2022 foi um ano estrondoso para a venda de casas – em média, 465 transacionadas por dia – mas provavelmente porque arrendar é uma missão quase impossível. Senão vejamos, nos últimos três anos, entre 2019 e 2022, o poder de compra da população portuguesa caiu a pique no que à habitação diz respeito, com os preços das casas a atingirem uma subida média de 38%, a nível nacional, enquanto o aumento do rendimento disponível das famílias, no mesmo intervalo de tempo, se fixou apenas nos 9%, na média das capitais de distrito. Esta é apenas uma das conclusões da segunda edição do detalhado estudo “A acessibilidade à Habitação em Portugal” da Century21 Portugal.
Mas, já se sabe, o acesso à habitação é mais complicado ou mesmo impossível em certas zonas com a capital do país a liderar esse grau de dificuldade. Assim, o estudo apurou que em Lisboa, um empréstimo para a compra de casa exige uma taxa de esforço de 67%, e no Porto de 50% para o rendimento médio das famílias. Ligeiramente mais baixa, a taxa de esforço em Faro atinge os 39%.
Ainda assim, nem tudo é mau. O estudo, que compara os rendimentos líquidos médios anuais por família e os custos de acesso à habitação em 40 municípios (incluindo as capitais de distrito de Portugal Continental), conclui que a taxa de esforço em 15 das 18 capitais de distrito é inferior à recomendada.
“Com a exceção das capitais e concelhos da Área Metropolitana de Lisboa, Área Metropolitana do Porto e Algarve, nas restantes capitais de distrito este indicador é de 30% ou inferior, com grande parte das cidades a situar o esforço para aquisição no patamar dos 20%, com os 13% da Guarda a fixar a menor taxa de esforço do País”, sublinha-se no relatório da Century21 feito com base em dados do INE e da Confidencial Imobiliário.
Como evoluiu a taxa de esforço para comprar 90 m2?
Nos últimos três anos, a taxa de esforço associada à compra de habitação “agravou-se em todas capitais de distrito, mas apenas em Faro e no Porto esse aumento significou perda de acessibilidade à habitação, através de aquisição. Em Lisboa, a taxa de esforço também aumentou, mas este era um mercado já antes considerado inacessível face ao rendimento médio das famílias”, diz o estudo.
Na média das regiões metropolitanas, esta foi uma tendência mais marcante na área do Porto do que em Lisboa, que anteriormente já estava próxima da taxa de esforço limite. De qualquer forma, mesmo nas cidades onde a compra continuou a exigir uma taxa de esforço abaixo do aconselhado registou-se um aumento. De tal forma que, se em 2019 eram 15 as capitais de distrito onde comprar uma casa de 90 m2 consumia 20% ou menos do orçamento, atualmente só seis estão nesse patamar.
Qual o valor para aquisição de uma casa de 90m2?
Nas capitais de distrito, o valor de um apartamento de 90m2 varia entre os 375 480 € em Lisboa e os 59 040€ na Guarda, enquanto a média nacional é de 152 159 €. Nas capitais das regiões de maior densidade populacional, Lisboa e Porto, os imóveis com preços médios de 375 000€ e 250 000€, respetivamente, deixam a grande distância qualquer outra cidade, embora a região do Algarve apresente também alguns concelhos com preços acima dos 200.000€.
Entre as outras capitais de distrito, no núcleo das cidades costeiras, universitárias, ou mais turísticas, os preços situam-se entre os 115 000€ e os 160 000€, e o eixo do interior com preços marcadamente inferiores, revelam a possibilidade de compra de 90 m2 baixo dos 100 000€.
Nos últimos três anos, os preços das casas sofreram evoluções significativas, com exceção das três cidades mais baratas – Guarda, Portalegre e Bragança- onde a diferença para aceder a 90 m2, entre os dois períodos, não chega a totalizar 10 000€.
Em termos relativos, a par do Porto, outras cidades do país como Aveiro, Braga e Setúbal registaram maior incremento de preços, no espaço de três anos. De qualquer forma, em termos absolutos, comprar atualmente 90 m2 exige pelo menos mais 25 000€ do que há três anos, na grande maioria das cidades.
Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal lembra que “o mercado imobiliário e as necessidades de habitação não devem ser analisados isoladamente sem ter em consideração outras dimensões económicas e sociais, nomeadamente a evolução demográfica do País. AML e o Algarve foram as únicas regiões onde se registou um aumento da população, de acordo com o Censos 2021”. Logo, “o desafio reside na concentração urbana nas áreas metropolitanas de Lisboa, Porto e no aumento de população residente no Algarve. Esta movimentação das famílias provoca um incremento da procura e uma maior pressão sobre uma oferta de habitação já insuficiente e pouco ajustada à classe média, nestas regiões”, sublinha o responsável.
Quanto custa comprar uma casa de 90 m2?
Em linha com os principais indicadores do valor dos imóveis, as prestações do crédito à habitação para a compra de uma residência de 90 m2 apresentam um contraste forte em Lisboa e no Porto, e respetivas áreas metropolitanas, relativamente às outras cidades do país. Lisboa é a única cidade onde a compra de uma casa de 90 m2 com recurso a um financiamento soma atualmente um encargo superior a 1 300€ mensais, embora seguida de perto pelo Porto, com cerca de 900€. Nas outras cidades, esse encargo não ultrapassa os 600€, e na maioria é inferior a 400€.
Impacto do aumento das taxas de juro
O estudo da Century avaliou também ao detalhe o impacto do aumento das taxas de juro no valor mensal que as famílias assumem para a aquisição de uma casa de 90 m2, conforme as projeções realizadas a partir de três cenários em que acrescem um, dois ou três pontos percentuais (pp) à TAN da prestação contratada inicialmente.
No cenário de maior incremento, o qual na prática significaria ter uma TAN no patamar dos 5%, a prestação registará um aumento de mais de 150€ mensais na maioria das cidades, superando até os 200€ em algumas delas. Neste cenário, todos os concelhos da AML e AMP ficariam em sobre esforço, bem como Aveiro e Évora.
“As medidas macroprudenciais instauradas pelo Banco de Portugal obrigam os bancos a testarem a taxa de esforço das famílias com uma margem de segurança de mais 3% sobre as taxas de juro em vigor, para atribuição de crédito à habitação. Num contexto de taxas de juro negativas, esta era uma medida essencial. No entanto, no atual cenário de subida de taxas de juro, este teste continua a ser obrigatório e aumenta, consequentemente, a dificuldade para as famílias e jovens que pretendam acesso a financiamento”, frisa o CEO da Century 21 Portugal.
Que casas podem as famílias comprar com o seu rendimento?
Esta foi outra das questões aprofundadas. “Aos preços atuais, apenas em Lisboa, Porto e Faro – e respetivas áreas metropolitanas – cumprir um orçamento correspondente a 33% do rendimento das famílias implicaria comprar uma casa mais pequena do que a casa padrão de 90 m2”, destaca-se no relatório. “Nas cidades universitárias e mais turísticas – como Aveiro, Évora, Coimbra e Setúbal – verifica-se uma adequação do orçamento à casa padrão, enquanto nas restantes capitais de distrito a alocação de 33% do rendimento à compra de habitação permite ter acesso a casas maiores, todas com áreas superiores a 100 m2, num máximo de 200 m2 registados na Guarda”.
Arrendar em Lisboa é quatro vezes mais caro que Beja
Quanto ao mercado de arrendamento, o estudo conclui que, em Lisboa, arrendar uma casa de 90 m2 custa o triplo do que se paga, por exemplo, em Beja, a cidade com arrendamento mais barato do país. A capital apresenta um preço médio de 1161 euros, um valor que não dista muito da média dos 1017 euros cobrados na área metropolitana.
As cidades do interior continuam a ser as mais acessíveis, mantendo uma tendência registada desde 2018.
Em termos da evolução das rendas entre 2019 e 2022, a tendência geral foi de acréscimo, com exceção de três capitais de distrito do interior – Bragança, Castelo Branco e Beja – onde a renda para uma casa de 90 m2 é atualmente menor, e de Lisboa, onde o valor para arrendar uma casa de 90m2 é semelhante ao registado em 2019.
Nas restantes cidades, as rendas são superiores ao que eram há três anos, a maioria das quais refletindo aumentos de 80€ a 120€ mensais.
O estudo conclui ainda que a taxa de esforço para arrendar ultrapassa os 53% nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, na capital, na cidade do Porto e os 45% em Faro, em 2022. A taxa de esforço aumentou em nove cidades e outras cinco aproximam-se do limite, o que justifica a conclusão de que as rendas aumentaram na generalidade das cidades.