O espírito geral é de expectativa. Ninguém sabe exatamente ao que vai, por que razão foi escolhido e o que vai aprender. Mas todos sabem uma coisa: querem muito marcar presença, estão entusiasmados e esperam estar à altura do desafio que o Papa Francisco lançou a estudantes e académicos da área da Economia e disciplinas afins, a empresários, a agentes de mudança que possam realmente fazer a diferença no mundo onde se inserem.
Joana Castro e Costa, David Santos, Joana Nazaré Morgado e Marta Bicho são quatro dos 500 jovens (com idades até aos 35 anos) de todo o mundo selecionados para fazer parte do programa preparatório do encontro ‘A Economia de Francisco’, que ia acontecer em Itália em março deste ano – mas que entretanto foi adiado para 21 de novembro devido à epidemia de Covid 19, que colocou em isolamento várias regiões de Itália. Ao lado de Ricardo Zózimo, professor de Gestão da Nova SBE e um dos assistentes nesta iniciativa do Sumo Pontífice, falaram à EXAME sobre o que esperam deste evento, que parece ter um propósito muito claro: dar, voz aos jovens e, pessoa a pessoa, mudar o mundo.
Mas, antes de mais, importa perceber o que é isto d’A Economia de Francisco: o Papa convidou e quer encontrar-se com cerca de dois mil jovens de vários países, mas a economia de que propõe falar não é a sua. O encontro acontecerá na cidade italiana de Assis na semana de 21 de novembro de 2020, precisamente para que possam usar as energias de São Francisco de Assis (é dele a economia de que falamos!) para pensar num novo modelo económico mundial. Um “que traz vida, e não morte, que é inclusivo e que não exclui, que é humano e não desumanizante, que cuida do meio ambiente e não o despreza.
Um evento que ajudará a unir-nos e a permitir que nos encontremos e que, eventualmente, consigamos fazer um pacto para mudar a economia de hoje e dar alma à economia de amanhã”, esclarece Francisco, o Papa, na carta que escreveu aos jovens, aquando do lançamento da iniciativa.
“É uma oportunidade incrível para sermos inspirados por aqueles que já conhecemos de nome, de livros, de vídeos… e pelo próprio Papa”, começa por dizer Joana Castro e Costa, Social Equity Initiative Coordinator and Social Leapfrog na Nova SBE, e uma das selecionadas para participar no encontro preparatório e n’ A Economia de Francisco. “Tendo em conta a quantidade de pessoas que conseguiram passar todo aquele complexo processo de seleção, acho que vou sentir-me pequenina. Portanto, acho mesmo que vai ser um momento único.” Estamos sentados a uma mesa redonda no Campus de Carcavelos da Nova SBE, onde Ricardo Zózimo juntou alguns elementos da equipa que já está hands on no projeto de pensar um mundo diferente.
Apesar de, aqui, na faculdade ser professor, e de “habitar ali a penthouse”, no piso dos gabinetes, em Assis o seu papel vai ser outro. “Eu é que vou ser assistente desta gente”, explica, com um sorriso. “Esse é, aliás, um dos ensinamentos. O da humildade”, justifica. Quando foi chamado a juntar-se
à equipa que está a organizar o encontro, Zózimo acreditou que iria fazer o habitual: reuniões preparatórias, partilhar ideias, pensar como podiam passá-las aos participantes no evento. Mas no primeiro encontro que teve em Loppiano, perto de Florença, percebeu que o Papa estava
a começar os trabalhos precisamente com a equipa organizadora. “Basicamente,
o que ouvimos foi isto: podes ter as melhores ideias do mundo, podes saber imenso, mas não é isso que interessa. São eles primeiro. O foco da organização é: nós não vamos ensinar nada. Nós estamos aqui para sermos assistentes do que eles quiserem fazer, e não para impor qualquer ideia nossa. Para ter ideia, nesta reunião estavam dois bispos, três reitores, sete diretores de universidades e mais um monte de tipos como eu, cheios de ideias e sapiência mundial [risos]. Portanto, se o reitor da universidade do hospital do Papa pode ser assistente destes jovens, eu também posso!”, conclui, divertido.
À mesa da reunião estava ainda outra portuguesa que, à semelhança do professor da Nova, está a ajudar a desenhar o programa do encontro: Manuela Silva, antiga presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz. Esta não vai, mesmo, ser uma conferência no sentido clássico do termo, realça entretanto a organização no site oficial do encontro. Durante os três dias em que estarão reunidos em Assis, os selecionados vão ter a oportunidade de participar em laboratórios, eventos artísticos diversos
e sessões plenárias (que também serão diferentes do habitual, garante Zózimo) com alguns nomes bem conhecidos do mundo da economia social, como por exemplo Bruno Frey, Amartya Sen, filósofo indiano e Prémio Nobel da Economia em 1998, Jeffrey Sachs, economista e diretor do Earth Institute, na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América, ou o Prémio Nobel da Paz, Muhammad Yunus.
A ideia é a de que a teoria e a prática comecem desde logo a entrelaçar-se, para que se construam novas ideias mas também novas colaborações e redes de contactos globais. E apesar de ter uma génese marcadamente católica, a iniciativa é aberta a todos os que acreditarem que têm algo para partilhar, deixou claro o Papa Francisco quando apresentou o projeto.
O que Portugal leva para Itália
Marta é professora na Universidade Católica e candidatou-se para participar em A Economia de Francisco como investigadora, uma vez que se tem dedicado à “área das empresas híbridas”, explica à EXAME. “Tento perceber como é que estas empresas podem ser uns maiores players no mercado, encontrar legitimação, e como podem criar pessoas melhores e empresas melhores. Normalmente, também dou formação a executivos e, portanto, a minha investigação acaba por ajudar nesse campo também”, esclarece.
Já Joana Nazaré Morgado é licenciada em Medicina Veterinária e está atualmente no segundo ano do doutoramento em Ciências da Sustentabilidade, em que se dedica a investigar a área do consumo e a transição de uma dieta alimentar que possa ser saudável mas também sustentável, e tendo em atenção os indicadores socioeconómicos”, esclarece.
David inscreveu-se como estudante (está a terminar a licenciatura em Economia no Instituto Politécnico de Leiria) e acredita que vai ser importante poder partilhar com pessoas da sua idade as ideias que tem para uma economia que “não ligue apenas ao capitalismo e aos lucros”.
Para Joana Castro e Costa, uma das características fundamentais dos portugueses, acredita, é a abertura ao diálogo, que ao longo da História tem sido comprovada – até através dos vários cargos diplomáticos que representantes nacionais têm conseguido ocupar.
“Somos um país muito hospitaleiro, que gosta de conversar, que gosta dessas trocas de ideias. E acho que temos também algum espírito pioneiro de descoberta, temos esta capacidade de desenrascar, que pode ser mostrada a quem connosco se vai encontrar”, acredita. “Creio que temos também muita capacidade de abraçar as pessoas e os projetos, e de os fazer avançar”, acrescenta Marta, na certeza de que será possível ensinar estas características – ou, pelo menos, servir de inspiração – a quem com eles se cruzar.
Mas, afinal, o que quer a Economia de Francisco?
Como já foi referido, não é por acaso que este encontro acontece em Assis, cidade-natal de Giovanni di Pietro di Bernardone, hoje conhecido por São Francisco, o fundador da Ordem dos Franciscanos. O Papa Francisco quer que os princípios fundamentais desta ordem – humildade, pobreza e itinerância – inspirem o pensamento dos jovens que ali acorrerão em março: quer uma economia que recorde os mais pobres, que respeite a Natureza, que não esqueça a dignidade de todos os trabalhadores. As ideias do líder espiritual da Igreja Católica ficaram particularmente claras na encíclica Laudato Si, divulgada em 2018.
Nela, Francisco escreveu: “Enfatizei como hoje, mais do que nunca, tudo está intimamente conectado, e a salvaguarda do ambiente não pode ser separada da justiça para com os pobres
e da solução dos problemas estruturais da economia mundial. É necessário, portanto, corrigir os modelos de crescimento incapazes de garantir o respeito pelo meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, a equidade social, a dignidade dos trabalhadores e os direitos das futuras gerações.” Já na carta de convocação para o encontro em Assis, Francisco afirma: “Caríssimos jovens, sei que vocês são capazes de escutar com o coração os gritos cada vez mais angustiados da Terra e de seus pobres em busca de ajuda e de responsabilidae, ou seja, alguém que responda e não se vire para o outro lado.”
A escolha de Assis é, pois, óbvia: Francisco, o santo, rejeitou a sua família rica e dedicou-se a uma vida de pobreza e mendicância – “Pois é dando que se recebe”, diz, em certo momento, a Oração de São Francisco –, para estar junto dos mais necessitados. É também considerado o patrono dos ecologistas, precisamente pelo seu respeito por todos os elementos naturais. Numa altura em que a COP25 de Madrid se revelou mais um fracasso na luta contra as alterações climáticas, em que as desigualdades sociais parecem aumentar na grande maioria dos países, e em que as sociedades sofrem significativas mudanças, Francisco quer, basicamente, que os valores cristãos entrem na forma de pensar a economia e o mundo.
“Os hindus ou os israelitas fazem isto com tanta naturalidade que nem sequer é assunto. E acho que hoje isto começa a tornar-se mais fácil para nós, cristãos, católicos. Faz parte da mensagem de Francisco dizer isso: levem lá a fé para onde vocês trabalham”, resume Ricardo Zózimo.
O professor lembra ainda que “uma das coisas que nos distinguem, na Europa, é a doutrina social da Igreja, e nós dependemos também disso. E, às tantas, apagamos isso no percurso, o que não faz sentido”, acrescenta, antes de revelar aquele que é o seu projeto para o pós-encontro em Assis: “Tenho a expectativa de ter uma agenda de investigação nesta área, de fazer uma cátedra à volta d’A Economia de Francisco. Aliás, agora quando for a Itália, vou reunir-me com alguns colegas europeus para poder fazer algo que vá rodando entre várias universidades, e que tenha em conta esta herança europeia também. Gostava de criar uma iniciativa que tivesse uma parte de investigação. Às vezes, não celebramos o suficiente os sinais d’A Economia de Francisco (a que chamamos assim agora, mas enfim, é mais uma economia integral…) e é preciso fazê-lo!”
Artigo publicado originalmente na edição n.º 429 de janeiro de 2020 da revista EXAME. Foi entretanto atualizado com as novas datas do encontro.