De alguma forma todas as pessoas sabem o que é a solidariedade. E de alguma forma e a um determinado nível, todas as pessoas estão corretas na sua conceção. Mas, e por momentos, vamos perguntar-nos o que é a solidariedade? Como aquelas perguntas que as crianças nos lançam tantas vezes e às quais temos dificuldade em responder. Então, o que é a solidariedade?
Podemos ter duas visões: a mais comum (mesmo que não exatamente compreendida desta forma por todas as pessoas), e a “outra” mais recente enquanto conceito, a qual se encontra estudada na economia solidária e a que darei maior importância por sentir com muita convicção que esta é a que faz mais sentido (diria mesmo que faz mais falta).
A solidariedade filantrópica (da caridade, se assim se pode dizer), tal como descrita por Laville no Dicionário da Outra Economia é a noção de solidariedade que se concentra no imediato, “na urgência dos problemas e na preservação da paz social”. Esta conceção tem como fim o “alívio dos pobres e a sua moralização” por meio de ações paliativas que, na maioria dos casos, tornam as pessoas dependentes e presas num ciclo vicioso da pobreza. A única contrapartida possível (dada pelos pobres) é a “gratidão sem limites” que estabelece uma “dívida eterna que jamais pode ser honrada” por quem beneficia. Por outras palavras, esta solidariedade é um “dispositivo de hierarquização social e de manutenção das desigualdades”. As variáveis sociais e ecológicas, entre outras, são apenas externalidades desta solidariedade. Assim muito do que é a chamada “resposta social”, atua tentando atenuar incapacidades do Estado e as falhas do mercado nesta perspetiva de bálsamo da pobreza que promove a desigualdade, criando situações crónicas em vez de verdadeiras alternativas, cumprindo um papel de estratificação social e de pouca humanidade. Também muito do voluntariado praticado atua na base deste conceito de “solidariedade”, acabando por ser, por vezes, perverso e promotor de desigualdade e desempoderador.
A “outra solidariedade”, descrita por Laville e outros autores, e que me move particularmente, trabalha num sentido muito mais integrado e abrangente onde a igualdade, democracia e autorresponsabilidade são pontos importantes. É uma solidariedade que promove ou aprofunda a igualdade de direitos entre as pessoas e a democracia (política, económica e social). Baseia-se na “ajuda mútua e supõe haver uma paridade de direito entre as pessoas que nela se envolvem”. Esta solidariedade pretende resolver problemas, tendo em conta a igualdade, a proximidade, a cultura, a diversidade, o envolvimento, a informação, a ecologia, a autonomia e o empoderamento das pessoas. Aqui, a solidariedade nunca procura a “gratidão sem limite” das pessoas, como se fosse uma dívida de quem beneficia (que até pode ser qualquer um de nós), nem tão pouco procura viver do problema. Preocupa-se também com o ambiente, com os outros seres vivos e com uma relação equilibrada (solidária) entre tudo o que existe no planeta. Neste tipo de solidariedade o voluntariado é muito mais adequado e pertinente, pois este é uma forma democrática e livre de atuar, de cooperar, de igualdade, partilha e desenvolvimento. Dira que é a solidariedade que “interessa” ao voluntariado. É também o tipo de solidariedade que interessa ao empreendedorismo social pela sua visão mais holística e ética.
Toda a solidariedade que procura uma gratidão sem limites, um baixar dos olhos, um aperto de mão sem sentido ou um tratamento por “títulos”, é uma solidariedade pobre e desigual. Toda a solidariedade que olha nos olhos, sabe o nome, cumprimenta com um forte aperto de mão, com um sorriso sabedor do nome da pessoa, é uma solidariedade humana, digna e capacitadora que cria igualdade entre as pessoas. Mais do que uma solidariedade do futuro, esta é uma solidariedade que se começa a assistir no presente e que irá transformar a nossa forma de viver.