Felizmente, o conceito de deteção precoce já faz parte do nosso léxico comum e, na prática, permite, em muitos casos, reduzir o impacto negativo da doença e melhorar a eficácia do tratamento, resultando em benefícios sociais e económicos, como está evidenciado em diversas publicações científicas.
No caso do cancro, o diagnóstico precoce tem uma importância inquestionável – especialmente considerando o impacto humano e económico desta doença – e está associado a uma maior probabilidade de sobrevivência a longo prazo, à seleção do melhor tratamento para cada caso, ao aumento de qualidade de vida do doente e tem o potencial de reduzir o seu peso económico substancial na sociedade.
Por isso mesmo, é com alguma preocupação que, no estudo “Perceções dos portugueses sobre o cancro e deteção precoce”, da GFK/Metris, apresentado numa conferência que realizámos, se verifica que quase um quarto dos portugueses com mais de 50 anos nunca se submeteu a qualquer tipo de rastreio do cancro, uma faixa etária que já tem indicação para ser incluída nos programas de rastreio já existentes. Este facto é particularmente crítico quando verificamos que as doenças oncológicas têm ultrapassado as doenças cardiovasculares em termos de mortalidade, representando cerca de 25% dos óbitos em Portugal, em 2019 (um total de 28.464 óbitos).
Portugal enfrenta, ainda, dois grandes desafios quando olhamos para os dois tipos de cancro com maior mortalidade associada: o cancro do pulmão (17% das mortes por cancro) seguido do cancro do cólon (9% das mortes por cancro). Relativamente ao cancro do pulmão, em Portugal, apesar de ainda não termos um rastreio organizado, 80% dos inquiridos estariam dispostos a participar em tais programas, nomeadamente, como forma de prevenção/deteção precoce, com uma classificação de importância de 9,4 (numa escala de 0 a 10).
Por sua vez, no que respeita ao cancro do cólon e reto, 94% dos portugueses conhecem este tipo de cancro e reconhecem a importância do rastreio, atribuindo-lhe uma classificação de 9,3 em 10. No entanto, 50% não conseguem identificar os fatores de risco e 39% têm dificuldade em identificar os sintomas associados. Olhando para o futuro, 89% afirmam que estariam mais dispostos a fazer o rastreio se fosse implementado um método de identificação do risco através de análises clínicas ao sangue (por exemplo, com soluções digitais).
Esta é uma realidade que precisa de mudar. É preciso apostar na deteção precoce para salvar vidas e apostar na evolução tecnológica e no desenvolvimento clínico, que permitem uma deteção mais precoce e um tratamento mais eficaz. O apoio ao diagnóstico e tratamento precoces, através da implementação de programas de rastreio do cancro, está alinhado com as prioridades de saúde declaradas por Portugal. Ao trabalhar em conjunto com o ecossistema da saúde, é possível mudar as políticas públicas para uma abordagem mais preventiva e proactiva, de modo a garantir um futuro mais saudável. No nosso caso, temos procurado melhorar os cuidados oncológicos, através da precisão do diagnóstico e da disponibilização de terapêuticas inovadoras, e temo-nos focado em soluções que possam reduzir significativamente o impacto do cancro e redefinir o futuro dos cuidados.
Algumas das novas abordagens e soluções com o potencial de responder mais rapidamente aos desafios inerentes ao rastreio passam por soluções que incluem diagnósticos por imagem e moleculares de última geração, bem como outras de inteligência artificial e de machine learning, com a disponibilização de algoritmos clínicos, ferramentas já reconhecidas pelo grupo de conselheiros científicos da Comissão Europeia como tendo o potencial de ajudar no rastreio e deteção precoce do cancro, uma vez que podem ser aplicadas em várias áreas, incluindo a análise de dados moleculares e genéticos, imagiologia, avaliação e estratificação de riscos e a identificação de novos biomarcadores.
Ao investirmos continuamente na investigação e na prevenção, procuramos reforçar os cuidados de saúde e os programas de rastreio. No entanto, esta jornada requer esforços coletivos dos decisores, profissionais de saúde, doentes e indústria. Chegou o momento de agir para que os objetivos de 2030 possam ser alcançados: proporcionar uma vida melhor e mais longa às pessoas afetadas pelo cancro e às suas famílias.
É preciso agir hoje para um amanhã mais saudável.
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