Do ponto de vista imunológico, existe uma variabilidade considerável na resposta dos seres humanos à vacinação. Além do tipo de vacina e forma de administração, existem fatores genéticos, nutricionais, ambientais e do desenvolvimento que afetam esta resposta. A eficácia da vacinação depende ainda de aspetos de natureza comportamental e fisiológica, nomeadamente o sono.
Apesar de ouvirmos falar de vacinas contra a Covid-19 todos os dias, pouco se fala de sono. Sim, é verdade que a boa alimentação, a prática de exercício físico e a existência de redes de suporte afetivo também contribuem para reduzir a vulnerabilidade à doença. Mas todas essas questões se relacionam de algum modo com a forma como dormimos, e não temos grandes dúvidas quanto à importância do sono para a imunidade.
Sabemos hoje em dia que a restrição (voluntária ou involuntária) de sono afeta a resposta imunológica a algumas vacinas, e basta uma noite sem dormir para isso acontecer. Ou seja, caso não tenhamos dormido o suficiente na semana antes e depois de levar uma vacina, corremos o risco de diminuir o seu efeito. Se por acaso não dormirmos de todo no dia da vacinação, a resposta imunitária pode ficar ainda mais comprometida. Além disso, a privação crónica de sono parece estar associada a uma menor eficácia de algumas vacinas.
Se uma boa parte dos profissionais de saúde trabalha por turnos, preenchendo tantas vezes este critério de duração do sono insuficiente, que impacto terão as vacinas para a Covid-19 nestas condições? Pondo as coisas noutra perspetiva, quantas situações de infeção podemos prevenir ou melhorar se conseguirmos que as pessoas durmam o suficiente na altura em que são vacinadas?
Os profissionais de saúde não serão o único grupo que está em risco, já que muitos outros manifestam sérias dificuldades em garantir uma duração de sono adequada, nomeadamente das camadas socioeconómicas mais baixas, ou aqueles cujo estado de saúde física e/ou mental perturba gravemente o sono. É importante reconhecer que nos arriscamos a enfraquecer o resultado das novas vacinas, sempre que as condições de vida impeçam ou dificultem que se durma o suficiente.
Já que estamos todos preocupados em aumentar a capacidade imunitária, embora precisemos de mais dados específicos sobre as novas vacinas em circulação, não será descabido motivar todos os vacinados a dormir o suficiente. Coloca-se por fim a questão da duração adequada de sono: quantas horas precisamos afinal de dormir?
Depende. As crianças precisam de dormir mais, existindo necessidade de dormir sestas até aos 3-5 anos, os adolescentes devem dormir cerca de 9h, os adultos e os idosos variam, verificando-se uma tendência para reduzir a necessidade de dormir com o avançar da idade. A maior parte dos adultos sente-se bem com 7 a 9h de sono por noite, e este é mesmo o critério fundamental para determinar a duração de sono adequada: com quantas horas de sono é que nos sentimos bem ao acordar e no dia seguinte, sem sintomas de cansaço, sonolência, dificuldades de memória ou de aprendizagem nem alterações de humor.
Desde o início de 2020 que assistimos a grandes alterações nos padrões de sono. Se por um lado houve quem reduzisse o stress e conseguisse dormir mais e melhor, outros ficaram de repente em situações de vida pouco favoráveis ao sono, quer pelo aumento de perturbações de insónia, ansiedade e depressão, quer pela necessidade de aumentar o ritmo de trabalho ou de prestação de cuidados a terceiros.
Alguns estudos apontam para uma maior fragilidade da vacinação em pessoas que dormem menos de 6h por noite. A boa notícia é que dormir o suficiente parece potenciar o efeito das vacinas mesmo a longo prazo, pelo que as políticas de vacinação deveriam ter o sono em conta. Desde logo seria relevante sensibilizar a população em geral, mas também organizar melhor o calendário de vacinação, em especial para profissionais cujas condições de trabalho impedem uma duração de sono apropriada.
Tudo o que possa aumentar a eficácia das vacinas é relevante nesta fase. É caso para dizer: quando for vacinado, durma!