Nas criptomoedas, a semana que passou dificilmente sai da memória dos investidores: de 12 para 13 de março, o valor das bitcoins registou perdas de 40% – a maior alguma vez registada nos últimos sete anos. Mas um mal nunca vem só: “contagiados” pelos efeitos do Covid-19, os produtos de investimento que têm por base as expectativas de valorização das várias criptomoedas (Bitcoins e Ethereum, mas há muitas mais) desabaram. Apesar do aumento das margens cobradas pelas casas de câmbio virtuais, que são conhecidas na gíria por “exchanges”, registou-se uma corrida ao levantamento desses produtos financeiros. Resultado: segundo a monitorização da CryptoCompare, mais de 30 mil milhões de dólares terão sido levantados das maiores “exchanges” do mundo nas fatídicas 24 horas entre 12 e 13 de março. E as más notícias não se ficaram por aqui.
Com tamanha volatilidade de valores e múltiplos investidores ansiosos em levantar o dinheiro aplicado em produtos financeiros para minimizar perdas ou para, como é típico, voltar a comprar os mesmos produtos, mas a preços mais baixos para escapar temporariamente à depreciação, as próprias plataformas das “exchanges” começaram a dar mostras de que talvez não sejam suficientemente robustas para suportar um negócio de escala global.
A Gemini, casa de câmbio virtual que se encontra sedeada em Nova Iorque, terá sido das primeiras a dar sinais de bloqueio tecnológico: segundo a Reuters, a “exchange“ americana esteve inoperacional e sem suportar transações durante mais de 90 minutos. A mesma Reuters informa ainda que a BitMex, que está sedeada nas ilhas Seychelles, não teve melhor sorte: duas paragens de 45 minutos.
Os representantes da Gemini justificaram a paragem com uma medida de precaução que permitiu sanar problemas técnicos antes do regresso à atividade. As justificações da BitMex são capazes de gerar mais alarme: segundo esta “exchange”, as falhas no funcionamento deveram-se a bloqueios gerados por ciberataques, que recorrem a métodos de negação de serviço (DDoS), que inviabilizaram a transmissão das ordens de compra ou venda de ativos associados às criptomoedas.
Coincidência ou não, os alegados ciberataques à Bitmex ocorreram no momento de maior afluxo de ordens de compra e venda de ativos – o que levantou a questão quanto à resiliência das infraestruturas e plataformas usadas pelas “exchanges”, que operam um pouco por todo o mundo, eventualmente, sem os requisitos tecnológicos que são exigidos a praças bolsistas ou corretoras convencionais. O que, no entender de alguns analistas, dificulta a uniformização de preços e o encaminhamento de transações entre os milhões de investidores dispersos pelo mundo inteiro.
Fred Antunes, presidente da Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas (APBC), recorda que também nos mercados tradicionais se registaram grandes quebras e desvalorizações e relaciona a queda a pique das bitcoins, bem como dos criptoativos e criptomoedas em geral, com o impacto gerado pela Covid-19 na economia mundial. “As pessoas desataram a vender tudo o que tinham e nos criptoativos também”, refere o especialista em criptomoedas.
A desvalorização em paralelo com a queda registada nos mercados tradicionais poderá ter revelado uma nova faceta de criptomoedas e produtos financeiros que delas resultam: ao contrário do sucedido noutras crises financeiras, desta vez, as bitcoins e afins não funcionaram como um “ativo de refúgio”, que permite manter guardados capitais enquanto a crise afeta os valores de produtos financeiros tradicionais.
Uma semana depois de desvalorizar 40% e passar a ser comercializada a pouco mais de 4000 dólares, as Bitcooins já recuperaram para lá dos 5000 dólares. Fred Antunes reitera que os criptoativos estão a recuperar mais rapidamente que os produtos financeiros dos mercados tradicionais.
“É importante ver a evolução que o valor do ouro vai ter. Se esse valor subir, e o dos criptoativos não subir então podemos concluir que os criptoativos não têm força de ativos de refúgio”, refere o presidente da APBC, lembrando que a média da recuperação de valor nos ativos em geral não tem superado os dois por cento, enquanto a dos criptoativos já vai na ordem dos 12%, por envolver volumes menores.
Fred Antunes relativiza as alegadas limitações técnicas das infraestruturas que suportam os criptoativos – e relaciona a desvalorização abrupta das últimas semanas com a situação conjuntural que até poderá ter sido agravada não só pela Covid-19, mas também pelo fracasso de programas de investimento chineses nas criptomoedas.
“O mercado “crashou” na totalidade. Cada criptoativo pode ter uma infraestrutura diferente, mas todos eles tiveram o mesmo comportamento, que acabou por contagiar os investidores que foram levados a vender para comprar mais tarde”, analisa o especialista em criptomoedas e blockchain.
Sobre os bloqueios registados nas “exchanges” BitMex e Gemini, Fred Antunes admite tratar-se de uma situação em que o mercado tenta ver-se livre de situações que nem sempre são as mais saudáveis, como as alavancagens de 300% a 400% que são levadas a cabo pelos produtos financeiros criados por algumas “exchanges”.
“Ainda bem que a BitMex parou. Eventualmente, até poderá ser bom que “exchanges” como a BitMex acabem mesmo por fechar”, conclui.