1. Está a decorrer o 5º Congresso dos Jornalistas Portugueses, quando o jornalismo atravessa no nosso país uma das suas situações mais difíceis de sempre. Uma crise gravíssima, que tem expressão maior no que se passa no grupo Global Media, com os salários em atraso e a ameaça de despedimento de 150 a 200 profissionais. Assim sendo, é legítimo e natural que no Congresso assuma grande destaque esta dramática realidade, a forma de a combater, ultrapassar, evitar que se repita; e a forma de apoiar os camaradas por ela atingidos, inclusive no imediato, pois em relação a muitos estarão até em causa problemas de “subsistência”.
Se o mais condenável, inadmissível, é tal realidade, ela terá também pelo menos uma consequência negativa no Congresso. Qual? A passagem para segundo plano, como se compreende, do que devíamos ser nós, jornalistas em Congresso, a analisar, tentar detetar causas e apontar caminhos: o verificar-se, em não poucos média, uma dir-se-ia crescente falta de qualidade e um frequente desrespeito dos bons princípios éticos e deontológicos do jornalismo.
Não cabe aqui sequer exemplificá-lo. Acrescento apenas que a progressiva depauperação das redações, com menos gente e recursos, será uma das causas. Mas a ela outras acrescem. Da desvalorização das “notícias”, núcleo central da informação, à profusão “comentarística” com elas se confundindo ou a elas se sobrepondo. Do andar atrás das redes sociais à acrítica reprodução de tudo o que é ataque a instituições e figuras públicas, sem o cuidado de confirmar o seu fundamento, quando tal se impõe, ou mesmo quando se tem obrigação de saber não terem fundamento.
E quando destas coisas se fala, tem de se sublinhar as especiais responsabilidades de diretores e editores. Julgo haver uma certa perceção de que muitos jornalistas, mormente jovens, fazem o que fazem por falta da devida orientação, até pressionados ou com a convicção de ser isso o que deles querem, tendo por principal objetivo a (suposta) conquista de audiências.
2. Uma situação também muito difícil, mas por uma razão completamente diferente, era a do jornalismo português há meio século. Ou seja: em vésperas do 25 de Abril de 1974, que com este Congresso também se assinala e comemora – o que justifica lembrá-lo. Difícil, a situação, mas além disso deprimente, vergonhosa, violadora dos mais elementares direitos humanos. Porque vivíamos em ditadura, que até ao fim manteve uma férrea censura prévia à comunicação social. Levemente amenizada no início do marcelismo e logo outra vez agravada. Caetano prometeu, aliás, uma nova Lei de Imprensa, que houve esperança acabasse com a censura (ou, no mínimo, a mantivesse apenas sobre a Guerra Colonial), e no final não mudou praticamente nada.
De facto, o projeto do Sindicato dos Jornalistas, elaborado por uma comissão de Lei/Liberdade de Imprensa que presidi, não teve qualquer acolhimento. Teve, porém, o grande mérito de contribuir para mobilizar a classe para a luta contra a ditadura/censura. A que outro, muito importante, acresceu: propus termos a iniciativa de preparar uma lista “democrática” para as eleições do Sindicato, de orientação oposta à linha dominante nos seus corpos gerentes, afetos ao regime ou seus não opositores. Foi uma lista de grande pluralismo e unidade – e vencemos as eleições: uma mudança profunda, irreversível, no Sindicato e na sua história.
A censura, como disse, voltou a agudizar-se. De tal modo (às vezes até só o meu nome era “cortado”) que em 1971 deixei a redação do Diário de Lisboa, passando a ser, profissionalmente, apenas advogado, embora sempre ligado ao jornalismo e ao Sindicato, que não esmoreceu no seu combate. E de que fui, exatamente, advogado, na negociação do Contrato Coletivo de Trabalho de 1973. Aconteceu então uma coisa extraordinária, quase impensável: conseguiu-se tudo o pretendido, melhorias em diversos aspetos e, inclusive, um aumento salarial de 100%, para o dobro!
Julgo ter sido a primeira vez a suceder, nas mais de quatro décadas de “regime corporativo”. E por isso, tendo o contrato de ser “homologado” pelo Ministério das Corporações, em 25 de Abril de 1974 (ainda?) não o tinha sido, só imediatamente a seguir a ele passando a vigorar. Se tivesse sido antes, poder-se-ia dizer que de certo ponto de vista material os jornalistas estavam melhor aquando da revolução libertadora do que agora. Assim, nem isso – devendo continuar a lutar hoje como num passado que não se pode esquecer.
À MARGEM
Para lembrar casos recentes, e estes sem consequências graves, mas dando uma ideia triste da classe, não se pode compreender que num congresso partidário ainda haja um aglomerado de repórteres a cercar o líder que vai a caminho do palco para falar a perguntar-lhe o que vai dizer…
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