1. Os resultados eleitorais, no geral coincidentes com os em meu juízo previsíveis, evidenciaram (e derivaram de) uma realidade singular: o político português no ativo com mais capacidade, talento e experiência, António Costa, tendo ganhado umas eleições com maioria absoluta, foi primeiro-ministro de um governo que criou uma larga insatisfação e animosidade. Por razões a ele alheias – v. g. a inflação, sequelas da guerra da Ucrânia e da Covid-19, o lamentável “estado” de grande parte dos média –, mas também por culpas próprias. Com erros políticos que não se pensava pudesse cometer, desde a escolha de alguns membros do executivo e outros colaboradores próximos até uma certa (aparente?) falta de atenção, de esclarecimento/resposta, face a situações e problemas graves.
E, no entanto, o governo do PS teve assinalável sucesso no campo económico e financeiro, e na credibilidade externa de Portugal, deixando uma muito boa situação a quem lhe sucede. Por exemplo, conseguiu excedentes orçamentais e priorizou (de mais, parece-me…) diminuir a dívida externa em vez de satisfazer progressivamente as reivindicações de vários setores profissionais, como os professores. Ora este tipo de opção, sendo importante para o País, tem pesados custos eleitorais – e por isso não sei se Costa pensava inverter essa orientação em ano de eleições. Que 2024 não era, mas foi. Com as consequências que estão à vista.
2. Ao atrás referido, acresceram as “manifestações” de rua de janeiro/fevereiro, como as dos polícias. Em geral com o óbvio propósito, alcançado, de atacar o governo PS, e favorecer a oposição, o PSD e sobretudo o Chega. Como aconteceu: por isso escrevi aqui ser muito difícil o PS ganhar as eleições. Para porventura o conseguir tinha, designadamente, de, com um “êxito” quase impossível, por um lado defender o legado de oito anos de governação e por outro afirmar a necessidade/vontade de renovados rumos. Ora, pareceu-me faltar uma estratégia clara para ultrapassar esta dificuldade, e a campanha não foi brilhante. Não por acaso tendo o seu ponto mais alto com a excelente intervenção de António Costa no Porto – Costa que devia ter aparecido mais e mais cedo…
Quanto à AD, o mais relevante foi Luís Montenegro haver garantido, com veemência, que não faria qualquer acordo com o Chega. E, além de se valer da experiência de anos de líder parlamentar, assumir uma postura moderada, inclusive face a declarações de alguns dos ex-19 líderes do partido que desfilaram na campanha. A não ser assim, o PS ainda ganharia as eleições. Enquanto a votação no Chega não sofreria alteração, dado que a grande maioria dos seus votos pouco ou nada têm a ver com ideologia e racionalidade, são de outra ordem.
3. Face a esta realidade e a outros fatores que aqui não “cabe” analisar, os resultados não me surpreenderam. Só o Chega teve uma votação um pouco superior à que esperava, e ultrapassou o expectável o PCP perder o seu deputado por Beja e o Livre eleger quatro deputados, não os dois ou três que admitia prováveis. (Este um caso de flagrante êxito de Rui Tavares, que pensa bem, tem boas propostas e conquistou agora muitos anteriores “votos úteis” no PS.)
4. E agora? Ensaiar alguns caminhos/cenários possíveis ou desejáveis tem de ficar para outra oportunidade. De imediato, no essencial, o governo de Luís Montenegro vai ser viabilizado. E PSD e PS têm de encetar um diálogo aberto, virado para o futuro. Pedro Nuno Santos foi de uma grande correção democrática em toda a campanha e na forma como se referiu à escassa vitória da AD. Não há, pois, o perigo de uma moção de rejeição, e o País tem um Orçamento do Estado (OE) para 2024 aprovado, que não contende em nada com princípios fundamentais do PSD. Mesmo sem o conhecer, o PS anunciou ir votar contra um Orçamento a propor pelo PSD, o mesmíssimo que o PSD fez em relação ao OE apresentado pelo PS: por ser e para ser líder da oposição…
Assim, e não considerando sequer a hipótese de o PSD negociar com o Chega – o que face às garantias por si dadas o faria perder toda a legitimidade moral, e mesmo política, para governar –, penso que ao menos para já o governo de Montenegro não deve apresentar nenhuma proposta de Orçamento retificativo. E depois se verá…
À MARGEM
Duas notas
O resultado do Chega, com a afirmação clara de uma terceira força política, fez alguns lembrarem-se do PRD. Ora o PRD, cuja criação fui o primeiro a sugerir, num texto intitulado O Direito à Esperança, e de que fui também não só dirigente como, talvez, o principal teorizador, o PRD, dizia, foi em tudo exatamente o oposto do que o Chega é. Se tiver oportunidade voltarei ao tema.
Porque em relação à pré-campanha e à campanha eleitoral quero ainda lamentar muito do que se passou nos média. Em particular ao nível da legião/multidão de “comentaristas” e de dar “notas” nos debates, chegando-se ao cúmulo de considerar “vencedor” quem mentiu, insultou, violou normas mínimas de convivência democrática.
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