Quando a vida corre mal, a perspectiva é uma coisa que ajuda. Winston Churchill dizia que quando se está a atravessar o inferno, o melhor é continuar. Dante diria talvez que vale a pena parar e visitar os níveis inferiores, onde descobriremos que o nosso inferno pessoal é a ideia de paraíso dos que estão pior do que nós. E isso, por muito que o mundo evolua, nunca deixa de ser verdade.

Nestes tempos em que vivemos, não é má ideia fazer uma visita ao Museu de São Roque. Não que seja um inferno, longe disso, mas porque São Roque, que viveu durante um dos surtos de peste bubónica do século XIV e curou muitos pestíferos, é o santo protector contra as pandemias. Aliás, durante o surto de peste que assolou Lisboa em 1505, D. Manuel I mandou vir de Veneza uma relíquia do santo para proteger a cidade e os seus habitantes. A igreja de São Roque que hoje conhecemos foi construída no local onde em 1506 se ergueu uma ermida para acolher a relíquia (que ainda hoje lá está).

Muitas coisas se podem dizer sobre o covid-19, que é pior que a peste bubónica não será, certamente, uma delas – estima-se que no pico da peste, em meados do século XIV, tenha morrido entre 30% a 60% da população europeia. Portanto, quer sejamos crentes ou não, São Roque – que foi, ele próprio, contagiado pela peste e conseguiu curar-se apenas para ser preso sob falsas acusações de espionagem, acabando por morrer na prisão – tem muito para nos ensinar. Razão pela qual o museu, em parceria com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), criou uma visita guiada à sua exposição permanente intitulada Pandemias e Religiosidade. O acervo conta com uma das mais importantes colecções de arte sacra em Portugal e inclui azulejos, pinturas, esculturas, mármores embutidos, talha dourada, relicários, etc., todos hoje pertencentes à SCML.
Ao longo da história, os surtos pandémicos sempre estiveram associados a momentos de aproximação a Deus e à Igreja, fruto do medo da morte e da crença de que a peste era um sinal do fim dos tempos. Esta visita leva-nos numa viagem por épocas pandémicas, como a que agora vivemos, e evoca crenças e práticas religiosas que, numa altura em que a medicina era parca em soluções, foram a única esperança.

A igreja de São Roque tornou-se em 1768 sede da SCML. Por seu lado, esta instituição, à semelhança do santo de Montpellier, tem como preocupação maior dar assistência aos doentes e desvalidos. Uma relação simbiótica que vale a pena ficar a conhecer. As visitas são gratuitas, mediante marcação prévia através de culturasantacasa@scml.pt ou do telefone 213240869.