Da minha língua vê-se o sal, do sal vê-se o mar
Uns dias antes, no Panamá, um indígena emberá tinha-me aconselhado a misturar sal no maracujá, pois isso diminuiria a acidez. Pegou na metade do fruto que eu segurava, aberto como uma taça, deitou-lhe uma pitada de sal, mexeu com o dedo indicador, depois com o médio, e devolveu-me o maracujá para que sorvesse a polpa.
Notas sobre vacas e outros assuntos incontornáveis
Paralaxe, a crónica e Afonso Cruz no JL
Corrupção e colheres de prata
Quando se diz que a corrupção sempre existiu – desde que existe humanidade – a sentença deve ser tomada literalmente. Estamos a falar de uma relíquia biológica
Saltos
A sociedade deu um salto gigantesco no que respeita à compreensão do mundo e da Natureza, graças à descoberta de um objecto que é ele próprio um outro tipo de salto: uma cápsula de tempo.
Como se ganham guerras
As pessoas não procuram a verdade, procuram a certeza. E é um problema quando a encontram. Depois, a lealdade, a amizade, a cooperação criarão a coesão necessária para impedir que a verdade se intrometa e as esboroe
Uma questão de detalhe
Devemos uma constante atenção ao mundo, uma atenção poética, que possa atender ao detalhe, à minúcia, à letra com que se inicia cada palavra ou ao estremecimento que antecede cada gesto
O tempo pode bem ser uma flor
A imagem que acompanha este texto mostra a tal flor possível. Um universo a florir pode não ser verdade, mas é belo. Sei que a verdade não é sinónimo de beleza, mas há situações em que podem coexistir.
Por amor de um verso
A memória rilkeana diz-nos que a identidade é um sistema complexo que não pode ser confinado a um órgão específico, mas à totalidade do indivíduo, sangue, olhar e gesto, porque as recordações (como funções ou manifestações da mente ou do cérebro) não são suficientes
Infiltrados
Os autores, quando não são o tema central, infiltram-se nas obras, como Hitchcock nos seus filmes, como um deus passeando na sua criação
Segunda oportunidade
Depois de ter sido perseguido pelos carabineros em Santiago, junto com um amigo, e de me terem queimado a cara com disparos de gás lacrimogéneo lançado a poucos metros, como contei na crónica anterior, lembrei-me de que esse mesmo amigo, um ano antes, me tinha oferecido uma garrafa de mescal artesanal, destilado por um seu companheiro, cuja marca era: Llorarás. Não poderia ter sido mais profético.
Paralaxe: Kavafis, só para ser mais preciso
Para Kavafis, num dos seus mais famosos poemas, importava mais a viagem do que o destino dela. A televisão, o elevador, o avião, são formas de evitar Ítaca. Mesmo que muitas vezes a meta que imaginamos não seja o nosso destino e que uma paragem desse percurso venha a ser o nosso verdadeiro objetivo.