Nos termos da nossa legislação processual penal, compete ao Ministério Público colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objetividade e, em especial, receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes; dirigir o inquérito; deduzir acusação e sustentá-la efetivamente na instrução e no julgamento; interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa.
Aos órgãos de polícia criminal (Polícia Judiciária, PSP, GNR, Autoridade Tributária, SEF, ASAE, etc.) compete coadjuvar as autoridades judiciárias, entre elas o Ministério Público, com vista à realização das finalidades do processo e atuam, no mesmo, sob a direção das autoridades judiciárias e na sua dependência funcional.
Assim, enquanto exercem funções como coadjuvantes das autoridades judiciárias ao longo do processo, os agentes dos órgãos de polícia criminal participam da administração da justiça e têm, por esse facto, uma responsabilidade superior à de qualquer comum testemunha que não assuma essa qualidade e um dever especial de objetividade e colaboração na descoberta da verdade material.
Quando indicados como testemunhas, em função das funções de coadjuvação das autoridades judiciárias exercidas no processo, os agentes dos órgãos de polícia criminal não possuem um conhecimento direto dos factos que constituem objeto da prova, mas um conhecimento funcional decorrente das diligências de investigação realizadas no âmbito de uma delegação de competências do Ministério Público, enquanto titular da ação penal, ou por iniciativa própria quando atuem, ainda antes dessa delegação, no âmbito das medidas cautelares de polícia para assegurar a preservação de meios de prova.
Temos, assim, que distinguir duas realidades, que embora mereçam do legislador a mesma denominação quando chamados a julgamento, assumem caraterísticas e um papel totalmente diferentes.
As testemunhas em sentido estrito, são aquelas que presenciaram os factos que constituam objeto da prova e que, por conseguinte, são chamadas a julgamento para narrar a perceção que têm dos factos ocorridos, ou seja, o que viram, ouviram, observaram e sentiram.
Já a indicação dos agentes de um órgão de polícia criminal como testemunhas, quer tal indicação seja da acusação, quer seja da defesa, prende-se, em regra, com o seu papel enquanto coadjuvantes do Ministério Público na fase investigatória, isto é, para prestarem esclarecimentos quanto à recolha dos meios de prova ou à forma como a eles chegaram, e não por terem um conhecimento direto dos factos que constituem o objeto da prova – o seu conhecimento é meramente funcional.
Por outro lado, enquanto participantes da administração da justiça, os órgãos de polícia criminal comungam dos mesmos deveres, de objetividade e de colaboração na descoberta da verdade material, a que igualmente está sujeito o Ministério Público e uma equidistância em relação às partes, cujo conhecimento apenas decorre do exercício das suas funções.
A preparação da instrução e do julgamento, no sentido da sustentação efetiva da acusação nas referidas fases processuais, pode exigir que o magistrado do Ministério Público encarregue das mesmas tenha de socorrer-se do órgão de polícia criminal que coadjuvou o Ministério Público na fase de inquérito para o auxiliar no estudo e compreensão daquilo que consta dos autos, sendo certo que Ministério Público e OPC comungam dos mesmos deveres de objetividade e colaboração na descoberta da verdade.
Estando atribuída por força da lei ao Ministério Público a direção do inquérito assistido pelos órgãos de polícia criminal e atuando estes sob a direta orientação daquele e na sua dependência funcional, seria manifestamente incoerente que nas demais fases processuais não pudesse o Ministério Público socorrer-se do órgão de polícia criminal que o assistiu no inquérito para preparar as mesmas.
Tal não constitui qualquer instrumentalização de testemunhas porque, como se referiu acima, os agentes dos órgãos de polícia criminal não possuem um conhecimento direto dos factos objeto da prova, mas apenas um conhecimento funcional decorrente das diligências investigatórias que efetuaram.
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