Rodrigo, chamemos-lhe assim, tem 11 anos e faz questão de nos servir de guia na casa que começa num estreito corredor de um rés-do-chão de Marvila, em Lisboa. Apesar de já saber que vai ter uma casa nova, mostra-se muito orgulhoso do seu quarto: além de um Marsupilami, tem também um astronauta pintado no teto. Naquela visita guiada, acompanham-nos ainda paredes cheias de frases inspiradoras: “nós somos do mesmo tecido de que são feitos os sonhos”, de William Shakespeare. Ou “O verdadeiro homem mede a sua força quando se defronta com o obstáculo”, de Saint Exupéry. Não podiam vir mais a propósito, para suavizar um pouco o nó que cresce na garganta depois de o ouvir confessar: “Sabes, a minha mãe abandonou-me…”
É fim da tarde e Rodrigo também se quer juntar ao resto dos miúdos reunidos em volta do televisor, numa sala que ainda guarda algumas decorações de Natal. Falta pouco para se saber se o mais recente maior amigo da casa, o futebolista do Real Madrid Cristiano Ronaldo, é eleito o melhor jogador do mundo. Os mais pequenos não descolaram os olhos das imagens da Gala da FIFA desde o início da transmissão, em direto de Zurique, na Suíça. Os mais velhos entram e saem da sala, a tentar esconder o nervosismo. “Chamem-me quando for a hora”, pede um deles. Há de seguir-se uma hora e meia de entra e sai, constante, enquanto vão dizendo, uns aos outros: “Vai ganhar o Ronaldo, tem de ser.”
Mas quando o rei Pelé aparece, faz-se um imenso silêncio. Devagar, o antigo jogador brasileiro abre um enorme sorriso, depois de espreitar o cartão com o nome do vencedor da Bola de Ouro, troféu a ser entregue ao melhor jogador do ano passado. Quando começa a dizer Cris…, já não o ouvimos, a plateia explodiu em emoção: “…tiano Ronaldo!”
É uma vitória que ali tem um sabor ainda mais doce, desde que o craque anunciou, há uma semana, a sua intenção de ajudar a construir uma casa nova para aqueles rapazes. “Foi o nosso presente de Natal”, confidencia Mariana Madeira Rodrigues, 40 anos, a diretora executiva da instituição. A boa nova estaria a ser cozinhada desde o início de dezembro, na sequência de um momento pouco feliz da Pepsi, depois da sucursal sueca da marca ter retratado o jogador português amarrado a uma linha de comboio. Seguiu-se o imediato boicote à concorrente da cola mais famosa do planeta – e, entretanto, o pedido de desculpas. Para selar o fim desse episódio, nada como ajudar quem precisa.
“Conseguimos retirar algo positivo de uma situação negativa e aplica-lo à sociedade portuguesa. Este projeto, além de inspirador, vai fazer com que estes jovens rapazes possam ter as condições de que necessitam”, disse Cristiano Ronaldo. “Gostaríamos de lhe agradecer a sua atitude, esta causa é possível graças a ele”, declarou Tiago Carapinha, director de marketing da Pepsi Portugal. “É um grande exemplo, para nós e para o mundo”, salienta Mariana Rodrigues.
O pontapé de saída fora dado pela campanha comercial que já decorria para angariar fundos, na Rádio Renascença. A Casa dos Rapazes, organismo da Segurança Social que acolhe rapazes dos 6 aos 18 anos cuja vida tomou rumos difíceis, fora obrigada a instalar-se ali provisoriamente em 2005 quando um incêndio destruiu o Convento de Salvador, em Alfama, o seu lugar inicial.
“Faltavam-nos 150 mil euros para completar o projeto”, segue a diretora, acrescentando ainda que vão mudar-se para o concelho de Cascais, onde os esperam duas casas contíguas, rodeadas de um pequeno terreno ao ar livre, cedidas pela autarquia. Depois, até parece que foi o universo que conspirou a seu favor: “A nossa sigla também é CR e 7 foi o número que a Renascença escolheu para a sua campanha de donativos. E agora vamos mudar-nos para a Avenida Cândido dos Reis, número 7!”
A iniciativa de que fala estava no ar na altura em que a Pepsi e Ronaldo decidiam quem mais beneficiar com aquelas pazes. Seria a própria Barbara Vara, filha de Armando Vara e gestora da Polares Sports, a empresa que cuida dos direitos de imagem do futebolista, a contactar a instituição. “Não podíamos ficar mais contentes”, confessa a diretora, “mas só quando foi anunciado oficialmente é que contámos cá em casa.”
Uma história feliz que vai também estar nas mãos de toda a gente, já que foi ainda feita uma edição especial de 10 487 289 copos, que totalizam o número atual de habitantes no País. Em cada um, apresenta-se o projeto que uniu Ronaldo e a Pepsi, com a assinatura casadosrapazes.pt, e faz-se o remate final: “Porque em Portugal uma ação vale mais que mil palavras”. A cereja no topo do bolo será quando a casa nova estiver pronta – no máximo, deseja Mariana Rodrigues, daqui a um ano. “E o que mais gostávamos era que o Ronaldo viesse à inauguração.” Fica a mensagem.