrizes indicadas, entende que ao nível dos vogais designados pela Assembleia da República e pelo Ministério da Justiça, nem sempre existe o devido cuidado de a escolha recair sobre pessoas qualificadas para o exercício destas funções, imunes a interferências políticas e desligadas dos aparelhos partidários e, sem cuidar de aferir de conflitos de interesses relacionados com processos criminais pendentes; nem tal designação obedece a um processo público e transparente.
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