Por estes dias é fácil encontrar Rita Cruz, a mais recente professora de Educação Física da escola de Oliveira do Hospital. E por isso é “lá para baixo” que nos levam assim que perguntamos por ela em Midões.
“Lá em baixo” é a expressão usada para se referirem à sala da Liga do Coito onde a professora organizou um centro de apoio às vítimas dos incêndios, com roupa, comida e bens essenciais. Assim que entramos, vemos como está de olhos marejados enquanto ouve mais uma história desoladora, e como se esforça para responder às necessidades de quem a procura. Desde o dia do pós-incêndio que pouco vai a casa – passa aqui horas infindáveis e mal vê a sua própria família.
Em maio, Rita arrendara o apartamento de Lisboa, metera tudo em caixotes e mudara-se com o marido e três filhos pequenos para esta vila onde costumavam passar férias. Compraram uma casa senhorial do século XVIII na rua principal da terra, e, depois do verão, já não voltaram à capital.
Os filhos iniciaram o ano letivo em escolas da região e o marido continuou a mediar seguros, mas organizou-se para poder dar fôlego ao projeto de turismo de habitação planeado para o palacete. Era lá que deveriam estar a viver nos próximos meses, não fosse o incêndio que deflagrou por Midões adentro.
O palacete recém-comprado ruiu, assim como mais outras quinze casas, todas de primeira habitação. Por baixo dos escombros, descobrem-se as panelas e os utensílios de cozinha que Rita guardara junto com a roupa de inverno enquanto duravam as obras e viviam na casa de férias da família. Agora, essa estadia provisória ameaça arrastar-se bastante no tempo.
“Ainda nem limpei as coisas por lá, porque me refugio aqui no centro”, conta. “Enquanto oiço as histórias das pessoas chego à conclusão de que perdi tudo, mas não perdi nada: tenho casa e cama, os meus filhos têm brinquedos.” É então que pensa: “Desistir nunca.”
Os amigos vieram de Lisboa para ajudar a remover os escombros, com pás e carrinhos de mão. E os miúdos andam por lá, como se estivessem dentro de uma aventura – arriscada, porque o andar de cima e o telhado desabaram, e os pés afundam-se, sem travão, em cinza, terra, vidros e telhas partidas. Mas até para eles uma banheira antiga virada de pernas para o ar ou um autoclismo que insistiu em ficar preso na parede do que antes foi a casa de banho se torna inusitado.
“Olhem, estes gatos não perderam a casa”, nota o filho mais velho de Rita, de 8 anos, assim que todos saem para a rua e veem três animais a matarem a fome com a bondade alheia. Percebe-se que repare nisso e faça a observação. Só nesta freguesia há trinta famílias a precisarem de apoio social, porque ficaram sem lugar para dormir ou sem o seu sustento.
Todas as situações foram, entretanto, resolvidas, garante-nos José Alberto Pereira, aos 64 anos a cumprir o terceiro mandato à frente da junta de freguesia. Mas há uma casa em concreto que fez questão de recuperar com os meios da junta. Quando começa a desfiar a história, as lágrimas traem o ar bonacheirão, porque se lembra da única vítima mortal das redondezas – um jovem empreiteiro seu amigo. “Quantas vezes fui almoçar ou beber um copo com ele, mas nunca me convidou para sua casa. E finalmente percebi a razão. Agora, com os retoques que demos na casa, a sua viúva e os filhos vão ficar lá bem.”
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