É gratuito, este título? Na Hungria, milhares de refugiados que calcorrearam muitos quilómetros são impedidos de entrar em comboios com destino à Alemanha. Na Sérvia, há mais uns milhares que não serão parados pelo muro de Orbán e que de algum modo atravessarão a fronteira. No eurotúnel, os comboios voltaram a parar porque os que esperam em Calais invadiram de novo a linha de comboio, numa nova tentativa de chegar à “ilha”.
É despropositado? Ontem, a imagem de uma criança de três anos, afogada no Egeu quando a sua família tentava a travessia de barco entre Bodrun, na Turquia, e a ilha de Kos, na Grécia, percorreu mundo e hoje está estampada em todos os sites noticiosos mundiais. Seja nos braços do polícia, seja de borco no areal molhado da estância de veraneio turca, a imagem do garoto morto será o ícone dos refugiados que demandam a Europa no verão de 2015, como o Vietname e o Ruanda tiveram os seus. Aylan morreu com o irmão, de cinco anos, e a mãe, quando o barco onde seguiam se virou. Pretendiam juntar-se à família, no Canadá, depois de a cidade curda onde viviam ter sido bombardeada.
A trágica imagem do miúdo talvez apresse os saloios que governam a Europa. Talvez Juncker dê um ar de sua graça. Talvez Donald Tusk diga algo com sentido. Mas a esperança, a verdadeira, reside em Golde, Mareike, Jonas e Lena, e noutros como eles. São os quatro de Berlim, têm formação superior e não cruzaram os braços. Abriram um site, o Refugees Welcome, no qual qualquer alemão se pode inscrever, oferecendo a casa para acolher um refugiado. A 1 de setembro, 780 alemães já haviam disponibilizado uma casa no site, que já é conhecido como o “Airbnb dos Refugiados”. E, segundo o relato de The Guardian, uma chuva de pedidos para estabelecer projetos semelhantes havia chegado de países como o Reino Unido, a Áustria, a Grécia e Portugal. Talvez haja no nosso país, afinal, mais espaço, mais recursos, mais gente disponível para apoiar os refugiados do que podem ter feito crer as declarações do nosso soturno primeiro-ministro, que exigiu a Bruxelas uma redução da quota atribuída a Portugal. Vergonhoso.
Felizmente, quando os governantes não estão à altura, os governados estão. Na Islândia, onde a crise financeira há sete anos levou à bancarrota a quase totalidade do sistema bancário, 12 mil pessoas assinaram uma carta a exigir que o país acolha mais do que os 50 refugiados que estavam previstos. Muitos dos que assinaram o documento disponibilizaram casa, ofereceram-se para ensinar a sua língua materna ou para oferecer roupas e alimentos. “Os refugiados são os nossos futuros cônjuges, amigos ou namorados, o baterista na banda dos nossos filhos, o nosso próximo colega, a Miss Islândia de 2022, o carpinteiro que finalmente termina a casa de banho, o cozinheiro do restaurante, o bombeiro, o génio de computador ou o apresentador de televisão”, lê-se num trecho da carta escrita pelo professor universitário Bryndis Bjorgvinsdottir, o precursor do movimento.
Também no Reino Unido de Cameron um petição com mais de 100 mil assinaturas terá de ser debatida na Câmara dos Comuns. Os signatários exigem ao governo que sejam aceites mais refugiados, apesar do primeiro-ministro a tal se negar.
Há os patetas que nos governam e a gente boa da Europa. Há esperança.