Os Daft Punk – provavelmente a mais famosa dupla da eletrónica francesa – surgem em pano de fundo, e contextualizam o ambiente. Só que Eden, paraíso ou êxtase eletrónico, não é feito através da contagem das estrelas, mas de uma das partículas incógnitas essenciais para suster este universo.
A própria realizadora viveu intensamente os movimentos da música eletrónica e o seu irmão, Sven, com que partilha o argumento, foi durante algum tempo DJ.
Tal como os escritores de canções ou as bandas de covers de épocas anteriores, a profissão de DJ extravasa largamente a ideia de emprego: é um estilo de vida. Passa, logicamente, por ficar acordado à noite e dormir de manhã, por tomar drogas e álcool em excesso, pela criação de um mundo à parte. Nem por isso é um mundo sombrio, animado apenas pelas luzes das discotecas: Mia faz questão de espreitar muito além disso, entrando pela vida quotidiana daquele grupo, construindo uma personagem notável.
Paul é, para todos os efeitos, um anti-herói. Encontramo-lo sempre frágil, algo mole, insonso, com as prioridades erradas, arrastando-se por um meio, em nome de uma paixão, não só pela música, mas pelo próprio estilo de vida. Compra t-shirts dos seus ícones quando não tem comida em casa. Está sempre à espera do momento em que dá um salto para um sucesso financeiro, mas cada risco corrido corresponde a um agravamento da dívida, as despesas são sempre muitas e o descalabro económico inevitável.
A personagem faz uma curva perfeita, de ascensão e queda, que se confunde com a onda do próprio movimento eletrónico francês. Encontramo-lo primeiramente numa rave, ainda adolescente, onde vai pela música e não pelas drogas. Interessa-lhe em particular uma das vanguardas da eletrónica, oriunda de Nova Iorque, o Garage: que consiste na humanização dos beats, tornando-os mais quentes e próximas do soul (Human After All, como diriam os Daft Punk). Ascende à posição de disco jockey, em dupla, fazendo vingar essa proposta. E chega ao seu auge numa viagem a Nova Iorque, passando música no MoMa.
No entanto, entre projetos falidos, não dá pela passagem do tempo. O mundo corre à sua volta, as ex-namoradas têm filhos, mas ele parece encalhado no mesmo ponto. Musicalmente também. As ondas são transviadas ou ultrapassadas, as dívidas tornam-se insustentáveis e dá por si a pôr música num casamento.
Mia Hansen-Løve diz que poderia dar uma longa explicação sobre cada um dos temas escolhidos para os filmes. Nada foi deixado ao acaso, tudo foi amplamente discutido com o seu irmão Sven. A heroína idependente do Indie 2014 não terá feito necessariamente um filme sobre uma geração, mas construiu uma obra de culto geracional. Que é como quem diz, meus senhores, bem-vindos aos anos 90.