A expressão “mais vale prevenir do que remediar” faz-nos, certamente, lembrar muitos dos nossos familiares que, a título de conselho, a repetiam vezes sem conta para que evitássemos a procura tardia de soluções para alguns dos problemas que pudessem ser antecipados. E, seguindo alguns desses pressentimentos, evitavam-se mesmo alguns problemas sérios.
Esta introdução pretende, apenas, estabelecer uma relação direta entre a sabedoria popular, que raramente desilude, e as frágeis decisões em saúde a que teremos que nos habituar, porque elas vão continuar. Os últimos anos, antes, durante e depois da pandemia, foram pródigos em decisões, e na falta delas, sobre as doenças raras. Estas, que parecem não existir mas que afetam mais de 20 milhões de pessoas em toda a União Europeia e mais de 30 milhões em toda a Europa, chegando a um incrível número de 300 milhões em todo o mundo, serão muito debatidas nesta, que é a ocasião de celebrar o seu dia (28 de fevereiro).
Assistiremos, por isso, a um grande número de ações que pretendem mediatizar o tema apenas durante alguns dias. Umas, serão mais mediáticas do que outras. Sobretudo as que vão envolver organismos ou pessoas mais próximas da saúde. Haverá, ainda, aquelas que pretenderão envolver doentes raros e ouvir as suas histórias, ou as das suas famílias, muitas vezes de pura superação. Apenas para tentar arrancar aos mais sensíveis umas lágrimas de pena porque, afinal, são elas que propagam os motivos da persistência.
Ligado ao movimento, porque envolvido com uma doença rara de um filho e enquanto dirigente associativo, há mais de 26 anos, assisto ao Dia das Doenças Raras e à sua evolução desde a primeira edição. Em 2008, a data de 29 de fevereiro foi instituída, e escolhida por ser rara. Nestes quinze anos que passaram, têm sido crescentes os apelos à investigação, nos seus mais diversos modelos científicos, numa tentativa de se obterem os tratamentos necessários por todas as vias que sejam tecnicamente possíveis. Os novos medicamentos foram apelidados de “órfãos”, porque eram os primeiros e os únicos. As novas moléculas são testadas até à exaustão. A indústria farmacêutica adquire posições em pequenos ou grandes grupos para unir esforços e tentar obter os melhores resultados. As associações de doentes raros multiplicam-se um pouco por todo o mundo para, em torno da mesma causa, motivarem as famílias a resistirem, enquanto a cura não chega. Para uma avaliação mais profunda da evolução de cada uma das doenças que, para serem consideradas raras, deverão atingir menos de um caso em cada dois mil novos nascimentos, são criadas novas escalas de medição, para o que é mensurável.
Como contrapartida para tanta dedicação à vida humana, a maioria dos sistemas de saúde de cada país deveria caminhar na mesma estrada. Conhecendo as causas e as suas consequências. Exercendo o papel que lhes cabe, enquanto protetores da sua população. Prevenindo e enfrentando muitos dos efeitos já conhecidos de cada doença, para não continuarem à procura de remediar o que não é remediável. Decisões erradas, ou a inércia na aplicação das que são consideradas certas, por mero desconhecimento ou, simplesmente, porque custa algum dinheiro, têm contribuído para a degradação da qualidade de vida de muitos seres humanos.
O dinheiro, os dados em saúde, o impacto financeiro em cada orçamento, os custos insustentáveis da saúde, mesmo que sirvam para aumentar a produtividade de quem, com mais saúde, poderia contribuir para o aumento do PIB e sentir-se mais útil e feliz, são meras desculpas populares para não se apostar na prevenção e na reabilitação de que, inexplicavelmente, já nem se ouve falar. As muitas vozes conselheiras, com ideias inovadoras, ações e discursos muito virados para o futuro, que ouvimos nos últimos três anos e nos mais variados formatos, não tiveram a força e a competência expectável para mudar um SNS que a pandemia deveria ter mudado, por tudo aquilo que nos ensinou. Tudo tende em ficar na mesma, apesar de nos dizerem o contrário.
Precisamos, cada vez mais, de uma nova política e de um Plano de Ação Europeu para as Doenças Raras de modo a que, em cada Estado Membro se imponham métodos comuns e se fale a uma só voz. Esse, é o caminho que a Eurordis, enquanto organização europeia, pretende seguir. Enquanto seu membro efetivo há muitos anos, a APN fará tudo o que estiver ao seu alcance para o conseguir.
Prevenir é, afinal, o melhor remédio!