Confesso que fiquei boquiaberto quando soube da lista que a organização Transparency International colocou a votação. Chama-se Unmask the Corrupt (Desmascarar os Corruptos) e consta de 15 casos colocados a votação pela organização não-governamental que se apresenta como uma coligação global contra a corrupção. As situações foram escolhidas pela sua magnitude, pelo facto de os seus protagonistas há muito escaparem a qualquer tipo de punição e porque, segundo a organização, são os que mais se aproxima do conceito de “grande corrupção”.
A minha estranheza não advém da existência de corrupção no mundo mas do facto de quatro dos 15 casos terem ligações, diretas ou indiretas, a Portugal. Vejamo-los, com base na apresentação feita pela Transparência Internacional:
Teodoro Nguema Obiang – Filho do presidente da Guiné Equatorial, é apresentado como tendo riqueza que em muito ultrapassa as suas legítimas fontes de rendimento. Em 1988 foi nomeado pelo pai ministro da agricultura e das florestas e em 2012 segundo vice-presidente. Ações da justiça norte-americana e francesa resultaram na apreensão de bens nas suas mansões naqueles países, entre eles memorabilia de Michael Jackson. Embora seja um dos países mais ricos de África no que respeita a petróleo e recursos florestais, 75% da população da Guiné Equatorial, segundo o Banco Mundial, vive com menos de dois dólares por dia.
Em Janeiro de 2014, o Banif assinou um memorando de entendimento com as autoridades da Guiné Equatorial, que prometeram investir no banco moribundo. No mesmo ano, o país foi aceite como membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, embora não se fale português no território e apesar do triste currículo em relação à defesa dos direitos humanos. A entrada de 133,5 milhões de euros através da compra de uma participação realizada por uma empresa pública ou um fundo soberano da Guiné Equatorial, liga o regime diretamente à aquisição de um banco onde o Estado português tem a maioria do capital. Ou seja, o Estado português negoceia com um dos mais corruptos regimes de África. Luís Amado, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e defensor da adesão da Guiné Equatorial, é também o presidente do Conselho de Administração do Banif.
Petrobras – A apresentação é sucinta: o maior escândalo de corrupção do Brasil, que custou 2 mil milhões de euros em subornos e lavagem de dinheiro, envolvendo 50 políticos no activo, 18 empresas e provocando a perda de dezenas de milhares de empregos no país. O denunciante deste caso, Hermes Freitas Magnus, numa entrevista ao Público, afirmava preto no branco que o Banco Espírito Santo foi usado em esquemas de lavagem de dinheiro do caso que envolve a Petrobras. Ao Ministério Público português foi pedida colaboração por parte da Justiça brasileira para averiguar as ligações de empresas portuguesas e brasileiras ao processo Lava Jato.
Banco Espírito Santo – O parágrafo de abertura diz tudo. “Este conglomerado, um dos maiores em Portugal, alegadamente fez alianças muito pouco santas, estando a ser investigado por fraude, corrupção e lavagem de dinheiro”. A Transparência Internacional estima em 10 mil milhões de euros as perdas dos investidores e accionistas, e lembra que, antes do colapso, o grupo já havia sido investigado nos EUA, estava sob olho por causa de um banco detido na Líbia e havia alegações de envolvimento com o Caso Mensalão (corrupção de políticos no Brasil).
Isabel dos Santos – A filha mais velha de Eduardo dos Santos, o presidente de Angola, foi considerada pela Forbes a mulher mais rica de África, valendo 3,4 mil milhões de dólares. A organização lembra que tudo começou quando no colo da filha mais velha do Presidente de Angola caiu uma licença de telecomunicações sem que houvesse um concurso público. E até recorda que, numa entrevista ao Finantial Times, Isabel dos Santos negou favorecimento no processo que deu origem à sua fortuna, tendo-o considerado “justo”.
Na apresentação do caso, outros factos são relembrados. A aquisição da empresa de joalharia suíça De Grisogono; a compra através de subsidiárias registadas em paraísos fiscais de parte do capital da EFACEC (que deu origem a um pedido de investigação no Parlamento Europeu); as significativas participações na Zon, nos bancos BPI e BIC e na Galp. “O povo angolano pagou um preço elevado pela apropriação da presidência de recursos e receitas do Estado durante décadas”, conclui a organização, lembrando ainda o grupo de presos políticos de que faz parte Luaty Beirão, neste momento a ser julgado em Luanda.
Portugal representa 0,14% da população mundial e é apenas a 46ª economia do mundo – mas na corrupção dá cartas.