Entram de sorriso no rosto e mão estendida e de telefone em riste porque “a filha bebé está doente e precisam de estar atentos”, explicam quase em jeito de desculpa. Sera e Faik trocaram a Turquia por Portugal há cerca de dois anos, e é com segurança que garantem que dificilmente se irão embora. “A nossa filha nasceu aqui”, afirmam, como se isso bastasse para nos responder.
Só precisaram de uma viagem de carro pelo País, durante cerca de três semanas, para perceberem que era na nação mais ocidental da Europa que queriam estabelecer o seu projeto de vida: um boutique hotel integrado com a Natureza, onde as pessoas possam “conectar-se com os outras, com o meio ambiente e consigo mesmas”, resume Faik Yufkayurek, filho de mãe alemã e de pai turco. Ambos os empresários acumulam experiência internacional no mundo corporativo, mas quis a vida que se cruzassem em Istambul, onde Sera Ozturk se dedicara à empresa da família e Faik terminava uma viagem pelo mundo, precisamente para decidir qual o passo seguinte, depois de ter passado por consultoras e bancos no Reino Unido e na Alemanha.
“A verdade é que nunca nos tínhamos sentido tão acolhidos nem tão integrados como aqui – e nós já vivemos em vários lugares do mundo. Juro que até me sinto culpado por não saber falar português”, atira Faik com um sorriso, depois de explicar que, quando começaram a pensar no projeto, ainda apontaram baterias à Califórnia. No entanto, a distância da Europa acabou por afastá-los dessa ideia. Em Portugal, ficaram “apaixonados pelas vistas para o mar, mas toda a gente nos dizia que devíamos fazer algo na Comporta, que era onde as coisas estavam a acontecer e tal. Mas quando olhamos para a Comporta… é uma zona plana, há imensos mosquitos, não tem vista-mar e já está superexplorada. Nem sequer se consegue estacionar o carro em julho ou agosto. Não fazia sentido para o que queríamos. E então descobrimos Melides. Há serras, colinas. E foi ali que começámos à procura”.
Depois, garantem, tiveram a sorte de viver uma sucessão de felizes acasos: o terreno que compraram não foi o primeiro que escolheram, mas acontece que agora lhes faz muito mais sentido; o arquiteto responsável pelo projeto (Vasco Vieira) acabou por ser resultado de um encontro informal num pequeno café de Alfama, a gestão de projeto foi entregue à Sonae Sierra que acreditavam não querer, sequer, pegar num empreendimento desta dimensão. “Um amigo pôs-nos em contacto com outro amigo e, de repente, a Sonae Sierra estava interessada. Nós não procurámos, mas vieram ter connosco. E isso é incrível porque eles têm um imenso know-how e o preço foi superjusto”, esclarece Sera. Além de que, nota Faik, “é bastante diferente apresentarmos um projeto da Sera e do Faik, que ninguém faz ideia de quem sejam, ou da Sonae Sierra, que é a marca que é” em Portugal e que já nos abriu imensas portas.
O Umay Boutique Resort vai representar um investimento global de 25 milhões de euros, um dos valores mais elevados alocados por particulares turcos a projetos nacionais e que deverá ser feito de uma só vez. “O hotel vai, definitivamente, ser o primeiro a ser construído, ao mesmo tempo que o spa e as villas”, algumas das quais já têm compradores interessados. Já no que concerne aos bungallows, que também serão parte do empreendimento, ambos garantem ter “muita flexibilidade. Esses vamos construindo consoante o avanço e a ocupação. Também depende de termos acesso ao Portugal 2020 [fundos do programa europeu]. Se tivermos, faremos tudo de uma vez, senão poderemos fazer o investimento por fases. Mas, sinceramente, não é essa a nossa ideia”.
O programa Portugal 2020 estabelece as prioridades de investimento necessárias para a promoção do crescimento inteligente, sustentável e inclusivo em Portugal. Para regiões como o Alentejo, a atribuição de fundos pode chegar aos 85% do investimento global previsto por cada projeto. As eleições legislativas acabaram por atrasar ligeiramente a abertura das candidaturas para os fundos deste ano, mas Sera e Faik são rápidos a esclarecer que estão a trabalhar junto dos bancos para avançar com ou sem os recursos das instituições europeias, e que estão preparados para ir em frente e cumprir os prazos previstos de construção e abertura da nova unidade hoteleira de Melides.
Turquia de olho em Portugal
Em apenas sete anos, os investidores de origem turca conseguiram saltar para o pódio dos que mais apostam em Portugal. Dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) revelam que, entre outubro de 2012 e setembro de 2019, foram concedidos, a cidadãos do país do Bósforo, 366 autorizações de residência para atividade de investimento (ARI). Só em 2019, foram concedidos 68 vistos gold a cidadãos turcos, num total de 319 concessões de autorização de residência, revelam os mesmos dados do SEF. Para Sera e Faik este é um movimento relativamente natural, com Portugal
a preencher uma série de requisitos, desde a segurança até à qualidade de vida, passando pelo clima temperado e pela facilidade em acolher estrangeiros, que geralmente as pessoas procuram quando buscam um outro país para investir ou somente para viver. De fora da nossa conversa ficaram considerações sobre eventuais questões políticas que possam estar a ajudar este movimento migratório.
Com abertura prevista para 2021, o Umay Boutique Resort tem já a trabalhar uma equipa que é quase 100% portuguesa, entre gestores de projetos, arquitetos e decoradores. E quando ainda falta algum tempo para começarem a recrutar para a gestão do hotel, Sera e Faik têm sido surpreendidos com a quantidade de currículos e mensagens de pessoas que “estão fora e que gostavam de voltar para a sua terra, ou então de pessoas que se identificam, de alguma forma, com o projeto”, revela Sera antes de se confessar “mesmo muito orgulhosa” por estar a conseguir provocar reações em quem conhece a sua ideia para o Umay.
Os proprietários deste boutique hotel esperam contratar pelo menos 100 pessoas no arranque do projeto, mas é possível que o número vá aumentando. Dirigido a um segmento alto, o Umay Boutique Hotel vai contar com serviços de babysitting, com atividades para miúdos e graúdos, e com uma componente natural que interligará os vários serviços e edifícios do complexo. Sem pensarem num mercado em particular, Sera e Faik acreditam que vão conseguir atrair as pessoas que partilham com eles os valores que querem imprimir ao Umay.
“É fácil dizer que somos honestos. Não é tão fácil ser sempre honestos. Portanto, queremos mesmo que as pessoas se identifiquem com isto, com aqueles que são os nossos valores – honestidade, harmonia, autenticidade, generosidade – e que possamos continuar a ser um exemplo para elas.”
Este artigo foi originalmente publicado na edição de novembro de 2019 da revista EXAME