1. A reportagem é do Washington Post, está online no site do jornal e vale a pena ser lida. É sobre Angola, a terra de Hélder Bataglia e de Luaty Beirão, do dinheiro sem regras e das vítmas da justiça sem regras. O título diz logo tudo: “O surto petrolífero tornou-a a mais cara cidade do mundo. Agora está em crise”.
Sobre o boom petrolífero já lemos e sabemos, a Baía de Luanda pontuada de arranha-céus, os restaurantes da Ilha recheados de endinheirados, o Mussulo cheio de casas milionárias. Sobre a crise, vamos agora sabendo aos poucos, porque o regime de Eduardo dos Santos não dá vistos aos jornalistas e a comunicação social de Luanda (salvo raríssimas exceções) é um deserto e por isso não dá sombra nem frutos.
Como o investimento público caiu 53% por causa da queda nas receitas do petróleo, durante os primeiros três meses de 2016 o governo não comprou uma única dose de medicamentos contra a malária. Há 1,3 milhões de casos de doença e, afiança a Organização Mundial de Saúde, 3000 pessoas morreram. Para evitar que o mesmo destino tenha o seu marido, Christina da Silva espera do lado de fora do Hospital dos Cajueiros com luvas, agulhas e medicamentos: é a única forma de o homem ter tratamento, já que no hospital acabaram. Os medicamentos custam 10 dólares, a maioria dos angolanos ganha dois dólares por dia. “Pede-se à família. Pede-se aos amigos. Arranja-se o dinheiro como se pode”, diz ela. “Se não se arranja, ele morre”.
Por causa da crise não se realizam testes ao HIV nem se vacinam as crianças contra a tuberculose. Por falta de dinheiro não se recolhe o lixo das ruas da cidade onde vivem 2,8 milhões de pessoas e, por isso, veio a febre-amarela, com ela mais mortes e o alastrar da epidemia aos países vizinhos.
É a mesma cidade onde um apartamento chique custa 20 mil dólares por mês. Em dezembro, a Unitel, uma das principais operadoras de telecomunicações do país, pagou a um rapper norte-americano 2 milhões de dólares para dar um concerto em Luanda. Na altura a empresa era chefiada por Isabel dos Santos, que agora, por decisão do pai presidente, gere os destinos da Sonangol.
O angolano, esse povo gingão, dado a festas no quintal, merece todo o nosso respeito. Ao governo angolano e à sua corte de bolsos sem fundo, nem vê-los.
2. Estava bem de ver. Fomos todos avisados, várias vezes, até por um colunista pouco esperto como eu. A Turquia e o enredo do golpe de estado só veio potenciar o que já todos sabíamos. Não é um parceiro de confiança e nunca a União Europeia lhe devia ter confiado a gestão da crise dos refugiados.
Merkel foi a arquiteta mas não se pode dizer dela que seja a responsável. Com os seus parceiros europeus a fechar na cara dos refugiados a porta de casa, a chanceler não teria muitas outras soluções para acolher os milhões que atravessam em cascas de noz o Mediterrâneo. Acabou por isso a União a externalizar a política de acolhimento de refugiados da Síria (e de outros países), entregando-a em troca de centenas de milhões de euros ao regime de Erdogan. O mesmo que agora diz que não o vai cumprir, a menos que os países europeus aceitem a entrada de turcos sem visto prévio. Enquanto despede milhares de profissionais da justiça, do ensino, prende militares e jornalistas, purga o aparelho de Estado e doma os meios de comunicação social – porque são sempre iguais estes roteiros? –, a Turquia ainda ameaça a União de voltar a abrir as portas aos refugiados, lançando-os no Mediterrâneo. É assim que se faz política na Turquia. É assim que se faz na União Europeia e é assim que por cá se respeita o direito de refúgio e a obrigação de acolhimento. É esta a nossa triste sina.