O mar ausente
Estando na fazenda de café de uma escritora colombiana, no município de Palestina, em Caldas, um lugar maravilhoso em inúmeros aspetos, o facto de estar localizada no interior acabou por ser mencionado como um defeito – ou único defeito –, sobretudo pela distância a que se encontra do mar. Ouvi várias pessoas, em várias ocasiões, comentarem algo semelhante em relação ao lugar onde vivo, ainda que a distância a que estou do mar seja incomparavelmente menor e a geografia, por não obstaculizar o caminho com, por exemplo, umas cordilheiras andinas, seja muito mais gentil com a mobilidade dos portugueses do que com a dos colombianos. Viver no interior de Portugal é, comparando com as dimensões de outros países e com as dificuldades de deslocação impostas pela natureza, viver no litoral. Seja como for, independentemente de o mar estar a um dia de distância ou a hora e meia, a sua ausência serve o argumento que se formula mais ou menos assim: “Eu seria incapaz de viver longe do mar, posso não o ver todos os dias, mas preciso de saber que está ali”. Considerando todo o fascínio do mar, esta posição parece-me demasiado romântica, mas, enfim, talvez a imponência das montanhas, dos bosques e da selva não seja suficiente e precisemos de outras noções de grandeza, de infinito, como essa que o mar parece evocar com tanta eloquência, fazendo com que o céu não nos baste. Galeano escreveu que os guaraos, que vivem no delta do rio Orinoco, chamam “mar do alto” ao firmamento. No entanto, para um grupo relativamente grande de pessoas, é um mar insuficiente. A propósito deste assunto, ao ler um livro de Margarita García Robayo, Primera Persona, encontrei o seguinte trecho: “Después vino el hastío, semana tras semana: otra vez el mar. Qué raro que un charco de agua infinita provoque pasmos de poesía. Al próximo poeta que proponga un verso sobre el mar, córtenle los dedos de un tajo y que lo escriba con sangre.”
O sal na fruta
É interessante, tanto quanto estar junto ao mar, perceber como este está presente de tantas formas, mesmo quando essencialmente está longe dos olhos (parafraseando Saint-Exupéry). Viajando pela região de Caldas, parámos para comer um fruto chamado chontaduro, que me garantiram vir da selva do pacífico, atravessando as cordilheiras andinas, porque ali era muito apreciado (o amor pode não mover montanhas, mas faz mover através de montanhas). Se os rios correm até aos vales em direção ao mar, o chontaduro faz o percurso oposto. Cortado em pedaços, é vendido nas ruas e servido em copos de plástico – comido com a ajuda de palitos – e temperado com lima, mel e sal. Porém, o chontaduro não é consensual relativamente ao paladar, é um fruto de extremos: ou se ama ou se odeia.
Outra comida de rua bastante comum e amada é a manga verde, também temperada com lima e, claro, sal.
Uns dias antes, no Panamá, um indígena emberá tinha-me aconselhado a misturar sal no maracujá, pois isso diminuiria a acidez. Pegou na metade do fruto que eu segurava, aberto como uma taça, deitou-lhe uma pitada de sal, mexeu com o dedo indicador, depois com o médio, e devolveu-me o maracujá para que sorvesse a polpa.
Sal na ferida
Talvez faça sentido seguir o conselho da Margarita García Robayo, de cortar os dedos ao próximo poeta que escreva sobre o mar para que o faça com sangue, e a esses poetas juntar o grupo alargado de pessoas que tenta algo parecido. E, ainda, acatar a sugestão do indígena panamenho e deitar sal na ferida, não por causa da acidez, mas por causa do romantismo.