À exceção de 4 ou 5 militantes sociais-democratas, de um ou outro comentador mais atento e de alguns indígenas que não aproveitaram apropriadamente a vaga de calor que tantos dorsos generosamente fustigou este Verão, praticamente ninguém deu conta de que Rui Rio não fala publicamente há quase um mês. Quatro longas semanas, 43.200 intermináveis minutos sem uma palavra.
O facto de tão poucos terem percebido que Rio está há tanto tempo sem dar sinal de vida pode dizer alguma coisa sobre duas realidades: a irrelevância que atualmente exibe e a estratégia que terá artilhado para chegar à chefia do Governo já em 2019.
Sobre a primeira. Não há volta a dar: Rui Rio ainda é encarado pela generalidade dos portugueses como um líder à escala regional. É certo que já leva 8 meses como presidente do PSD, mas não há aspirações nacionais que sobrevivam à intermitência das suas aparições e à fragilidade das suas intervenções. O facto de não ser deputado tem contribuído negativamente para o seu score mediático, mas a verdade é que nas escassas ocasiões em que decidiu falar também não entusiasmou especialmente a plateia. E isso leva-me à segunda premissa – a da estratégia.
Não precisamos de recuar à pré-história para constatar que em Portugal o poder político não é conquistado pelo chefe da oposição – é perdido pelo líder do Governo em funções. Alguns exemplos: em 1995, não foi António Guterres que venceu as eleições legislativas – foi o cavaquismo que, com a sua arrogância acumulada ao longo de uma década, as perdeu. E quando, na sequência do “pântano”, Guterres se demitiu, “deu” o cargo no PS a Ferro Rodrigues (que se viu como secretário-geral sem que até então tivesse mexido uma palha para que isso acontecesse) e “ofereceu” o Governo a Durão Barroso, que à época era visto como um líder da oposição ainda mais lamentável do que Rui Rio é hoje. Barroso que, por sua vez, seduzido pelo brilho de Bruxelas, estendeu a bandeja do partido e do Governo a Santana Lopes – e este tudo fez para, em poucos meses, criar as condições para que Jorge Sampaio o demitisse, abrindo assim terreno a José Sócrates, que por sua vez recebera a liderança do Partido Socialista de mão beijada, na sequência da demissão de Ferro Rodrigues. Depois disso, é o que se sabe: Sócrates decidiu ser Sócrates e um dia Portugal acordou com o FMI a bater-lhe à porta com um saco carregado de euros numa mão e um pesado caderno de encargos na outra, o que o obrigou a apresentar a demissão e a, uma vez mais, criar as condições para que Pedro Passos Coelho, que até então pouco fizera na oposição para lhe roubar o lugar, entrasse em São Bento. A Passos Coelho seguiu-se António Costa – e sobre Costa nem vale a pena falar, uma vez que conseguiu o feito de chegar a São Bento apesar de ter perdido eleições.
Tudo isto são factos, não são opiniões. E é neles que o ex-autarca portuense, um político cerebral, se inspira quando planeia a corrida eleitoral de 2019. Amante de velocidade sobre rodas (chegou a competir e tem uma apreciável coleção de carros antigos em miniatura), Rio sabe que na política o terreno é mais escorregadio do que uma pista de asfalto em dia de temporal. Prefere, por isso, evitar manobras agressivas, deixando a pista livre para que Costa possa derrapar furiosamente na sequência de uma de três razões: o arrefecimento económico mais do que certo em 2019, um qualquer escândalo público equivalente ao das viagens da GALP ou uma catástrofe natural que faça regressar o fantasma de Pedrógão Grande. Ou então uma combinação das três.
Se a História se repetir, há que admitir que o silêncio prudente do líder do PSD tem algum potencial. Mas também carrega um perigo: desacelerar não pode equivaler a ficar parado, deixando tudo nas mãos de Deus, perdão, de Costa. Porque o Primeiro-Ministro já demonstrou ser um piloto de eleição, capaz de competir em qualquer pista – e porque Assunção Cristas e Santana Lopes estão mesmo ali ao lado. À espreita.